«Dúvida?

Não. Mas luz, realidade

E sonho que, na luta, amadurece.

[…]

E azul e branca essa bandeira avança

Azul, branca, indomável, imortal

Como não pôr no Porto uma esperança

Se "daqui houve nome Portugal"?»

Absolutamente desinspirado, o FC Porto socorreu-se esta noite do que nunca lhe faltou com Sérgio Conceição, uma garra inabalável, e agarrou-se com todas as forças à réstia de esperança na luta pelo título.

Um triunfo sobre o Casa Pia por 2-1, com reviravolta três minutos depois dos 90, valeu para adiar a festa do Benfica (que chegou ser virtual campeão quando os lisboetas foram para o intervalo a vencer). Nos últimos sete jogos em casa para a Liga, o FC Porto perdeu um e venceu seis pela margem mínima.

Esta noite, foi uma vitória feita de sangue, suor e lágrimas, que permite manter o líder Benfica a quatro pontos de distância, em vésperas do dérbi em Alvalade, e deixar um conforto de cinco pontos de vantagem sobre o Sp. Braga, que com seis pontos por disputar quase garante o apuramento direto para a Liga dos Campeões.

Não se deixem, porém, enganar pelas bonitas palavras do poema «Aleluia», de Pedro Homem de Melo.

O FC Porto esta noite teve coração, mas pouca cabeça. Foi uma equipa sem ideias durante uma hora de jogo e furiosa na restante meia-hora.

Sem Marcano e Otávio, castigados, Conceição chamou para o 4-4-2 Fábio Cardoso e André Franco. Outra alteração em relação à equipa de Arouca foi o regresso de Uribe, relegando Grujic para o banco.

A primeira parte do FC Porto é absolutamente errática, surpreendido por um Casa Pia que se desdobrava facilmente no 3-4-3 apresentado por Filipe Martins.

Otávio não estava para pegar no jogo e provocar desequilíbrios em espaços curtos, e Conceição ainda desperdiçou o talento de Pepê. O FC Porto só teria alguma centelha de criatividade com o brasileiro. Para isso, seria necessário que o mais talentoso jogador do onze não estivesse sacrificado a lateral direito. Mas também que Manafá e Rodrigo Conceição fossem alternativas válidas, face à lesão de João Mário que dura há mais de um mês.

O Casa Pia aproveitou a intranquilidade portista na gestão da posse de bola e saiu para o contra-ataque a seu bel-prazer. Uma e outra vez. Godwin e Soma velocíssimos sobre as alas. Quando não era o nigeriano era o japonês a galgar metros e a fazer a cabeça em água à defensiva portista.

Já nos descontos da primeira parte, Evanilson fez um autogolo, ao desviar de cabeça após um livre lateral dos lisboetas, traindo Diogo Costa.

E foi assim que a eventual derrota portista, que parecia um cenário quase impossível antes do início da partida, se verificou até com naturalidade ao intervalo, quando soou um valente assobio do público do Dragão.

A perder, Conceição fez a única coisa que lhe restava: arriscar.

Tirou Fábio Cardoso, uma das exibições mais desinspiradas, a par de André Franco e Evanilson, recuou o abnegado Uribe para perto de Pepe, fazendo uma linha de três com Wendell, deixou Pepê e Galeno projetados, bem abertos nos flancos. E lançou um herói improvável. Veron entrou aos 56m e um minuto depois fez duas assistências para golo, mas só Taremi aproveitou à segunda para desviar e fazer o empate.

Daí em diante, o FC Porto lançou-se em busca do segundo. E o Dragão desesperou quando Galeno atirou ao ferro (76m), quando Veron atirou sobre a barra (78m), quando Ricardo Batista e João Nunes negaram o golo a Eustaquio e Taremi no mesmo lance (84m).

Foi então que Conceição teve o segundo golpe de sorte e voltou a sacar um trunfo do banco: Danny Namaso entrou aos 85m e já nos descontos de joelho encontrou o caminho da baliza.

Delírio no Dragão. Uma festa que se alastrou do relvado às bancadas.

A chama está viva!

Certo é que, a determinada altura, a possibilidade remota de o Benfica poder ser campeão esta noite pareceu bem real. Bem pode ser este o epílogo de uma noite em que o Dragão pareceu enjaulado numa casa de horrores até ao minuto 93.

Ainda assim, no Dragão, «ninguém desarma», como diria Conceição.

Ao FC Porto pode até faltar arte ou discernimento, mas nunca lhe faltará uma alma de campeão.