Uma ação de formação do Conselho de Arbitragem, já marcada antes desta semana de Final Four da Taça da Liga, levou-nos à cadeira de pesadelo do futebol português: a do VAR.

Um conjunto de jornalistas (veja no vídeo anexo, a peça do nosso colega Paulo Pereira da TVI) testou e foi testado como Video Assistant Referee, o termo inglês que dá nome à coisa. Realizou exames teóricos e depois auxiliou Artur Soares Dias, que foi para o relvado principal da Cidade do Futebol dirigir uma partida cheia de situações duvidosas (e, como é claro, com o próprio árbitro a errar propositadamente).

A conclusão do dia é simples: ser VAR é mais difícil do que parece.

Agora que sabe a conclusão, saiba o porquê de chegarmos a ela.

Deixemos, por momentos, o árbitro de campo onde ele está: no relvado. No centro de vídeoárbitro da FPF, uma equipa constitui-se pelo VAR e, igualmente importante, pelo AVAR: o assistente de vídeoárbitro.

Há ainda o operador, com quem é preciso comunicar a pedir ângulos e imagens. «Quero esta câmara e aquela», é o pedido frequente.

Antes de o jogo começar há uma série de procedimentos. Verificar se tudo está a funcionar, pedir ao operador que «set» de camaras se quer no visor à frente, enquanto por cima deste fica uma televisão com a visão «master»: a que acompanha o jogo normalmente.

AVAR à esquerda, VAR ao meio (com TV em cima e visor em mosaico à frente) e operador à direita

Depois de tudo testado e verificado, começa o jogo. Nesta sexta-feira, uma partida da equipa sub-23 do Belenenses dirigida por Artur Soares Dias. Com muitos casos, diga-se.

Os jornalistas foram divididos por grupos e este que vos escreve começou como AVAR. Já se perguntou para que serve o AVAR? Se tem um papel relevante ou não? A resposta a esta última pergunta é que é tão importante como o VAR.

Soares Dias assinalou um livre por um agarrão claro. A falta nunca deixou dúvidas. O local onde foi feito (dentro ou fora da grande área), sim. Como era lance passível de penálti, fomos rever. E logo se deparou a primeira dificuldade. Havia a possibilidade de fora de jogo no início do lance.

Dissemos a Soares Dias para aguardar. O meu colega do VAR verificou o fora de jogo e, como numa boa equipa, pediu a minha opinião para sustentar a dele. No exato segundo em que me chama, Soares Dias mostra um cartão vermelho, que só vi pelo canto do olho.

Obviamente, um AVAR treinado não tirava os olhos quando o árbitro principal estava a mostrar um cartão a um jogador. Depois de confirmar a boa decisão do assistente, de que não havia fora de jogo, soltei um «acho que ele mostrou cartão vermelho» ao meu colega.

VEJA TODA A SITUAÇÃO AQUI

Quando ouviram isto já no final do dia, os juízes reagiram de forma unânime: «Achas? Ou deu ou não deu!»

Deu, mas foi pelo canto do olho que o percebi e, se me tivesse fugido, um jogador acabaria expulso. Mal expulso, diga-se.

O VAR prosseguiu com a análise do lance a pedir câmaras e momentos ao operador e, com os jogadores e árbitro principal à espera de indicação, lá dissemos – porque ele pediu a minha verificação também - que era penálti, pois a falta terminou dentro da área, e que não seria expulsão.

«Aconselho que vejas», foi a última comunicação que saiu para Soares Dias, apesar de termos a certeza do que tínhamos visto.

Ora, este «aconselho que vejas» era escusado, como escusado era o árbitro ir perceber se, lá no início da jogada, o avançado estava fora de jogo ou não: se o assistente não levantou a bandeirola nem o árbitro apitou, é porque já tinham achado que não havia, portanto, para quê dizer que concordávamos com eles, mas que era necessário o juiz principal ir ver o início da jogada? Não faz sentido.

O lance não gerava dúvidas e perdeu-se ainda mais tempo – que já ia bastante longo – para que o árbitro principal verificasse o óbvio nos ecrãs. Em suma, uma decisão totalmente acertada. Pelo canto do olho apenas e que demorou muitos, demasiados, minutos a ser tomada.

O trabalho de equipa é fundamental no centro de VAR da FPF. A coordenação entre os dois elementos de arbitragem que ficam atrás das TV tem de ser o mais otimizada possível, para que o seja também com os elementos no relvado. Assim que rodámos nos postos de VAR e AVAR, o entendimento já não foi tão bom, por exemplo, e isso refletiu-se quer no tempo, quer na tomada de decisão.

Porque no centro de vídeo, enquanto um revê lances (VAR), o outro tem de seguir o jogo ou prestar atenção a outro tipo de pormenores para tentar minimizar o erro.

A comunicação é, também, fundamental pois há muita gente a falar ao mesmo tempo. Os próprios termos usados também têm de ser claros e, portanto, criou-se uma espécie de vocabulário intrínseco à função. Sabe aquele famoso ‘aguenta, aguenta’? Pois bem, pelo que ouvimos, é comum entre VAR e árbitro principal e facilita o trabalho aos juízes.

É preciso dizer que, ao contrário dos árbitros e dos VAR, os jornalistas não são pessoas treinadas na arbitragem. Não trabalham como VAR todos os fins de semana, a pedir ângulos e momentos, nem têm a mente treinada para continuarem focados num ecrã, quando lhes dizem para ver outro.

Portanto, também temos de descontar essa parte. Que a dificuldade para quem chega ali sem nunca ter «mexido no sistema» não é a mesma que os juízes têm agora. Ainda assim, surgiram mais dificuldades do que as esperadas sentados na cadeira, a ver a bola.