Há dez épocas no principal campeonato português que não se via uma equipa de costas tão voltadas com a vitória. O Feirense leva 19 jornadas seguidas sem triunfos: são quase seis meses sem festejar três pontos de uma só vez, após um arranque com duas vitórias, a última a 20 de agosto de 2018.

Entretanto, troca de treinador: a estreia de Filipe Martins, sucessor de Nuno Manta, deu derrota por 3-1 ante o Sporting, acentuando uma série que não dá bons indicadores. Pelo menos, à luz da história.

De acordo com dados do Playmakerstats, o Feirense igualou outras três equipas com o terceiro pior registo da história, no que a jogos consecutivos sem vencer na Liga diz respeito: Salgueiros, Olhanense e Sp. Espinho. Acima dos 19 jogos destes quatro clubes, em épocas distintas, só o Belenenses de 2009/2010 (20 jogos seguidos) e o Varzim de 1984/1985, com o registo negativo máximo: 22 jornadas.

Piores séries sem vencer na Liga:

  • Varzim (1984/1985) - 22
  • Belenenses (2009/2010) - 20
  • Feirense (2018/2019), Sp. Espinho (1996/1997), Olhanense (1963/1964), Salgueiros (1961/1962) - 19

Um mau prenúncio

A história, por vezes, vale o que vale. Mas o Feirense não tem bons exemplos nos cinco anteriores: todas as equipas supracitadas desceram.

O Belenenses de 2009/2010 não somou qualquer vitória entre a terceira e a 22.ª jornada, de 24 de agosto a 14 de março. Ficou no 15.º e penúltimo lugar, descendo à II Liga. Teve dois treinadores: João Carlos Pereira e Toni Conceição.

O Sp. Espinho fez uma soberba primeira volta em 1996/1997, era quarto classificado à 14.ª jornada, mas só voltaria a vencer na 34.ª e última. Apenas três pontos entre a 15.ª e a 33.ª ditaram a descida, no 16.º e antepenúltimo posto: Edmundo Duarte, Carlos Garcia e Zinho foram os treinadores.

O Varzim de 1984/1985, fez pior entre todos: venceu duas vezes até à oitava ronda e nunca mais o fez até à 30.ª e última, de novembro de 1984 a junho de 1985. Desceu no 15.º e penúltimo posto. José Alberto Torres e Mourinho Félix – pai de José Mourinho – passaram pelo comando técnico.

A década de 60 traz mais dois exemplos. Em 26 jornadas, o Olhanense só venceu à 20.ª e depois à 22.ª, não evitando a despromoção, no 13.º e penúltimo posto: Calvinho, Ruperto García e Álvaro Inácio orientaram os algarvios.

A única destas cinco equipas a descer no último lugar foi a primeira desta história. O extinto SC Salgueiros venceu duas vezes até à sétima jornada, em 1961/1962. Depois, dois empates em 19 jogos, além de 17 derrotas. António de Sousa e Artur Baeta comandaram a equipa.

«Nesta fase, o mais importante é a parte psicológica»

Lúcio, antigo guarda-redes, foi um dos protagonistas da época do Varzim em 1984/1985 na baliza. Por experiência própria, defende que o psicológico dos jogadores é crucial.

«Nesta fase, o mais importante é a parte psicológica. Tudo o resto, eles sabem fazer. A parte psicológica é que vai fazer com que as coisas corram melhor ou pior. Acho que os jogadores estão cansados psicologicamente pela falta de resultados. Vimos no Nacional, os jogadores a chorar depois do jogo com o Benfica. É a falta de êxito que leva àquela situação», compara Lúcio, ao Maisfutebol.

Lúcio (em cima, da esq. p/dir.) era o guarda-redes titular do Varzim de 1984/1985 ( Foto: Glórias do Passado)

Por isso, diz que «qualquer ponto conquistado é uma vitória». Mas há mais. «Às vezes, é fazer coisas diferentes: sair do próprio estádio, passear pela praia, pelo campo. Fazer outro tipo de trabalho de oxigenação, de descontração. Poderá ser positivo para o que se ambiciona», nota Lúcio.

«Acontece, neste estado de espírito, o cansaço do trabalho. Às vezes, vamos para o treino a dizer: “é mais um treino, vamos treinar para quê?”. Lembro-me de um treinador do Vitória de Setúbal, o Malcom Allison, que quando tinha resultados em jogos importantes, dizia: “esta semana só aparecemos aqui para a convocatória, para ir jogar”. E o Setúbal fez uma época excelente. Temos de trabalhar os mecanismos. Mas, nesta altura, a equipa já tem mecanismos», crê.

Repetição com o Benfica e perna partida: o que agudizou a série do Varzim

Ora, e como foram as coisas com o Varzim, há 34 anos? José Torres tinha levado os poveiros a um oitavo lugar em 1983/1984. O pior viria no ano a seguir, já sem o “Bom Gigante” ao leme.

«Começámos bem, mas, depois, uma série de situações prejudicou: um jogo de repetição com o Benfica, estávamos a ganhar 1-0 e um adepto do Benfica, com uma garrafa, partiu-a na cabeça do árbitro de linha. Repetimos o jogo, perdemos, o José Maria parte a perna num lance com o Veloso e, a partir daí, faltou-nos um elemento fundamental e descemos de divisão. Depois, com os resultados negativos, começou a haver desânimo», aponta Lúcio, recordando tempos idos.

«Por isso é que, no início da época, a gente costuma dizer: é amealhar no princípio, porque no último terço do campeonato, é difícil. Se há pessoas fortes psicologicamente, a maior parte não consegue viver com o desânimo. Faz parte da vida, não só no futebol», conclui.

Resta perceber se, no caso do Feirense, a história predomina, ou o psicológico - e o físico - impera para a retoma em Santa Maria da Feira.