O Santa Clara-Sporting deste domingo marca o regresso do leão ao Estádio de São Miguel ao fim de 15 anos, em circunstâncias que poucos imaginariam. Já seria um jogo especial, mas tem muito mais que contar. Basta lembramos que, caso vença, o Santa Clara ultrapassa os leões no campeonato. E o despedimento de José Peseiro na madrugada desta quinta-feira mudou os dados. O Sporting chega aos Açores com Tiago Fernandes como treinador interino e à espera que a «chicotada» traga algo de novo à equipa. Será uma estreia de alto risco, frente a um Santa Clara a fazer um arranque de época nunca visto.

Os açorianos somam 14 pontos ao fim de oito jornadas, mais do que tinham por esta altura em qualquer uma das três épocas anteriores em que disputaram o campeonato. Estão a fazê-lo numa temporada de regresso à Liga e esta época já empataram o Sp. Braga, depois de estarem a perder por 3-0, no Estádio São Miguel. Estão no sexto lugar, a dois pontos de um Sporting que, apesar de ter vindo de uma vitória autoritária sobre o Boavista na Liga, está no quinto lugar e a meio da semana perdeu em casa com o Estoril para a Taça da Liga, resultado que precipitou o afastamento de José Peseiro.

A expectativa já era alta para o regresso de um «grande» a casa do Santa Clara. Para mais o clube anunciou já nesta semana que a lotação máxima do estádio foi aumentada de oito para dez mil lugares. Resta ver que efeito terá na afluência às bancadas o momento do Sporting.

Seja como for, o Estádio São Miguel vai viver um jogo que não vive há 15 anos. E era tudo bem diferente no último encontro entre as duas equipas. Era a 19ª jornada da Liga 2002/03, onde o Santa Clara chegava na penúltima posição. Recebia o campeão nacional, ainda que este fosse um Sporting em perda em relação àquele que chegou ao título na época anterior, o último dos «leões» até hoje. Num campeonato que o FC Porto de José Mourinho dominou desde o início, os «leões» eram terceiros por esta altura, e a sua luta era com o Benfica pelo segundo lugar.

O Sporting perdeu alguns jogadores e a época era marcada pelo declínio de Mário Jardel, que regressou à titularidade precisamente nessa partida, após uma paragem na viragem do ano. Mas mantinha várias referências, como João Pinto, Paulo Bento, Pedro Barbosa ou Rui Jorge. Também tinha uns miúdos a aparecer. Um tal de Cristiano Ronaldo, que foi titular nesse jogo nos Açores a 25 de janeiro de 2003 e saiu ao intervalo, depois de uma primeira parte que não deixa muito a recordar, para dar lugar a Sá Pinto. Também um tal de Ricardo Quaresma, que ficou no banco nesse dia. Além disso tinha Toñito.

A referência ao espanhol tem uma explicação óbvia. Foi ele quem decidiu o jogo. Toñito foi duplamente protagonista. Ele tinha jogado no Santa Clara na época anterior, por empréstimo do Sporting. No defeso voltou a Alvalade e este era o seu regresso aos Açores. Foi marcante. O jogo levava oito minutos quando João Pinto fez aquilo que fez tantas vezes, um grande passe para o espanhol, que aparou no peito e rematou para dentro da baliza. 0-1, o Sporting estava na frente.

O jogo seguiu sem muito mais que contar, não foi uma grande exibição dos «leões» mas chegou para regressar a casa com os três pontos.

Veja aqui o resumo do jogo

E recorde o filme da partida, no relato ao minuto do Maisfutebol

Na defesa do Santa Clara estava Sérgio Nunes, a fazer a segunda época na equipa açoriana, onde chegou por empréstimo do Benfica. O antigo central precisou de puxar pela memória para recordar esse jogo com o Sporting ao Maisfutebol. Mas lembra-se da conversa com Toñito no final. «No primeiro ano joguei com o Toñito no Santa Clara. Tínhamos passado uma época fantástica no ano anterior. Chegou lá no ano seguinte e fez o golo», conta Sérgio Nunes: «No fim ele esteve connosco. No fundo foi pedir-nos desculpa.»

Sérgio Nunes recorda um Sporting forte e nota o entusiasmo que havia naquela altura em torno dos miúdos «endiabrados» que despontavam em Alvalade. Mas lembra também como, naqueles primeiros tempos em que começaram a aparecer, era Quaresma e o seu imenso talento natural quem mais alimentava as expectativas. «Nesse ano o Sporting vinha de ser campeão, tinha uma equipa muito forte, mas lembro-me que até se falava mais no Quaresma. O Cristiano Ronaldo começava a aparecer, via-se que era um jovem com grande potencial. Tinha grande qualidade e grande vontade. Muita vontade, muito trabalho, até chegar onde chegou hoje, até se tornar o melhor do mundo. É uma máquina. Falava-se muito na altura nos miúdos endiabrados do Sporting», recorda.

Nessa época o Sporting acabou por terminar em terceiro, atrás do campeão FC Porto e do Benfica. O Santa Clara não conseguiu evitar a descida. Passou década e meia longe da Liga, até conseguir o regresso esta época. «O clube passou muitas dificuldades», diz Sérgio Nunes. «Agora está a entrar no bom caminho, a encontrar estabilidade. Já andava há um ano ou dois a espreitar a subida, agora é conseguir manter.»

Para já, os sinais são muito positivos. «Ainda é cedo, mas está a superar as expectativas. A equipa está a mostrar que tem valor, é uma equipa que joga de forma positiva», observa Sérgio Nunes.

O histórico contra o Sporting é claramente favorável aos «leões»: quatro vitórias e dois empates, em seis confrontos. Mas nem sempre a lógica manda e, além de todas as circunstâncias atuais, jogar nos Açores representa uma dificuldade acrescida para os visitantes, diz Sérgio Nunes: «Quando as equipas do continente vão lá há sempre grandes dificuldades, até pelas características climatéricas da ilha. Há muita humidade, as equipas têm mais dificuldades.»

Este campeonato, de resto, está a mostrar que nem sempre a lógica tem de mandar. Que o diga o Santa Clara, e que o diga o Sporting. «Cada vez mais as equipas estão a ser dirigidas por pessoas mais competentes, cada vez há mais equilíbrio. Haverá algumas diferenças de qualidade, mas cada vez mais as equipas jogam com bons argumentos», analisa Sérgio Nunes: «Está mais difícil para os três grandes e para o Sp. Braga, que está na frente e tem vindo a assumir-se nos últimos anos como candidato. O campeonato começa a ser mais equilibrado, mais competitivo, o que é excelente para quem acompanha. É bom sinal.»

(artigo publicado às 23h49 de 01/11/2018)