No espaço de quatro anos, Pepa foi de treinador na distrital de Aveiro até à Liga. Antes de chegar ao escalão máximo do futebol passou por duas equipas: Sanjoanense, que subiu ao Campeonato de Portugal e pela qual assegurou a permanência no ano seguinte; e Feirense, que liderou durante quase toda a época que culminou com a subida à Liga.

Este ano, pela primeira vez, treinou duas equipas, Moreirense e Tondela. Numa época em que houve 19 mudanças de treinador na Liga, Pepa declara-se «triste» com a forma «descartável» como se encara o cargo. E pede mudanças.

Apesar de ter beneficiado dessa possibilidade, Pepa olha para o caso espanhol e afirma-se a favor de uma lei que impeça os treinadores de liderarem mais do que uma equipa da I Liga. 

Maisfutebol - O Tondela foi o maior risco que assumiu na carreira de treinador?

Pepa - «(hesita). Foi, sem dúvida. A equipa fez 10 pontos na primeira volta e seguia-se o Sp. Braga e o Benfica fora, depois o Desp. Chaves, que estava fortíssimo. Em termos desportivos, foi o maior risco que assumi. Fez-me lembrar quando eu estava [como treinador] na formação do Benfica e saí pelo meu próprio pé. Agradeci muito por ter voltado àquela casa, e vim para um desafio na distrital. E também me disseram que era uma loucura, mas eu dizia sempre que ia conseguir chegar à Liga, em dez anos. 'Tu és maluco, ninguém vai da distrital para a I Liga'. Mas eu quis tentar. Quis vir para selva, para o futebol, e sair daquela redoma.»

MF – O Tondela foi uma nova loucura, então?

Pepa - «Sim, foi parecido. Algumas pessoas disseram-me que eu era maluco por ir para uma equipa que estava em último e que o que aconteceu no ano anterior tinha sido um milagre. E eu sabia. É muito difícil fazer 20 pontos com uma equipa que não está confiante, porque está em último, e com carências em termos de plantel. Mas fui. E aí, foi por uma pessoa: pelo presidente. Já o conhecia de quando lá tinha estado e gostei muito de trabalhar com ele. Tinha saído de lá para o Benfica com aquela sensação de que havia de ali voltar um dia. E ficou sempre aquela empatia. Nós falávamos todos os anos, nem que fosse para desejar um bom Natal, ou para dar os parabéns por uma boa época. E sabíamos que um dia haveríamos de voltar a trabalhar juntos.»

MF – E surgiu a oportunidade.

Pepa - «Num momento muito delicado para o clube. Na brincadeira até disse ao presidente: 'quer dizer, agora é que se lembra de mim? Mas eu vou!' (risos). Chegar a acordo foi facílimo. Mas eu sabia da dificuldade e do risco. E depois, foi muito tempo a ser massacrado com o 'vai descer duas equipas'. Mas isso passa-me ao lado. E afinal, não desceu nenhuma. Mas que continuem a criticar, que isso faz parte. Há pessoas que parece que ficam felizes com a desgraça dos outros.»

MF – No final do jogo com o Sp. Braga, deixou palavras a quem desceu e a quem ficou.

Pepa – Sim, eu quis dar os parabéns ao Petit, que conseguiu – mas eles nunca estiveram abaixo da linha de água, verdade seja dita. Por exemplo, o Nuno [Manta Santos] fez um trabalho espectacular no Feirense. O Daniel Ramos, no Marítimo. Isso é que dá gosto de valorizar. O Manuel Machado teve um 'galo' tremendo, com uma época terrível para ele. Mas é um treinador com uma grande competência, e tem de se valorizar os trabalhos que fez no Nacional. Teve azar este ano, alguém tinha de descer. Acho que tem de se dar uma palavra a quem desceu – que voltem rápido – e os parabéns a quem subiu. Essa é a minha forma de estar.»

MF – Daí as críticas que deixou à facilidade com que se despedem treinadores.

Pepa - «Isto não existe. 19 mudanças de treinadores é uma vergonha e deixa-me triste, para não dizer outras palavras. E se criarem uma lei, como há em Espanha, que não permite que um treinador despedido da I Liga volte a treinar outro na mesma época, eu sou a favor. Eu sei que beneficiei disso, mas sou contra essa possibilidade. Se fizerem essa lei, eu voto a favor.»

MF – Acredita que isso pode mudar?

Pepa - «Tem de mudar. As pessoas que pensam o futebol têm de refletir, se não, os jogadores e os adeptos olham para os treinadores como descartáveis. Imagina, um treinador corrige um jogador, dá-lhe uma 'dura' porque ele esteve mal dois jogos seguidos, e se não houver uma liderança forte, o jogador pensa 'estás-me a dar cabo da cabeça? Hoje estás aqui tu, amanhã vem outro'. Isso não pode acontecer.»

MF – Uma meta que definiu para a sua carreira é conseguir mais como treinador do que fez como jogador. Já conseguiu?

Pepa - «Está quase (risos). Não, não posso ser eu a avaliar. Mas eu joguei num clube grande, fui campeão europeu de sub-19. Consegui algumas coisas que não ainda não fiz como treinador. Mas quando eu digo isso, não é por pretender passar por clubes melhores do que passei como jogador. É ter uma carreira que seja reconhecida como competente. Alguém de personalidade e carácter. E como jogador, não consegui isso.»

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