Só um parágrafo, para respirar fundo.

Agora sim: o Benfica venceu um dérbi que o foi muito. Do início ao fim. Já se sabe que os jogos entre estes dois são muito isto, muito barulho, muita discussão, muito sangue na veia.

Este, porém, foi mais do que isso: foi um arrufo de vizinhos à moda de antigamente. Bate-boca para aqui, ameaça para ali, gritaria sem fim. Cansou só de ver.

Também por isso se pediu um instante para respirar fundo, logo no início da crónica. Porque este dérbi foi um desatino do início ao fim. Fugiu-lhes o chinelo do pé e não houve pedido da calma ou falta de forças que lhes valesse. A rivalivade também tem destas coisas, é verdade.

Como dois vizinhos quando perdem as estribeiras, Benfica e Sporting ignoraram a noção de calculismo. Não houve prudência, nem cautela, não houve cuidado nenhum.

Confira a ficha de jogo e as notas dos jogadores

Foram correrias sem fim, bola de um lado, bola do outro, olhos colocados na baliza adversária e fogo nas pernas. Também por isso o jogo foi excelente: como muitas vezes o é este dérbi. Não foi um jogo tecnicamente perfeito, mas foi loucamente emocionante.

Foi futebol em estado puro.

Alimentou-se de dentro de alma e fez os jogadores perderam aquela eletricidade estática: a energia que os faz correr só na direção certa e apenas o necessário. Este jogo não teve nada disso. Desligou-se das noções do futebol moderno, soltou-se das amarras e foi bárbaro, no sentido de primitivo.

Um desvario, lá está.

É claro que não há-de faltar quem vá falar do árbitro e das duas queixas que o Sporting leva de supostas grandes penalidades na área do Benfica.

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Mesmo que o árbitro tenha errado, o que não é óbvio, não explica tudo: foram apenas danos colaterais, e não são maiores do que os danos com os laterais. Os danos com Zeegelaar e João Pereira, que ficaram presos ao chão enquanto o adversários (Salvio, primeiro, e Jimenez, depois, respetivamente) lhe ganhavam a frente para fazer os dois golos encarnados.

Isso, sim, foram erros graves: não vale falar do árbitro sem mencionar estes dois.

Depois há o resto, claro, há a bola de Bas Dost na barra, há a bola do mesmo Bas Dost à figura de Ederson, há o remate de William Carvalho enrolado para defesa do brasileiro, há Bryan Ruiz a falhar de cabeça em boa posição e há novamente Bas Dost a desviar ao lado de carrinho.

O Sporting perdeu este jogo e fê-lo por culpa própria, até porque produziu o necessário para pelo menos empatar (mas também, por que não?, para ganhar).

Sobretudo na segunda parte - mas também muito na primeira, é verdade -, sobretudo na segunda parte, dizia-se, carregou em cima do adversário e obrigou o campeão a encolher-se até parecer tudo menos um clube grande.

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O Benfica só respirou quando Jorge Jesus se lembrou de trocar Bas Dost por André, a cinco minutos do fim: a partir daí o Sporting caiu a pique.

Mas antes disso, é verdade, chegou a ser sufocante.

Pelo menos pareceu, a quem viu de fora. Mas também se tornou bastante óbvio que este Benfica tem uma alma enorme. Nunca perdeu a calma, aceitou que o rival tivesse mais bola, tivesse o domínio territorial, tivesse toda a iniciativa de jogo, e habituou-se a estar confortável no outro papel: defendendo bem e saindo rapidamente para o contra-ataque.

Foi no fundo um Benfica que se adaptou às circunstâncias, para chegar onde queria: ao triunfo que lhe permite ficar mais seguro na frente, com cinco pontos sobre o Sporting e quatro sobre o Porto.

O Sporting que, já agora, deixou novamente de depender dele próprio para ser campeão.

Mas isso são as contas que se fazem agora. Mais importante do que isso, porém, é que o dérbi foi imenso: um insano prazer do início ao fim.

Vale sempre a pena quando os vizinhos se encontram.