DESTINO: 90s é uma nova rubrica do Maisfutebol: recupera personagens e memórias dessa década marcante do futebol. Viagens carregadas de nostalgia e saudosismo, sempre com bom humor e imagens inesquecíveis.  DESTINO: 90s. 

JORGE SOARES: FARENSE, BENFICA, MARÍTIMO, DE 1989 A 2002
 
Nasceu para o futebol como lateral, no Messejanense, da terra natal. «Era onde havia lugar», conta um sorridente Jorge Soares, com mais cabelos brancos, e apenas isso, em relação aos tempos em que se digladiava nos relvados com os pontas de lança. Mesmo depois do adeus, continua a ser reconhecido nas ruas de Faro, e o  Maisfutebol testemunhou-o.
 
Lembra-se de ter jogado quase sempre no escalão imediatamente acima daquele para o qual tinha idade. A estatura invulgar assim o permitia, aliada a uma queda natural para o desporto, em especial para um que... dispensava bola.
 
«O meu primeiro desporto foi o atletismo. Fui campeão nacional, internacional várias vezes... era bom em lançamentos, saltos, essencialmente, em provas curtas. Longas, não. Na altura, pela idade, como iniciado e juvenil, fazia os 60 ou 80 m, mas cheguei a fazer os 100, em provas-extra. Os mais novos podiam participar dessa forma nas competições seniores», revive.
 
«Tinha jeito para aquilo. Gostava das provas em pista. Também ia aos crosses, mas... não era para mim. Desistia ou não alcançava grandes marcas. Gostava mais de provas curtas e intensas. A resistência não era o meu forte. Depois, quando começavam os campeonatos, era no futebol que me aplicava. No Verão, quando não havia bola, praticava atletismo. Lançamento do peso, do disco... salto em comprimento.  Competia no hexatlo, não eram as 10 provas do decatlo, mas apenas seis. Fui várias vezes campeão nacional», complementa.
 
Conseguiu gerir os dois amores enquanto morou no Alentejo – depois do Messejanense, transitou para o Mineiro, clube de Aljustrel, a sede do concelho – , mas quando o Farense o «descobriu» teve de tomar uma opção... difícil
 
«Quando vim para Faro, isso teve de mudar. Nas férias grandes, voltava à terra, e ainda participava nalgumas provas, mesmo sem treinar... e ganhava-as. Os regionais? Fácil! Depois, como conseguia os mínimos, ia aos Nacionais. No segundo ano de júnior, quando comecei a trabalhar com os seniores, a partir daqui, a época passou a começar mais cedo, e tive de deixar o atletismo.»
 
Ficou, porém, um certo bichinho.
 
«O atletismo tinha um espírito diferente. Os meus amigos praticavam e eu, por arrasto, também. Depois íamos às seleções [distritais], o pessoal todo junto, de Beja, Aljustrel, da Cuba... era engraçado, um desporto diferente. Foi uma modalidade de que sempre gostei muito.»
 
A excelência na disciplina valeu-lhe de muito, mais tarde, na passagem para os relvados. «Há sempre capacidades que se adquirem quando somos miúdos, adolescentes, que, obviamente, no futuro, acabam por ajudar. Era um central rápido? Sim, para a minha estatura [1,87m], penso que sim. Lembro-me de correr os 100 m, que é uma prova para seniores, quando tinha 15 anos. Tinha a marca de 11 segundos e 50 e tal. Não era especialista, mas, na altura, era uma marca muito boa.»
 
Das minas para o São Luís pela mão de Fanã
 
Aos 15 anos, precisamente, Jorge Soares já demonstrava que iria, a qualquer momento, romper as fronteiras do Alentejo. Dava nas vistas nos torneios entre seleções distritais. O salto estava iminente.
 
«O Fanã [Fernando Pires] foi buscar-me a Aljustrel. Conheceu-me naqueles torneios que havia em Lisboa, pela Páscoa. Na altura, era o Interassociações, depois passou a ter o nome de Gomes da Silva. Eu representava a seleção de Beja. Pude ir duas vezes porque, na primeira, era um ano mais novo. Aquilo era para sub-15 e eu era sub-14, algo do género. O Fanã era o selecionador do Algarve, isso antes de ir para o Farense», explica, desvendando mais pormenores:
 
«Então, apareceu-me uma vez lá, no Alentejo. Para mim, era o máximo. Surgiu a oportunidade e ainda bem que os meus pais me deixaram ir. Podiam não ter autorizado e aí, seria mais um a ficar pelo caminho, como tantos dos meus colegas. Claro que me exigiam que tivesse boas notas e coisas do género mas eu, para a escola...[risos]»
 
Em Faro, conheceu o espanhol mais português do futebol cá do burgo. Aquele que, apesar dos incontáveis anos deste lado da fronteira, nunca conseguiu exprimir-se verdadeiramente na língua de Camões. Paco Fortes, claro.
 
«Em termos de treino, o Fanã preparava tudo, depois havia o dedo dele no resto. Conseguia transmitir aquela mística às equipas. Ainda me lembro de o ver jogar aqui, nesse ano em que vim para cá. Era extremo. Rápido. Na altura em que o vi, já nem tanto, porque já estava em final de carreira. Deixou nesse ano, e começou a treinar.»
 
Paco Fortes deixou uma marca bem particular no antigo central. «Claro que era especialíssimo ser treinado por um ex-jogador do Barcelona. Foi ele que me lançou na I Divisão e isso marca sempre, pela aposta que fez em mim, que vim da formação do Farense. Ainda hoje são poucos os que passaram por lá e chegaram a uma equipa grande. Não fiz as camadas jovens todas lá, mas ainda foram três anos, como juvenil e júnior.»
 
Do ex-treinador, guarda a forma como contagiava os jogadores com um estilo muito próprio. O Paco marafado. «Toda a gente via como o Farense jogava no São Luís. Era difícil passar aqui. A única equipa, que me lembro, que ganhava sempre, era o Sporting. Aos outros grandes ganhávamos. Criava-se um certo ambiente, e a equipa era muito agressiva.»
 
Com tantos colegas de balneário, alguns teriam de ser, naturalmente, recordados por terem algo que os distinguiam. «O Rufai? Príncipe? Sim, era o que ele dizia.. O pai dele era chefe de uma tribo. Era muito bom, claro. Era o guarda-redes da seleção da Nigéria! Como era de cabeça? Era... era esquisito. As pessoas também empolam um pouco as coisas. Educado? Sim, claro, não era nenhum selvagem. Era engraçado.»
 
Nesse capítulo, não esquece Rui Esteves, com quem passou grandes momentos, e ainda hoje encontra, de vez em quando.
 
Nas seleções jovens [não chegou aos AA] conviveu de perto com a chamada geração de ouro. «Fui chamado algumas vezes antes do Mundial de sub 20, de 91, mas não fiquei no grupo final. A partir daí, comecei a ir aos Esperanças, no apuramento para o Europeu de 92. Fomos apurados. Estavam lá os campeões do Mundo, saiu um ou outro, o Figo e o Peixe, para a Seleção principal. Quando vou a Toulon, estava com o Brassard, Rui Bento, Jorge Costa, Paulo Torres, Rui Costa... o Gil, o Toni. Grandes tempos!»