*Enviado especial a Turim

Embora Jorge Jesus garanta que não existem fantasmas, a verdade é que lá que os há... há. Há fantasmas bons e fantasmas maus. Este, por exemplo, é amigo do Benfica: só é capaz de meter medo ao Sevilha.

Sussurra que o Benfica ganha sempre as finais a equipas espanholas, mas faz até mais do que isso: sussurra também que o Benfica só ganha (e ganha sempre) as finais de provas europeias contra adversários espanhóis.

Os encarnados já perderam finais com italianos (AC Milan e Inter), ingleses (Manchester United e Chelsea), belgas (Anderlecht) e holandeses (PSV). Mas antes de tudo isso ganhou duas Taças dos Campeões a Barcelona e Real Madrid.

Os espanhóis trazem memórias felizes, portanto.

BENFICA-BARCELONA, 3-2
31 de maio de 1961
Estádio Wankdorf, em Berna

Benfica: Costa Pereira; Mário João, Germano e Ângelo; Neto e Cruz; José Augusto, Santana, José Águas, Coluna e Cavém.
Treinador: Bela Guttmann

Barcelona: Ramallets; Foncho, Gensana e Gracia; Vergés e Garay; Kubala, Kocsis, Evaristo, Suarez e Czibor.
Treinador: Orizaola

Golos: Kocsis (20m), Águas (30m), Vergés (32m, p.b.), Coluna (55m) e Czibor (85m)

Berna está para o Benfica como Viena para o FC Porto: foi lá que começaram as glórias europeias. No caso encarnado num jogo só visto pela metade: no início da segunda parte a televisão responsável interrompeu a transmissão para enviar imagens da visita de Kennedy a Paris.

O Benfica era por esses dias pouco mais do que um desconhecido. Sem Eusébio, que acabadinho de chegar não recebera autorização da UEFA para ser inscrito, o campeão contou com um grupo trabalhador, esforçado e... bafejado pela sorte.

«Tivemos uma sorte formidável», contou José Augusto ao livro Sport Europa e Benfica. «Há uma bola que bate no poste, percorre a linha de golo, bate no outro poste e vai para as mãos do Costa Pereira. Também fomos felizes no autogolo do Vergés. O árbitro validou a jogada, viu que a bola bateu dentro e saiu.»

No regresso a Lisboa foram instaladas vedações provisórias no aeroporto da Portela, as quais cederam com o peso e permitiram a invasão de milhares de pessoas à pista: o Benfica era campeão europeu e a euforia andava no ar.



BENFICA-REAL MADRID, 5-3
2 de maio de 1962
Estádio Olímpico, em Amesterdão

Benfica: Costa Pereira; Mário João e Ângelo; Cavém, Germano e Cruz; José Augusto, Eusébio, José Águas, Coluna e Simões.
Treinador: Bela Guttmann

Real Madrid: Araquistain; Casado e Miera; Felo, Santamaria e Pachin; Tejada, Del Sol, Di Stefano, Puskas e Gento.
Treinador: Emil Osterreicher

Golos: Puskas (17m, 23m e 38m) José Águas (25m), Cavém (34m), Coluna (50m) e Eusébio (62m, g.p., e 68m)

Um ano depois, em Amesterdão, o Benfica já não era um desconhecido: mas também não se pode dizer que fosse o favorito. O Real Madrid e Di Stefano, Puskas e Gento tinha ganho cinco vezes a Taça dos Campeões Europeus.

É verdade que Di Stefano e Puskas, por exemplo, tinham 35 anos, mas é verdade também que o Real Madrid chegou ao intervalo a ganhar por 3-2.

«O Bela Guttmann fez uma palestra espantosa. Disse-nos que éramos melhores, tínhamos mais força e íamos ganhar. Repetia várias vezes vamos ganhar, vamos ganhar. Foi espetacular», resume José Augusto ao livro do Maisfutebol.

Um golo de Coluna e dois de Eusébio selaram o triunfo e concluíram aquilo que Di Stefano, na autobiografia, considerou a passagem de testemunho: Eusébio herdava dele o estatuto de grande estrela do futebol europeu.

Curiosamente herdou mais coisas: numa invasão de campo caótica e perigosa, Ângelo foi parar a uma valeta do estádio e salvo por um polícia, José Águas foi arrastado e Costa Pereira teve de receber o troféu, Eusébio foi levado em ombros com a mão dentro dos calções a guardar a camisola de Di Stefano.

«A taça não me dizia nada, o que eu queria mesmo era a camisola do Di Stefano. Os outros corriam para a taça e eu corria para a camisola», admitiu depois.