Conforto, qualidade, planeamento. Com três palavrinhas apenas se explica a vitória simples do Benfica na Vila das Aves, a décima no consulado de Bruno Lage, em 11 partidas jogadas.

Mais três pontos conquistados, mais três golos marcados – Seferovic, Rafa Silva e Ferro. Cedo, muito cedo aliás, se percebeu que não seria na teia de Inácio que as águias cairiam no poço das dúvidas. Isso nunca esteve perto de acontecer, mesmo depois da expulsão do menino Ferro.

Conforto.

O golo de Seferovic aos três minutos ajuda a perceber o novo Benfica. Depois de o Aves assustar por Mama Baldé – num lance anulado por fora-de-jogo-, a equipa nunca franziu o sobrolho e hesitou. Voltou a ter a bola, a procurar linhas de passe e a criar movimentos pouco óbvios.

Quando Samaris recebeu de Pizzi e levantou a cabeça, o suíço já saía das costas de Rodrigo, percebendo o que o médio grego procuraria. O lateral do Aves adormeceu, talvez por saber que no papel não seria ele responsável pelo acompanhamento do helvético.

Como o futebol é um jogo dinâmico, e com pouca disposição para teorias embriagadas de genialidade pueril, Seferovic fugiu da esquerda, atrás de todos os avenses. Ao receber no peito, cheio de qualidade, ficou logo de frente para a baliza de Beunardeau. Com frieza e habilidade, finalizou como tem finalizado. Golo.

Voltemos um pouco atrás. O 3x4x3 de Augusto Inácio encaixaria harmoniosamente no 4x1x3x2 de Lage. O problema para o Aves é que nunca ninguém pareceu saber o que fazer no posicionamento defensivo.

FICHA DE JOGO e AO MINUTO DO AVES-BENFICA: 0-3

Este Benfica não tem movimentações tipificadas, varia bastante o trajeto das peças, e complica a vida a quem defende.

Um exemplo simples: Grimaldo e André Almeida, os laterais do Benfica, teriam de ser acompanhados por Luquinhas e Mama Baldé. Ao caírem na zona dos laterais avenses (Rodrigo e Vítor Costa), deixavam o oponente a jogar no «quem é quem?». Quem marca aqui, quem acompanha para ali?

Confusão e espaço para o Benfica, claro.

É verdade que o Aves melhorou por volta dos 25 minutos, principalmente porque Vítor Gomes passou a ter alguma bola e a fazer mexer a equipa. Isso e as arrancadas acrobáticas de Luquinhas, um futebolista interessante, muito dinâmico.

Vítor Costa ainda obrigou Vlachodimos a uma defesa apertada para canto e nas bancadas comentava-se que esse era o momento do Aves no jogo. Conclusão: o Benfica fez o segundo.

Qualidade.

Todo o movimento da equipa nesse ataque é ótimo. Pizzi recebeu na esquerda, atrasou para Grimaldo e o espanhol buscou imediatamente o jogo interior. Para quem? João Félix.

O avançado de quem todos falam recebeu e quase sem olhar isolou Rafa. O extremo procurou o pé direito, sobre Ponck, e atirou em arco ao poste mais distante. Um gesto clássico e quase sempre incontrolável, se feito com… qualidade.

Conforto e qualidade, lembram-se? Ao intervalo já poucos duvidavam que o Benfica voltaria a ficar a um ponto do FC Porto na Liga. E quando Ferro fez o terceiro das águias, num desvio em esforço na área do Aves, os jornalistas avançaram decididos para as respetivas crónicas.

Planeamento.

Talvez seja o detalhe mais relevante das águias. Quem vê o Benfica ao vivo, percebe que muito pouco é feito de forma aleatória. Em ataque organizado ou em transição rápida, cada um aparenta conhecer o papel de cor, como se o estudasse todas as noites em frente ao espelho antes do xixi, cama.

Se a bola entra em André Almeida, ou em Pizzi, na direita, Grimaldo já está aberto na esquerda, nas costas do lateral contrário. Quando o passe entra bem, o desequilíbrio está feito.

O jogo interior, apoiado, é mais trabalhado. E depende muito de Gabriel. Nas Aves, curiosamente, o Benfica recorreu pouco à procura da triangulação médio-Félix/Seferovic-médio. Provavelmente pela abundância de centrais nessa zona. Ou defesas, como Augusto Inácio lhes chama.

Conclusão: não há qualquer dúvida, isto é limpinho, limpinho. Qualquer coincidência entre o bloco de notas organizado de Bruno Lage e os sarrabiscos táticos do professor Vitória não passará disso mesmo. Uma curiosidade desportiva.

Há dois universos no mesmo clube, na mesma equipa. A era Vitória vivia do talento do empirismo e dos lugares comuns emocionados (e emocionantes) do treinador, capazes de unir o grupo; a era Lage vive de controlo, qualidade e planeamento.

É outro mundo.