Olha-se para o pódio da Liga à oitava jornada e falta lá o bicampeão Benfica. Falta também o Sp. Braga ou qualquer outro aspirante a quarto grande.

Quem está lá, afinal, atrás de Sporting e FC Porto é o Rio Ave. Com quase meia primeira volta jogada, os vila-condenses estão somam 15 pontos (menos um do que em 1997/98, quando na mesma altura a equipa de Carlos Brito andava pela vice-liderança, mas acabou a Liga a cair até ao nono lugar).

Faltam mais de três quartos do calendário para jogar, mas poderá ser este Rio Ave de Pedro Martins o melhor de sempre na Liga?

Para encontrar o melhor registo rioavista em 22 épocas é preciso recuar mais de três décadas.

Mais precisamente até 1981/82, quando uma equipa orientada por Mourinho Félix e com o filho José Mourinho (ainda Zé Mário, para muitos) terminou o campeonato em quinto lugar nesse mesmo ano em que subiu de divisão.

Com um orçamento pouco superior a 20 mil contos (100 mil euros) a formação verde e branca tinha no Campo da Avenida a sua fortaleza.

Naquele reduzido pelado no centro da cidade, que precedeu ao estádio dos Arcos, a equipa de Mourinho somou 25 pontos em 30 possíveis. Ali caiu o Benfica (1-0, na jornada 7) e empatou o campeão Sporting (0-0, na jornada 14). O FC Porto ganhou, mas só depois de na primeira volta ter sido surpreendido nas Antas pelos recém-promovidos (1-2, na jornada 13).

Pelado mais pequeno para receber os grandes
Boa parte do segredo do sucesso vila-condense dependia da fortaleza da Avenida e o truque que lá se fazia para receber os grandes também ajudava.

«O campo já de si era pequeno, mas nos jogos com o FC Porto, Benfica ou Sporting tirávamos ainda mais um metro de cada lado. Além das dimensões menores, o problema maior para eles era o pelado em que tinham de jogar», recorda ao MAISFUTEBOL João Eusébio, último técnico a subir o Rio Ave de divisão (2007/08) e um histórico jogador do clube, um médio-defensivo de raça caxineira que em 1981/82 se estreava como sénior.

Nessa equipa, que terminou a Liga atrás apenas dos três grandes e do V. Guimarães, de José Maria Pedroto, destacava-se Baltemar Brito, que agora recorda a importância do treinador, pai de José Mourinho, com quem integraria mais tarde as equipas técnicas de FC Porto e Chelsea.

«Félix Mourinho foi o melhor treinador que tive, fez-me crescer muito como jogador e como homem. Sabia muito de bola, mas se tivesse a têmpera do filho [José Mourinho] podíamos ter ido ainda mais longe. Faltou-lhe um bocadinho de ambição no momento decisivo. ‘É para manter’, ‘O nosso campeonato está feito’, dizia ele, já no final», recorda ao MAISFUTEBOL.



Quando José Mourinho foi proibido de ser titular
Nessa equipa despontavam jogadores como Quim Vitorino, que uns anos mais tarde sagrar-se-ia campeão europeu e intercontinental pelo FC Porto, mas havia também quem passasse quase despercebido, como José Mourinho.
Zé Mário, aliás. 19 anos, médio-ofensivo e filho do treinador atuava sobretudo nos jogos de reservas.

Houve um dia em que ele quase provocou o despedimento do pai. O episódio, que aconteceu num Salgueiros-Rio Ave (1-2) dos 32-avos-de-final da Taça de Portugal, é revelado por João Eusébio.

«O mister Félix decidiu dar uma oportunidade ao filho e colocou na ficha de jogo o nome do José Mourinho entre os titulares… O presidente, José Maria Pinho, não gostou nada de saber que o miúdo das reservas ia jogar de início, desceu ao balneário antes do jogo e disse para o treinador: “Ou tira o seu filho da equipa ou deixa de ser treinador do Rio Ave…” Perante a ameaça de ser despedido, o Félix Mourinho lá tirou o Zé Mário (José Mourinho) da equipa», recorda João Eusébio, reconhecendo que José Mourinho, que viria a entrar no decorrer desse jogo, até tinha qualidade: «Era inteligente e bom tecnicamente, mas faltava-lhe intensidade dentro de campo.»

Baltemar reforça o perfil daquele que em campo era uma espécie de “not so Special One”: «O José era um bocado preguiçoso, faltava-lhe o espírito de sacrifício e capacidade física, mas tinha algum jeito. Tinha a vida mais ou menos encaminhada e preferia os estudos…»

Recorde aqui o Rio Ave de 1981/82

Pedro Martins a uma vitória de fazer história
Mourinho Félix levou ainda o Rio Ave à final da Taça em 1983/84, um feito repetido por Nuno Espírito Santo em 2013/14. Mas na Liga não houve Rio Ave como aquele de 1981/82. Pode agora Pedro Martins repetir o feito?

«O futebol mudou. Agora já não há pelados e existe um conhecimento profundo dos adversários. No meu tempo, sabíamos muito pouco da equipa contra quem íamos jogar. Íamos cegos para o campo. Deste Rio Ave vi e gostei das vitórias sobre o Sp. Braga e o Paços de Ferreira. É uma equipa atrevida, que joga bem à bola e tem bons centrais. Acredito que esta equipa pode ir longe, não só na Liga, mas também na Taça de Portugal e na Taça da Liga», argumenta Baltemar Brito, enquanto João Eusébio se mostra mais reticente: «A equipa está a fazer um campeonato formidável e está muito bem orientada. Não duvido da qualidade do plantel e do treinador, mas acho que o clube ainda não tem estrutura para mais do que o sexto ou sétimo lugar.»

Depois de na época passada ter estreado a equipa na Liga Europa, de a ter levado às meias-finais da Taça de Portugal e terminar em 10.º lugar na Liga, este bom início de temporada coloca Pedro Martins entre os técnicos com melhores registos de sempre do clube vila-condense: tem uma média de 1,39 pontos por jogo (41 disputados) e está a uma vitória de ultrapassar Quinito (1,40 pontos, em 30 jogos na época 1982/83). Este pódio é fechado por Félix Mourinho (com uma média de 1,31 pontos por jogo, em 74 partidas).

Mas mais do que recordes pessoais, Pedro Martins quer resultados. Lutar pelos lugares europeus e tentar ainda melhor do que aquele quinto lutar de 1981/82 seria uma boa forma de tornar histórico este seu Rio Ave.