O Tribunal da Concorrência fixou, esta quarta-feira, a prestação de cauções pelas sociedades desportivas que recorreram das coimas aplicadas pela Autoridade da Concorrência (AdC) por impedimento de contratação de jogadores que rescindiram contrato unilateralmente devido à pandemia de covid-19.

Numa sessão destinada a agendar o julgamento dos recursos, cujo início ficou marcado para 1 de março de 2023, o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS), em Santarém, fixou o valor das cauções para permitir a suspensão do pagamento das multas aplicadas pela AdC a 31 sociedades desportivas e à Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP), e que totalizaram 11,3 milhões de euros, decisão que foi conhecida em abril último.

Começando por classificar como «não séria» a proposta de prestação de cauções de um euro, como fizeram algumas Sociedades Anónimas Desportivas (SAD), a juíza Mariana Gomes Machado acabou por aceitar argumentos sobre a situação financeira dos clubes para, pela primeira vez, fixar coimas de valor abaixo dos 50 por cento da multa recorrida.

Como foram definidas as cauções

O TCRS criou cinco grupos de diferentes valores percentuais e, nos casos de Benfica e FC Porto, a quem foram aplicadas as multas mais elevadas (cerca de 4,2 milhões de euros e de 2,6 milhões, respetivamente), as respetivas SAD prestarão cauções de 50 por cento do valor das coimas aplicadas pela AdC, para assegurarem a sua suspensão até à decisão do TCRS.

Outras seis (Marítimo, Boavista, Paços de Ferreira, Santa Clara, Portimonense e Gil Vicente) terão de prestar caução de 30 por cento do valor da coima, sendo que esse valor sobe para os 40 por cento para a Liga, o Sporting de Braga e para o Sporting, atendendo ao argumento deste clube, de que, apesar de ser dos ditos “grandes”, apresenta uma situação financeira mais frágil, dada a perda de receitas com a exclusão da Liga dos Campeões.

Já Académica de Coimbra e o Leixões viram o TCRS isentá-los da prestação de caução, por se encontrarem insolventes, sendo automática a suspensão da execução da coima. Por outro lado, fixou-se em 20 por cento o valor da caução a pagar por 15 das sociedades recorrentes, as de menor dimensão (Viseu, Tondela – um dos que pediu caução de um euro - Famalicão, Moreirense, Rio Ave, Vitória de Guimarães, Farense, Mafra, Estoril Praia, Penafiel, Covilhã, Oliveirense, Varzim, Vilafranquense e BSAD).

As reações de FC Porto e Benfica

Os mandatários das SAD’s de FC Porto e Benfica ainda argumentaram que a boa situação financeira não pode justificar uma «discriminação negativa» com clubes que disputam o mesmo campeonato (numa alusão a Sporting e Sporting de Braga), tendo o advogado dos portistas tentado dar como caução ações do Estádio do Dragão, o que foi prontamente refutado pelo procurador do Ministério Público (MP) e pela juíza do TCRS.

O procurador Paulo Vieira advertiu que se a caução prestada não puder ser executada no imediato, o MP avança com a penhora de contas bancárias no valor integral das coimas, sugerindo várias possibilidades para cumprimento do determinado pelo tribunal.

A prestação das cauções no valor determinado terá de ser prestada até 20 de janeiro de 2023, podendo ser feita por garantia bancária, depósito à ordem do TCRS ou em títulos, desde que cotados em bolsa.

Sporting propôs hipoteca de terreno como caução

O Sporting propôs ao Tribunal que aceitasse como caução a hipoteca de um terreno em Lisboa onde se localizam umas bombas de combustível que geram uma renda anual de 250 mil euros, alegando não poder ir além de uma caução de 25 por cento do valor da coima de perto de 1,7 milhões de euros que lhe foi aplicada. O TCRS fixou o depósito de 25 por cento do valor (416.500 mil euros), aceitando a hipoteca para os restantes 15 por cento (250 mil euros, correspondendo ao valor da renda associada ao terreno).

Esta manhã, os vários clubes e a Liga invocaram os impactos do período da pandemia nos seus resultados financeiros, tendo a juíza Mariana Machado salientado que a fixação, pelo TCRS, das cauções em 50 por cento, «já pondera todas as vicissitudes» e que «só situações muito excecionais» a levam a aceitar valores abaixo.

Em causa no processo está a assinatura, em 2020, de um acordo entre os filiados na Liga para a não contratação de futebolistas que rescindissem unilateralmente por motivos relacionados com a covid-19. Contudo, no início de junho de 2020, a medida acabou suspensa, depois de a AdC ter avançado com uma medida cautelar.

A AdC assumiu a situação como «um acordo restritivo da concorrência no mercado laboral» e, segundo a mesma, esta é «a primeira decisão relativa a uma prática anticoncorrencial no mercado laboral que pode ocorrer em qualquer setor de atividade e é punível nos termos da Lei da Concorrência».

O julgamento ficou com sessões marcadas de 1 de março a 19 de abril de 2023.