Decidiu colocar um ponto final da carreira de jogador - apenas isso, porque não vai ser capaz de cortar em definitivo com o futebol - e escolheu o Maisfutebol para o anunciar: Gaspar, central com um mais de duas décadas nos relvados, é um poço de estórias, maioritariamente com piada. 

Bem-disposto por natureza, capaz de, no ambiente certo, se tornar num verdadeiro folgazão, o defesa que acaba de arrumar as botas tem muito para contar. Ao longo da carreira, foi vítima de partidas – sobretudo no FC Porto, quando ainda jovem – , mas depois de ganhar tarimba passou a ser ele o responsável pelas praxes, o capitão que desarmava os árbitros com tiradas desconcertantes, ou simplesmente o animador de balneário.

Tentaremos colocá-las por ordem… pelo menos cronológica. Tudo começou, claro, nas Antas: «Pré-época. Ao fim de uma correria louca, e de alguns dias no duro, António Oliveira pergunta quem estava cansado. Eu estava, claro, mas era miúdo e, por isso, não abri a boca. Depois de alguns responderem afirmativamente, entre eles, Paulinho Santos, Capucho, até mesmo o Aloisio, tomo coragem e digo também que sim...»

Devia ter continuado calado. «Posto isto, o treinador diz que, para tirar essas dores, era preciso correr meia hora ou mais, e apita para começarmos. Assim fizemos enquanto os outros estavam a alongar.... ficou a lição: nunca mais disse que me sentia cansado, estava sempre bem, apenas um pouco amassado, isto até aos dias de hoje.»

Outro episódio no seio do Dragão, agora relacionado com um dos monstros sagrados do FC Porto dos anos 80/90. «O André, mais conhecido por mestre, contava que um dia, depois de uma valente pancada na cabeça, ia ser substituído, pois teria de levar muitos pontos. Ao aperceber-se disso, pediu ao médico para lhe enrolar uma ligadura na cabeça apenas por causa do sangue, garantindo que se sentia melhor agora do que antes de levar a porrada.»

«Assim fizeram», prosseguiu. «Conclusão? Fez aquilo porque não queria perder o lugar na equipa por causa de uns pontos na cabeça. Passei a fazer o mesmo. Se quiserem ganhar o lugar, que o ganhem dentro de campo, e não por causa de outra coisa qualquer, seja ela pontos na cabeça ou pela idade. Apreendi a merecer o meu espaço desde então.»

A explicação para as batatinhas e o pavor de Suker

Esta ficou célebre. Após um intenso derby da Invicta, ente o Boavista e o FC Porto, com a vitória a cair para estes últimos por um emotivo 4-3, Gaspar vai à flash interview já que foi um dos protagonistas da partida, ao marcar um dos golos.

«Quando o jornalista me pergunta o que irei fazer após este jogo eu respondo, já que íamos partir para as mini-férias do Natal: vou para casa comer o meu bacalhau e as minhas batatinhas... até aos dias de hoje falam-me disso e perguntavam quando jogava contra o FC Porto, como estão as minhas batatinhas [risos]», conta.

Há mais. Ainda no reino do Dragão. Numa disputa suadíssima na Maia, para a Taça de Portugal, os azuis e brancos vencem, após um festival de golos, por 5-4. Gaspar fez o empate a três, viu os maiatos passar novamente para a frente e, a poucos minutos do fim, volta a empatar a partida, e assim se chega ao prolongamento.

«O António Oliveira diz-me que estava um jogo de loucos e que o levaríamos para as Antas (estamos a falar de um FC Porto cheio de tri-campeões contra um modesto Maia), mas lá conseguimos ganhar. No final, já ao entrar nos balneários, o Pinto da Costa no seu tom diz-me parecias o Jardel!... [mais risos]»

Por falar em goleadores, houve um que quase tirava o sono ao antigo central. Davor Suker, num jogo para a Liga do Campeões, em 1997, no Bernabéu. «O António Oliveira diz-me que a defesa parecia manteiga e, numa altura em que eles já levavam dois golos em apenas 20 minutos, disse-me que iria entrar para ficar de olho no Suker.»

Aceitou a responsabilidade e o jogo corria-lhe bem até que... «Ao cair do pano, numa bola nas minhas costas, e já dentro da pequena área, vejo que quem a recebe é o Suker e eu, em tom de brincadeira, digo que se ele vai fazer golo que o faça de penálti, pois não é a mesma coisa... ao fazer o carrinho o árbitro marcou mesmo penálti!»

O dedo partido de Pedro Martins e o inderrubável Pedro Barbosa

Há jogadores que se lesionam nas situações (aparentemente) mais inofensivas. Por vezes, nem sequer estão a jogar ou a treinar. Um exemplo disso? Um célebre V. Setúbal-Alverca, em março de 2002. Aconteceu com o atual treinador do Rio Ave.

«Estávamos a ganhar por 1-0 e, em dois lances, muitos discutíveis, sofremos dois golos e acabámos por perder. No final, foi a revolta e discução contra o árbitro, mas sem grandes alaridos. Dirigimo-nos ao balneário com a fúria à flor da pele e o Pedro Martins tenta libertar essa energia com um valente pontapé num vaso... só que o vaso, apesar de pintado de castanho, era em cimento. Resultado, um dedo partido!», exclama.

Quando jogava, o antigo central, ouvia falar bastante de Pedro Barbosa. Da sua classe, técnica desconcertante e, sobretudo, do dom que o antigo internacional tinha de suportar todo o tipo de carga sem nunca perder a bola. Gaspar quis pôr à prova o mito.

«Num Alverca-Sporting, tentei tirar isso a limpo e, ao ver o momento certo (estava ele em desiquilibrio), fui para cima dele com toda a força e apliquei todo o meu peso no ombro. O que aconteceu? Bati e caí, parecia-me uma parede! E ainda tive de aguentar as gargalhadas dos meus colegas...», graceja.

Ainda no Ribatejo, agora com José Romão. «Após um jogo do Ajax, que dominava o futebol mundial nessa altura, em 1995, se não estou em erro, o mister quis falar de movimentos táticos. Sem fazer comparações a nível técnico, dizia que seríamos capazes de fazer algo parecido», introduz.

«Colocou os nomes dos jogadores do Ajax no quadro, e falou, falou, falou… ao fim de quase 45 minutos, perguntou ao Caetano o que ele achava. Este apenas respondeu que achava que faltava… um jogador. Depois de observar o quadro, o treinador lá reparou que tinha colocado apenas 10 jogadores [grande gargalhada].»

O praxador de Miguel Lopes, Sílvio e Fábio Faria

O clube onde Gaspar passou mais tempo enquanto sénior foi o Rio Ave. A lista de estórias não caberia aqui e, por isso, é com esforço que escolhe apenas algumas para ilustrar o que de mais engraçado lhe aconteceu em cinco épocas em Vila do Conde.

«Uma vez, estávamos a dois dias de um jogo e, na preparação, tínhamos a observação do video. O Carlos Brito inicia a palestra e, passados uns breves minutos, diz-nos: não façam barulho, olhem para ele. Estava um colega a dormir profundamente. Foi galhofa geral. Ele acorda: mister, peço desculpa, mas é mais forte que eu...», desvenda, sem querer revelar a identidade do protagonista. Compreende-se.

A relação com os árbitros, até porque foi capitão por várias temporadas, também tinha de figurar no cardápio. Uns, já o conheciam, e começavam por medir distâncias, mas o humor do defesa vila-condense acabava por os desarmar.

«Num jogo, após falta contra a minha equipa, dirijo-me ao árbtiro e ele, antes de eu chegar, ameaça-me logo com amarelo. Acha que lhe vou dizer alguma coisa? Só vou ficar aqui ao seu lado, fazendo de conta que falo consigo, toda a gente vai pensar que estou a prostestar, mas até podemos discutir as compras de logo, digo-lhe, bem-disposto. Depois de se rir, acabei por lhe dizer o que pretendia: tenha em atenção que em jogada semelhante terá que fazer igual para este lado», revela.

Quando chegavam ao Rio Ave, os mais novos tinham de passar pelo ritual da praxe. Gaspar era o perito na matéria. Miguel Lopes, Fabio Faria e até mesmo Sílvio foram «vítimas» da arte do capitão. «Saíam-me coisas como a distância da barreira, ou quando é que uma equipa sem tocar na bola fica a perder por 2-0. Esta última dava até ao final do treino para responder e penso que ninguém o conseguiu», recorda.

Havia uma piada que gosta particularmente de contar. Envolvia um jogo fictício entre o Newcastle e o Coventry, estrategicamente escolhidos por serem de um país de Inverno rigoroso, e ainda uma adaptação do golo de Madjer ao Peñarol na Taça Intercontinental de 1987.

«Contava que um caso idêntico tinha acontecido nesse jogo, mas, neste caso, a bola parou mesmo em cima da linha de jogo. O jogador, sem pensar muito, descalçou a bota e acertou na bola.... Depois do ênfase, faço uma pausa, e eles perguntam, ansiosos, se foi golo. Rio-me e digo que não, pois o guarda-redes também havia descalçado as luvas, atirando-as à bola. Ficam atónitos e é ai que volto a fazer cara séria e lhes explico que não poderia ser golo, pois o jogador, ao atirar a bota, esta torna-se no prolongamento da sua mão e seria falta...»

Outra com Carlos Brito. «Num jogo de preparação, com o V. Guimarães, o José Gomes pega na bola, avança no terreno, e decide ir pelo meio. Nesse momento, o Carlos salta do banco e berra: o que é isso, Zé, o que estás a fazer?, com os braços no ar. Mas ele consegue fazer uma boa jogada, que dá perigo e, ato contínuo, o mister vira-se em direção ao banco, para se sentar, e, com um sorriso, diz também está bem, também está bem…», relata.

Voltemos à charada da equipa que se vê a perder por 2-0 sem tocar na bola. Já conseguiram matá-la? Não? Vamos fazer de conta que viramos o livro ao contrário e ai está a resposta: «Uma equipa marca golo e o árbitro apita para o intervalo, certo? A mesma equipa que marcou a acabar a primeira parte, dá o pontapé de saída na segunda, e marca logo na jogada incial. Fácil não é? Saiu no exame de segundo nível de treinador, ao que parece…»

Será por isso também que, um dia, o nosso confrade Ricardo Pateiro (Antena 1) lhe chamou Rei Mago?

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