Rui Vitória defendeu que aumentar os tempos de compensação nos jogos de futebol não é 'o passo mais indicado» para melhorar o tempo útil, mas sim promover a qualidade nos 90 minutos.

«Temos de fazer um esforço para que, nos 90 minutos, se perca menos tempo. Mais 15 minutos de jogo [nos descontos] não é, se calhar, a melhor solução, porque estamos a jogar mais de 90 minutos e, com a carga existente de jogos, não é o ideal. É um passo para compensar, mas o ideal é fazer tudo o que está ao alcance para que o jogo tenha 90 minutos, no máximo 90+2, em vez de 90+10. Não me parece que seja o passo mais indicado», afirmou, durante o Football Talks, que decorre na Cidade do Futebol, em Oeiras.

Na companhia de Luís Godinho, João Marcelino e Tarantini, restantes membros do painel «Tempo útil de jogo: Questões e desafios», o selecionador do Egito prosseguiu o raciocínio.

«Temos de arranjar maneira para que o jogo seja fluido. As paragens têm impacto enorme no cérebro dos jogadores e torna-se mais difícil reativar a parte mental. Quanto mais pararmos, mais difícil será. O passo é 90 minutos em que as coisas funcionem», frisou.

Para o técnico, um bom jogo de futebol é aquele que «é dinâmico e em que não haja paragens constantes», para além de ser um encontro «que provoca emoção, com duas equipas a combater de forma determinada, leal e com qualidade nos processos».

«O grau de incerteza e emotividade é um trunfo muito grande da modalidade. A questão do jogo corrido só traz mais emotividade e cria um jogo mais dinâmico, vivo e alegre», argumentou.

Segundo Rui Vitória, «em Portugal, está a haver uma mudança - e ainda bem que existe – muito consistente do que se quer para o futebol».

«Tem a ver com a tolerância que temos para com uma decisão. Se continuarmos a deixar andar a bel-prazer, isto vai continuar assim e nada se faz. Se houver regras claras, com uma palavra de mudança desta atitude, em que se pressionam os jogadores, isto gradualmente vai melhorando», considerou.

Rui Vitória aponta que o salto que se deve dar é no aumento de intensidade dos jogos, o que fará o jogador «ser melhor e mais competente para jogar ao mais alto nível», até para encurtar a diferença de intensidade para com os jogos das provas da UEFA.

«Onde se perde mais tempo é nos golos, nos pontapés de baliza e nos cartões. Se há um jogo com cinco golos, se calhar há cinco minutos de comemoração. Se há um jogo com muitos cartões e pontapés de baliza, perde-se mais tempo. Há indicadores que dá para atuarmos, mas é preciso juntar as pessoas e haver vontade para mudar», concluiu.

Por sua vez, o árbitro Luís Godinho explicou que há «instruções claras para deixar o jogo correr» e que, se um juiz não apitar «pequenas faltas», tem de existir «aceitação do critério» por parte dos protagonistas, o que nem sempre acontece em Portugal. 

«Também gosto de apitar ‘à inglesa’. Temos um compromisso enorme em contribuir para o tempo útil, mas os intervenientes têm de fazer com que não haja motivos para essas interrupções. Apitar ‘à inglesa’ é que o jogo flua, que os bancos não deem azo a motivos de discórdia e que aceitem esse critério do árbitro. Em Portugal, nós apitamos muitas vezes ‘à inglesa’, mas a nossa mentalidade e cultura faz desvirtuar isso», explicou. 

Este fator leva a que, muitas vezes, os árbitros portugueses se adaptem ao jogo, e não o contrário, indo de encontro às pretensões dos restantes intervenientes: «Quando um interveniente muda do futebol português para o inglês, joga à inglesa e a mentalidade muda. As pessoas adaptam-se à competição e às equipas onde estão inseridos», realça antes de dar um exemplo prático.

«Estive este fim de semana num jogo de futebol grego, entre Aris Salónica e PAOK. No final do jogo, perguntei-me se eu era o único, durante o jogo, que queria o jogo fluido. Quis dar leis da vantagem, não quis apitar pequenas faltas, mas nenhum dos jogadores queria correr. Comecei a perceber que ninguém queria isso e adaptei-me ao jogo. Se era falta que queriam, eram faltas que marcávamos», acrescentou. 

Luís Godinho lembrou que, já esta temporada, se viu um guarda-redes a ser castigado com um cartão amarelo por perda de tempo logo na primeira parte, e que o tempo de compensação tem sido aumentado cada vez mais.

«Se todos estivermos predispostos a não condicionar o jogo, o critério do árbitro será sempre largo. É importante fazer ver que maior qualidade de jogo trará seguramente uma melhor arbitragem em Portugal», esclareceu. 

O fórum Football Talks decorre entre segunda-feira e esta terça-feira, na Cidade do Futebol, com um programa vasto assente em temas relacionados com os cinco pilares estratégicos identificados no Plano Futebol 2030 da FPF: Infância e Crescimento, Futebol para Todos e Todas, Qualidade do Jogo, Envolvimento e Sustentabilidade do Ecossistema.