Vinte e três milhões e alguns meses depois, o Benfica ainda não encontrou um substituto à altura.

Enzo Pérez foi o oito que deixou herança mais pesada no futebol do Benfica, organizado desde a era-Jesus e com continuidade em Rui Vitória no célebre 4x4x2 ou 4x1x1x2x2, se preferirem distinguir os papéis defensivos e de construção dos dois homens mais recuados do setor intermediário dos encarnados.

Nenhum jogador fez tantos jogos como o argentino na posição 8 nas últimas sete épocas, o que impressiona ainda mais pelo facto de ter chegado à Luz como extremo-direito e substituto natural de Salvio, que voltara a Madrid.

Sem explosão para desbravar os caminhos mais apertados do futebol europeu, o antigo futebolista dos Estudiantes de la Plata que agora está no Valencia, foi o escolhido por Jorge Jesus para ocupar o lugar deixado vago por Witsel, emigrado para a Rússia.

Pizzi pareceu ser o seu sucessor, face à aposta e a retribuição da mesma por parte do futebolista na metade da última época, mas Rui Vitória acrescentou uma carta já deixada fora do baralho por Jesus para o lugar: Talisca. Mas o brasileiro está longe de convencer, e o problema persiste.

No Dragão, Samaris foi a aposta, mas dificilmente será a solução na maior parte dos jogos. Até janeiro pelo menos, o treinador terá de viver com o que tem. Para já tem oscilado de jogo para jogo.


2009/10 – um dez feito num oito

A história da importância dos  oito do Benfica no novo modelo tático imposto por Jesus começa na época 2009/10, com… Pablo Aimar. Um dez-feito-oito, porque o técnico joga com Saviola e Cardozo bem na frente, e Ángel Di María é indiscutível na esquerda.

Perante tanta vertigem na frente, o treinador sente a necessidade de compensar defensivamente a equipa, e aí aparecem Ramires e Rúben Amorim com papel fundamental: ajudar o espanhol Javi García na recuperação da bola. O brasileiro é também muito importante na frente, tendo apontado quatro golos e justificando posteriormente a aposta do Chelsea por 22 milhões de euros.

Além de Pablito, que soma 21 encontros a titular na Liga, passam pela posição Carlos Martins (7) e o próprio Ramires (2). O brasileiro Felipe Menezes chega a ser utilizado em alguns jogos da Liga Europa.

2010/11 – sem Ramires, apoiam Amorim e Coentrão

Campeão, o Benfica pouco muda, à exceção da saída de Ramires para a Premier League. Jesus coloca um pouco de lado as preocupações defensivas, embora aqui e ali faça alinhar Rúben Amorim à direita e eventualmente Fábio Coentrão – em fase de transição para lateral-esquerdo – no outro lado, para ajudar nas compensações.

Aimar continua a ser o organizador, ainda mais atrás, chamando a si a bola perto de Javi García, um jogador com pouca amplitude na construção. Cumpre 20 jogos de início, contra nove de Carlos Martins e um de Felipe Menezes.

A queda precoce da Liga dos Campeões, na fase de grupos, atrás de Schalke e Lyon e com o chocante 3-0 frente, em Israel, ao Hapoel Telavive – e posteriormente a eliminação nas meias-finais da Liga Europa frente ao Sp. Braga – fazem o treinador repensar o modelo para a temporada seguinte. É necessário um médio diferente, não tão ofensivo como Aimar, mais de contenção, mas que também saiba participar na organização. Um meio-caminho entre Javi e o argentino.


2011/12 – Witsel, ferrolho para a Champions

Pablo Aimar começa a perder mais espaço, mas mesmo assim faz o lugar em 17 dos 30 jogos da Liga. Matic apenas aparece na posição na última ronda, e ainda não é seis na cabeça do treinador. Pelo menos na prática. Witsel, chamado também à direita em outras três ocasiões, cumpre em 12 partidas.

Os encarnados chegam aos quartos de final na Liga dos Campeões, caindo perante o futuro campeão Chelsea com duas derrotas (0-1 e 2-1). O belga é trunfo, sobretudo, na prova milionária, sendo titular em 13 dos 14 encontros realizados, desde a 2ª pré-eliminatória.

Mas não é dele a posição 8 por muito mais tempo.


2012/13 – Matic e Enzo contra as expetativas

Javi García é o primeiro a sair, a 31 de agosto, para o Manchester City, a troco de 20,2 milhões. Witsel começa a época, mas só está em dois jogos. Quarenta milhões convencem Luís Filipe Vieira e deixam Jesus com um problema sério nas mãos. Há que reinventar um seis, mas também o médio de transporte.

Enzo Pérez estreia-se em Coimbra, com um empate a dois golos, e não dissipa todas as dúvidas que existem. Não se adivinha que será um dos melhores da Liga. Chegou como extremo à Luz, foi-se embora inadaptado de novo para o Estudiantes, voltou e tornou-se o oito porque, sem Witsel, era necessário encontrar alguém depois de o mercado ter fechado por cá.

Nemanja Matic ainda recua mais metros em campo. Chegou a ser dez no Vitesse, foi oito por uma vez na Liga na temporada anterior e agora é o homem à frente da defesa. Um trinco com mais metros quadrados de ação que o anterior dono do lugar, mas trinco mesmo assim.

Enzo faz 22 jogos a titular, depois de o treinador ter experimentado Carlos Martins por uma vez e recorrer ao agora belenense outras duas mais à frente. André Gomes também está em campo nessa posição em três encontros.

No entanto, é o argentino que inicia uma nova era.

2013/14 – lugar com dono (quase) absoluto

O lugar tem dono finalmente, talvez mesmo o dono mais dominador. Vinte e sete jogos em trinta para Enzo, sempre números na Liga. Um para Matic, outro para Rúben Amorim e um último para André Gomes. 

O sérvio volta ao Chelsea, em Janeiro, por 27 milhões, Fejsa assume a posição 6 até se lesionar, altura em que aparece André Gomes.

As notícias da saída de Enzo são cada vez mais frequentes, adivinham-se mais problemas para o treinador.


2014/15 – Pizzi, o novo Enzo até Jesus fazer as malas

Fejsa, lesionado, precisa de um substituto para a posição 6. Rúben é o primeiro a jogar, mas Samaris, contratado em cima do fecho do mercado, ganha o lugar. Tem de se adaptar primeiro, porque a sua posição ainda é a de segundo médio, mas ainda existe Enzo para aí. O que não há mesmo é médio-defensivo. Em crescendo, torna-se indiscutível.

Pérez resiste ao mercado do Verão, mas sai em janeiro depois de cumprir dez jogos no onze inicial. 23 milhões é o que paga o Valencia.

O jovem brasileiro Talisca (ex-Bahia) torna-se na primeira solução encontrada por Jesus, que aguenta o reforço entre as primeiras escolhas até à 18ª jornada, a derrota em Paços de Ferreira (1-0).

Surge Pizzi, outra adaptação. O internacional português pega de estaca a partir da 21ª ronda, não largando mais o lugar, na Liga, até ao fim da era-Jesus. Tudo somado, são 15 jogos, 14 sucessivos.

Talisca só volta ao 11 uma única vez e para a esquerda, para o lugar do indisponível Gaitán (26ª). No entanto, nem aí vinga e, com o sul-americano lesionado, Jesus recupera Sulejmani para os últimos jogos da época.

Pizzi terá contra si o seu passado (e o momento de forma atual). Com Rui Vitória, o futuro treinador, jogava mais à frente. E o mesmo diria publicamente que não via no ex e futuro pupilo um oito.

Contas totais: 10 jogos de Enzo, 15 de Pizzi, 8 de Talisca, 1 de Samaris

2015-16 o fim de Jesus e a dúvida entre manter e reconstruir

O novo técnico chega com três posições onde está obrigado a mexer: lateral-direito, extremo direito e número 9, face às saídas de Maxi Pereira e Lima, e à lesão grave de Salvio.

Aparentemente, perante a afirmação de Pizzi na segunda metade da temporada anterior, não haveria necessidade de mudar grande coisa no miolo do meio-campo. No entanto, a falta de forma do médio português na pré-época terá obrigado Rui Vitória a outras decisões.

Marcelo Meli, do Boca Juniors, é falado diversas vezes como alvo até ao fim da janela de transferências, mas não se concretiza.

Quando chega o jogo da Supertaça, frente ao Sporting, opta por Samaris a 8, com Fejsa a 6 e Talisca à direita. Perde o troféu e na primeira jornada da Liga, frente ao Estoril, volta ao plano-Pizzi, mantendo o sérvio e optando no flanco por Ola John.

O internacional português é opção inicial nos dois jogos seguintes: na derrota frente ao Arouca em Aveiro e no triunfo perante o Moreirense. O treinador apenas troca, no segundo destes jogos, Ola John por Victor Andrade. A reviravolta, com as boas entradas de Talisca e Gonçalo Guedes, terão precipitado novas mudanças: o brasileiro volta a ser 8, o jovem tem o lugar de Salvio.

Dois triunfos na Luz (Belenenses e Astana, na Liga dos Campeões) parecem justificar a nova aposta, mas, no Dragão, o técnico volta a mudar. André Almeida, com zero minutos até aí, surge a 6 – poderá ter tido a ver com o facto de Fejsa estar lesionado – e é Samaris quem volta a subir.

Virá aí certamente nova alteração, já que dificilmente uma dupla tão defensiva será decisão para o pontapé de saída do jogo com o Paços. E, depois, o Atletico Madrid, na Champions, que costuma estrangular os meios-campos rivais.
 
Talisca  – entre os golos e os pecados

O regresso da aposta em Talisca apanhou de surpresa muita gente no início da época. Apesar de muito jovem, o ex-Bahia tinha passado, com Jesus, de titular indiscutível a suplente utilizado.

Com o ex-treinador, foi 8, segundo avançado e médio esquerdo. Não se afirmou em nenhuma das posições, embora tenha somado cinco partidas consecutivas (da 14 à 18ª jornada) no meio-campo, ligeiramente à frente de Samaris ou, por uma vez, de Cristante.

Com lacunas evidentes nos processos defensivos, seja na intensidade ou no posicionamento, e com dificuldades na construção de ataques, sobretudo quando rodeado de pouco espaço, Talisca deixou escapar o favoritismo que lhe atribuía Jesus.

Os golos que marcou adiaram a decisão de deixar cair um jovem a quem o próprio treinador vaticinou que renderia muitos milhões no futuro. No entanto, apesar dos nove golos que assinou em 2014/15 num brilhante arranque de época, apenas dois foram conseguidos a partir da posição 8: Arouca (7ª jornada) e Penafiel (15ª).

Os mesmos dois que Pizzi conseguiu também, com o português a aparecer muito forte na marcação de livres e a esses dois golos somar assistências valiosas. Apesar de ser o homem das bolas paradas quando está em campo, o brasileiro tem acertado pouco nesse capítulo.

Rui Vitória voltou a baralhar com o regresso a Talisca. A aposta em André Almeida no Dragão prova que o treinador sente que ainda não chega para jogos mais exigentes e que agradeceria, certamente, a explosão do jogador para a titularidade absoluta.

Ou que Pizzi volte a estar perto do que já foi.

Das duas uma. Até ver.

Totais:
Enzo Pérez, 59 jogos
Aimar, 58
Carlos Martins, 19
Pizzi, 18
Witsel, 14
Talisca, 10
André Gomes, 4
Samaris, 3
Ramires, 2
Matic, 1
Rúben Amorim, 1
Felipe Menezes, 1