«Num domingo de Páscoa?!» Esta tem sido a reação mais frequente à possibilidade de o Benfica festejar o título com o Olhanense, neste domingo. Uma situação realmente invulgar no futebol português que é, a par do italiano, o que mais zela pela tradição de evitar jogos de competições desportivas profissionais no feriado religioso. Mas, embora invulgar, esta não é uma situação inédita. E tem uma derrota europeia como ponto de partida.

A memória de Liverpool

«O que mais me preocupa é falta de horas de recuperação. Se tivéssemos mais 24 horas, não tenho dúvidas de que amanhã teríamos outro andamento. Tenho consciência de que, dependendo da intensidade do jogo, amanhã haverá jogadores a jogar no limite e poderá haver lesões»

A 7 de abril de 2010, Jorge Jesus projetava assim o jogo do dia seguinte, em Liverpool, para os quartos-de-final da Liga Europa. Nessa jornada da Liga, como habitualmente no futebol português, não tinha havido jogos no domingo de Páscoa. O Benfica ganhara à Naval na Figueira da Foz (4-2), no dia 5, a segunda-feira seguinte. Três dias depois, a derrota, por 4-1, punha fim à primeira campanha europeia de Jesus como treinador do Benfica.

No rescaldo, o técnico não teve dúvidas em retomar o argumento que já tinha deixado na antevisão: «Face ao resultado da primeira mão, e ao descanso que a equipa teve, sabia que íamos ter algumas dificuldades na segunda parte, se a intensidade fosse alta. Sentíamos capacidade para discutir a eliminatória, mas houve jogadores que tiveram problemas para acompanhar a velocidade dos jogadores do Liverpool. Não tivemos horas para recuperar até ao nível a que costumamos estar. O Benfica perdeu nos pormenores e na frescura física», frisou na conferência de imprensa em Anfield.

Provavelmente são estas declarações que servem de pretexto à quebra de tradição. Pela primeira vez em 33 anos, o Benfica vai entrar em campo a um domingo de Páscoa – com a particularidade, inédita, de esse jogo, com o Olhanense, poder ditar os festejos da conquista da Liga. É a forma encontrada pelo staff encarnado para, perante um calendário carregado, dar a Jesus as tais 24 horas extra de recuperação que, na opinião do técnico, podem fazer a diferença no jogo com a Juventus, quinta-feira.

Aliás, depois de Liverpool, na era Jorge Jesus, o Benfica não voltou a ter a preparação para jogos europeus condicionada pelo feriado de Páscoa. Em 2011, a equipa venceu a final da Taça da Liga a um sábado, 23 de abril, recebendo o Sp. Braga na quinta-feira seguinte, na primeira mão da meia-final da Liga Europa. No ano seguinte, já depois de ter sido eliminado pelo Chelsea na Liga dos Campeões, o Benfica jogou e perdeu o dérbi em Alvalade, a 9 de abril, segunda-feira seguinte ao feriado, despedindo-se aí da conquista do título. 

Finalmente, no ano passado, a equipa de Jorge Jesus goleou o Rio Ave no sábado de Aleluia (30 de março), tendo cinco dias para preparar a vitória (3-1) sobre o Newcastle, para a Liga Europa. Mas, desta vez, a meia-final da Taça de Portugal, com o FC Porto, tornava inviável a marcação do jogo com o Olhanense para um sábado e a tradição deixou de ser o que era. Em nome da Liga Europa, com o bónus acrescido de um previsível recorde de audiência para a transmissão televisiva no canal do clube.

Em 1981, também uma meia-final no caminho

Nos últimos 65 anos, este será apenas o décimo jogo do Benfica a um domingo de Páscoa – o quarto a contar para o campeonato nacional, já que os restantes seis se reportavam a eliminatórias da Taça de Portugal. Foi precisamente numa eliminatória da Taça que a equipa jogou pela última vez no feriado religioso: a 19 de abril de 1981, no Parque do Rossio da Trindade, em Lagos, a equipa treinada pelo húngaro Lajos Baroti, venceu o Esperança por 2-1, com golos de Humberto Coelho e Reinaldo.

Curiosamente, também nessa altura o Benfica tinha uma meia-final europeia no horizonte: três dias depois, recebeu o Carl Zeiss Jena na Luz, para a Taça das Taças, vencendo por 1-0. O resultado foi insuficiente para dar a volta à eliminatória, depois da derrota por 2-0 na RDA. Nessa altura não se falava tanto em rotação de jogadores: Baroti repetiu 12 dos 13 utilizados no Algarve no jogo decisivo com os alemães.

Historicamente, Portugal é, a par da Itália, o país europeu que atribui mais importância à quadra pascal na calendarização do futebol: em todos os outros principais campeonatos europeus, as jornadas mantêm-se sem alteração. Mesmo em Espanha, onde a tradição da Semana Santa tem um peso cultural enorme, é hábito jogar-se no domingo de Páscoa, como aliás volta a acontecer neste ano.

Eusébio: 10 golos em três domingos de Páscoa!

Nos anos 50, quando a Liga portuguesa tinha apenas 14 equipas e menos jornadas, havia o hábito de disputar a 26ª e última ronda no domingo de Ramos, iniciando-se depois as eliminatórias da Taça de Portugal. Foi para esta prova que o Benfica jogou cinco vezes em domingos de Páscoa, entre 1951 e 1966. Só em 1968 jogou pela primeira vez para o campeonato nesta data, goleando a Sanjoanense na Luz, por 6-0, num jogo com cinco golos (!) de Eusébio.

O «Pantera Negra» tinha, aliás, especial vocação para jogar neste feriado: nos outros dois jogos do Benfica em domingos de Páscoa, Eusébio esteve sempre em grande, marcando três na goleada por 4-0 ao U. Tomar (29 de março de 1970) e dois nos 5-0 ao Farense, já com o Benfica a festejar um campeonato ganho a sete jornadas do fim. Este será apenas a terceira vez que o estádio da Luz acolhe um jogo nesta data (as outras ocorreram em 1962 e 1968). Como curiosidade adicional, refira-se que o jogo deste domingo, com o Olhanense, 33 anos depois da visita a Lagos, será o terceiro consecutivo dos encarnados com equipas algarvias, neste feriado.

Os jogos do Benfica em domingos de Páscoa

25/3/1951: Benfica-Sp. Covilhã, 4-1 TP
21/4/1957: Caldas-Benfica, 0-3 TP
6/4/1958: Belenenses-Benfica, 1-2 TP
22/4/1962: Benfica-FC Porto, 3-1 TP
10/4/1966: Sp. Braga-Benfica, 4-1 TP
14/4/1968: Benfica-Sanjoanense, 6-0 CN
29/3/1970: U. Tomar-Benfica, 0-4 CN
22/4/1973: Farense-Benfica, 0-5 CN
19/4/1981: Esp. Lagos-Benfica, 1-2 TP
20/4/2014: Benfica-Olhanense, ?-?