Os incidentes nos dois dérbis lisboetas do fim de semana passado (Benfica-Sporting no futsal, sábado, e Sporting-Benfica, domingo) já provocaram um corte de relações institucionais e multas bem pesadas aos dois emblemas.

Mas tudo indica que as consequências disciplinares do que se passou não se fiquem por aqui.
 
O que os delegados da Liga presentes no clássico (Nuno Pedro e Esmeraldo Augusto) escreverem no relatório será importante para o que acontecer a seguir.
 
A Comissão de Instrução e Inquéritos (CII) da Liga deverá ainda apreciar exposição que o Sporting prepara. Caso os leões não concordem com o que for decidido primeira instância poderão ainda recorrer ao Conselho de Justiça da FPF.

Ao que a Maisfutebol Total apurou, a CII poderá analisar a questão na reunião da próxima sexta, desde que até lá cheguem novos dados, além do que já foi sentenciado pelo CD da FPF.

As multas (pesadas) aos dois clubes (10.520 euros ao Sporting, 5.738 ao Benfica), decididas pelo Conselho de Disciplina da FPF, decorreram da análise ao relatório de segurança, no qual estava confirmado o elevado número de engenhos explosivos atirados e pelo material do estádio que foi danificado. A reincidência das claques foi fator agravante.
 
No comunicado em que anuncia o corte de relações com o Benfica, a direção de Bruno de Carvalho mostra a intenção de «levar estes casos às entidades competentes, levando os mesmos até às últimas consequências», deixando assim em aberto o cenário de queixa ao Ministério Público do que considerou ter sido «tentativa de homicídio» o «arremesso para cima de pessoas» de «engenhos explosivos».
 
O que dizem os regulamentos
 

Além do arremesso de engenhos explosivos, os dois dérbis lisboetas tiveram exibição de tarjas ofensivas (o «very light 96», por parte de claque benfiquista, no futsal; o «Sigam o King», da claque do Sporting, no dia seguinte).
 
Tendo acontecido em duas modalidades e competições diferentes, os casos serão apreciados por duas entidades diferentes: o do futsal pela secção não profissional do Conselho de Disciplina da FPF; o do futebol pela secção profissional do Conselho de Disciplina da FPF.
 
O Regulamento Disciplinar da FPF, que será aplicado no caso do futsal, tem incluído, no seu artigo 87.º, sobre «grupos organizados de adeptos»: «O clube que apoie grupos organizados de adeptos que adotem sinais, símbolos e expressões que incitem à violência, ao racismo, à xenofobia, à intolerância nos espetáculos desportivos ou a qualquer outra forma de discriminação, ou que traduzam manifestações de ideologia política é punido com sanção de interdição de jogar no seu estádio a fixar entre um e cinco jogos e ainda multa a fixar entre 20 e 200 UC».
 
No caso do regulamento aplicado pela Liga, a a questão do possível incitamento à violência proveniente de uma inscrição exibida numa tarja é mais difícil de concretizar. Punem-se «comportamentos discriminatório, racistas ou xenófobos» (art. 113.º), «comportamento incorreto», o lançamento de objetos, mas não está explícita a questão de ofensas ou ameaças inscritas em tarjas.

Deste modo, a questão estará na interpretação de quem avaliar os acontecimentos.
 
Na subsecção de «Infrações Disciplinares Graves», o Regulamento Disciplinar da Liga, no seu artigo 118.º aponta: «Em todos os outros casos não expressamente previstos em que os clubes deixem de cumprir os deveres que lhes são impostos pelos regulamentos e demais legislação desportiva aplicável de modo que dessa sua conduta resulte, ainda que não intencionalmente, a criação de uma situação de perigo para a segurança dos agentes desportivos ou dos espectadores de um jogo oficial, de risco para a tranquilidade e a segurança públicas, de lesão dos princípios da ética desportiva ou da verdade desportiva ou de grave prejuízo para a imagem e o bom nome das competições de futebol são punidos com a sanção de interdição do seu recinto desportivo a fixar entre o mínimo de um e o máximo de três jogos e a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 50 UC e o máximo de 250 UC».

Se haverá motivo para a aplicação deste artigo, é algo que as instâncias disciplinares (e eventualmente de justiça) do futebol irão apreciar nas próximas semanas.

«Caso não se aplique este artigo que prevê interdição e tudo se limite a aplicação de multas no âmbito disciplinar  ou coimas no âmbito de processos de contra-ordenações, poderemos afirmar que  o crime compensa», observa o advogado Jerry Silva, especialista em Direito Desportivo, em declarações à Maisfutebol Total.

O que já foi alterado

No verão de 2011, a última grande alteração regulamentar, feita ainda durante a presidência de Fernando Gomes na Liga, passou a prever medidas mais duras (um a três jogos à porta fechada) para os clubes cujos adeptos provoquem interrupções de jogo superiores a cinco minutos (não foi o caso do dérbi de domingo).
 
As medidas surgiram após uma época muito marcada pelo lançamento de bolas de golfe e outros objetos que provocaram interrupções nos jogos entre grandes.

Já depois dessa alteração, na época 12/13, o V. Guimarães recebeu o Paços de Ferreira à porta fechada,
em abril de 2013
 
Mesmo com medidas mais duras para esses casos, os atuais regulamentos ainda não prevêem, no entanto, procedimentos que os clubes devam fazer perante a exibição, nos seus estádios, de faixas que possam incitar à violência ou contenham ameaças.

Liga pondera alteração regulamentar

Os acontecimentos de Alvalade poderão servir de pretexto para futura alteração regulamentar, mais focada na penalização de insultos inscritos em faixas. 

Fonte de Liga avançou à Maisfutebol Total que a instituição «está atenta aos acontecimentos que ocorreram e tem estado a trabalhar internamente e com outras entidades, no sentido de evitar que estas situações voltem a acontecer».

Nesse âmbito, a Liga está a avaliar a hipótese de «alterar ou criar regulamentação nova sobre esta matéria», avanço-nos a mesma fonte.
 
O Sporting-Benfica recebeu Nível 1 na classificação de segurança («Nível Organizacional») da Liga. É o grau máximo e exige a nomeação de dois delegados e uma reunião preparatória na manhã do jogo (e não apenas uma hora antes, como na generalidade das partidas).
 
O Nível 1 exige ainda que os dois clubes terão obrigatoriamente que trocar informação relativa à organização do jogo na semana anterior ao jogo, obedecendo a prazos e a um modelo documental próprio, aprovado pela Comissão Executiva da Liga. Foi o caso do dérbi de domingo.
 
Fora da área de recinto desportivo, a responsabilidade pela segurança é da PSP. Dentro do recinto, essa responsabilidade cabe ao clube visitado, neste caso ao Sporting.
 
Como se previne a violência no futebol?
 
A prevenção da violência nos estádios está legislada e tem sofrido alterações nos últimos anos. A última das quais foi feita em 2013 (Lei 52, de 25 de julho), que atualizou a Lei n.º 39/2009, de 30 de julho.
 
Essa lei estabelece o regime jurídico do combate à violência, ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos, «de forma a possibilitar a realização dos mesmos com segurança».
 
No seu artigo 8.º, alínea j), aponta-se: «Não proferir ou veicular declarações públicas que sejam suscetíveis de incitar ou defender a violência, o racismo, a xenofobia, a intolerância ou o ódio, nem tão pouco adotar comportamentos desta natureza».
 
O artigo 39-a, alínea i), especifica: «O incitamento ou a defesa públicas da violência, do racismo, da xenofobia, da intolerância ou do ódio, nomeadamente através da realização de críticas ou observações violentas, que utilizem terminologia desrespeitosa, que façam uso da injúria, difamação ou ameaça, ou que afetem a realização pacífica e ordeira dos espetáculos desportivos e a relação entre quaisquer entidades, grupos ou indivíduos envolvidos na sua concretização, ou a adoção de comportamentos desta natureza, em violação do disposto na alínea j) do n.º 1 do artigo 8.º».

O problema, nos últimos anos, tem estado na aplicação da lei. A identificação dos responsáveis de atos violentos dentro dos estádios continua a não ser feita devidamente.

A questão já estava identificada em 2011, quando, em seminário sobre segurança e prevenção da violência no futebol, o comissário João Pestana, da PSP, assumiu, poucos dias depois de confrontos entre adeptos do Sporting e do Benfica: «Esses adeptos estão identificados, mas não é da responsabilidade da força de segurança impedir que eles acedam aos espetáculos desportivos (...) Fico pasmado como o próprio Estado não tem mecanismos para banir este conjunto de indivíduos, com este tipo de comportamentos. Estão identificados e não há atuação por parte do Estado».
 
A mesma lei 52/2013 prevê, no artigo 15º, o registo dos grupos organizados dos adeptos, sendo que «o promotor do espetáculo desportivo» deve manter um «registo sistematizado e atualizado dos filiados no grupo organizado de adeptos do respetivo clube, associação ou sociedade desportiva, cumprindo o disposto na Lei da Proteção de Dados Pessoais».

Jerry Silva observa: «Da parte do Estado, não alcanço fundamento para  não fazer cumprir a lei. Da parte dos clubes, o que assisto em termos gerais é que, muitas vezes, as claques continuam a ser particularmente úteis para determinados fins, que estão despedidos de sanção disciplinar repressiva, ou seja uma sanção que desencoraje a prática de determinados actos».