A imagem de Jorge Jesus a caminhar indiferente sobre bolas de papel vermelho amarrotado, uma chuva de cartolinas transformadas em projéteis dirigidos ao treinador que regressava à Luz, concentrado no campo e na equipa do Sporting que dava uma lição de eficácia e maturidade ao Benfica, pode bem servir de síntese ao dérbi. Ao Benfica-Sporting de 25 de outubro de 2015, 0-3, o dia em que o leão venceu na Luz pela primeira vez em nove anos e levou para casa a maior vitória de sempre no terreno do rival para o campeonato. Se alguém acusou todo o ambiente em torno do dérbi foi o Benfica. Como a frase de Rui Vitória na véspera, a dizer que tinha uma equipa e não sabia se do outro lado estavam mais que 11 jogadores, se virou contra ele. A equipa na Luz foi o Sporting.

Depois de ruído, tanto ruído nas semanas que antecederam o jogo, o dérbi foi futebol. Sem espaço para justificações que vão buscar casos e polémicas. Carlos Xistra, já agora, passou o teste, e a pressão que lhe puseram em cima foi gigante. Mas o dérbi foi também o resultado dos novos dados na mesa esta época, Jorge Jesus a construir algo no Sporting com o campeonato como objetivo primordial e a sua sombra a pesar na Luz. Da Supertaça até hoje.  

Podemos mesmo recuar à Supertaça, o primeiro jogo oficial da época. Dos onzes que entraram em campo, o Sporting mudou um jogador: agora estava William, então lesionado, na altura Carrillo foi titular. O Benfica mudou cinco jogadores. Estava Nélson Semedo, agora lesionado, não estava Luisão mas Lisandro, estavam Ola John, Fejsa e Talisca.  Agora Gonçalo Guedes, André Almeida e Raul Jimenez. Rui Vitória ainda está a tentar encontrar um caminho e está demorado. A época do Benfica deixa-o claro, mesmo que a excelente vitória em casa do At. Madrid para a Liga dos Campeões tenha deixado a ideia de que a equipa tinha crescido mais do que cresceu.

Voltando à tarde na Luz. O Benfica quis mandar no jogo e fê-lo de início, pegou na bola, teve-a e chegou à baliza de Rui Patrício. Mas o Sporting soube esperar para atacar no momento certo. E o primeiro desses momentos chegou com um desequilíbrio ganho numa perda de bola de André. Adrien mete na área onde aparece Téo. Júlio César chega primeiro mas toca a bola na direção do colombiano, que faz o 1-0. Depois da Supertaça, de novo Téo a fazer sorrir o Sporting no dérbi.

Não seria só ele. A vantagem deixou o Sporting dono do ascendente psicológico do jogo, mais tranquilo, do lado do Benfica começavam os nervos a falar mais alto. Foram precisos mais doze minutos até esse equilíbrio de forças desaguar no segundo golo do Sporting. Cruzamento de Jefferson, Slimani a saltar entre Luisão e Jardel, 2-0.

Era o terceiro remate do Sporting, antes disso tinha havido outro de Bryan Ruiz, por cima da barra. O Benfica tentava reagir, mas sem discernimento. Teve algumas oportunidades, Jonas esteve perto à passagem da meia-hora, mas nada.

A sensação era de que, a cada bola ganha, o Sporting estaria muito perto de marcar. Não era ilusão e o 3-0 chegou, para confirmar. 36 minutos, mais um contra-ataque do Sporting numa perda de bola a meio-campo do Benfica. Um primeiro remate de Slimani, Júlio César defende mas sobre a esquerda ainda chega Bryan Ruiz, a tempo de fazer o 3-0.

Tudo bem, tudo mal

Resultado inimaginável para muito antes do pontapé de saída, a constatação das evidências perante o que foi o jogo. Um Sporting sereno, eficaz, com qualidade e muito potencial goleador, um Benfica sobre brasas. Afinal, o espelho do que tem sido a época também.

Claro que correu tudo bem ao Sporting e tudo mal ao Benfica. Veja-se Fejsa, por exemplo. Entrou para a segunda parte, Eliseu ficou no balneário, viu um cartão amarelo com um minuto em campo e saiu menos de 15 minutos depois, lesionado.

A segunda parte manteve o tom, já com alguns lugares vazios na Luz. O Benfica a tentar e a acusar a pressão, o Sporting concentrado a controlar. Houve oportunidades para reduzir do lado do Benfica, uma perdida de Raul Jimenez aos 69m, Samaris a rematar ao lado um minuto mais tarde, mas nunca esteve perto de mudar o essencial.

E que melhor imagem para fechar o dérbi do que aquele atraso de Luisão que obriga Júlio César a uma corrida desesperada para a baliza vazia, a tentar evitar um quarto golo que não veio de mais lado nenhum, se não do desnorte do Benfica?