Melhor marcador da I e II ligas, Bota de Ouro e de Prata, Melhor jogador africano de 1993 e melhor marcador da Taça das Nações Africanas em 1994. 37 golos ao serviço da Nigéria e 131 com a camisola do Vitória de Setúbal. É obra.

Rashid Yekini, o deus negro do Bonfim nos anos 90. Gigante das savanas nigerianas, a rapidez da gazela e o instinto dos grandes felinos no corpo de um avançado. Cinco anos no Sado e uma tarde de glória contra o Benfica na época 93/94. Dois golos, mais duas bolas aos ferros num triunfo por 5-2.

O nome de Yekini é o projétil perfeito para lançar o próximo Vitória-Benfica. Recordar o antigo ponta-de-lança, tristemente falecido em 2012 aos 48 anos e em circunstâncias chocantes, para sublinhar a relevância histórica deste verdadeiro clássico do futebol português.

71 jogos entre Vitória e Benfica em Setúbal para a Liga e superioridade das águias. 41 vitórias para os lisboetas, 15 empates e 15 vitórias sadinas. Na cabeça, na nossa cabeça, ficará para sempre a tarde de 21 de novembro de 1993.

O Vitória Futebol Clube entra para esse jogo no último lugar, mas Yekini e Chiquinho Conde destroçam a defesa desenhada por Toni. Neno, Abel Xavier, Veloso, Mozer e Hélder saem do Bonfim de cabeça baixa e os rins em miseráveis condições.

VÍDEO: a tarde de glória de Yekini num Vitória-Benfica (imagens RTP)

Rashid Yekini chega a Setúbal em novembro de 1990. Estreia-se numa derrota contra o Vitória de Guimarães (2-3) e alimenta a lenda até 1994. A presença no Campeonato do Mundo dos EUA, com quatro jogos e o golo à Bulgária ilustrado no abraço às redes de Mihaylov, permite mostrá-lo ao planeta futebol.

Yekini sai para o Olympiakos, passa ainda pelo Sporting de Gijón, mas percebe que a felicidade mora em Setúbal. Regressa para mais 15 jogos e três golos em 1997. Um avançado obrigatório, um nome icónico e condenado à eternidade na urbe onde o Sado beija o Atlântico.

O Maisfutebol recolheu depoimentos que nos ajudam a conhecer melhor «o menino bom em corpo de gigante». Um homem amável e reservado. Rashid Yekini.
 

Gaspar: colega em Setúbal na época 1996/97

«Nós treinávamos mesmo ao lado do pavilhão, num campo secundário. Certo dia, já na fase de descompressão, estava a alongar e a conversar com outros colegas quando comecei a ouvir uma espécie de martelar: ‘pum, pum, pum, pum’. ‘Quem anda ali a martelar?’ Levantámo-nos todos e vimos que era o Yekini a fazer remates do campo contra a parede do pavilhão. Era um animal. Acertava na bola com uma violência impressionante, quase deitava o pavilhão abaixo. ‘Pum, pum, pum’.»

«Vivíamos perto um do outro e fazíamos as compras na mesma zona, às vezes a pé e outras de carro. Uma vez estava eu a regressar a casa e vejo o Yekini a subir e a descer a rua. ‘Então, amigo, às comprinhas?’, perguntei eu. Ele estava assim meio aflito, desorientado. ‘Não pá, estacionei o carro em qualquer lado e já não me lembro onde. O carro é muito pequeno, pá!’»

«Por falar no carro dele, o Yekini era famoso por ter esse carro pequenino. Entrava no Fiat Bravo e a cabeça ficava entalada entre o volante e o tejadilho. Ele era tão grande que podia conduzir o carro sentado no banco de trás. Tinha umas pernas enormes, umas coxas impressionantes.»

«Foi das melhores pessoas que conheci no futebol. Era um tipo reservado, calado, ficava no seu canto, mas muito, muito bom homem. Eu tinha 21 anos e ele já estava numa fase avançada da carreira. Para mim era quase como ter um deus ali ao meu lado, era muito respeitado. Pelo que já tinha dado ao Vitória e pelo que tinha feito no Mundial-94.»

Chiquinho Conde: colega em Setúbal nas épocas 1992/93 e 1993/94

«Com o Yekini era tudo fácil. Não parecia tecnicista, mas tratava bem a bola e era muito poderoso. Sozinho, era capaz de amarrar os dois centrais e libertava-me. Marquei muitos golos assim.»

«Em 93/94 fizemos uma época espetacular e isso permitiu-me dar o salto para o Sporting. Fiz 15 golos e uma dupla fantástica com o Yekini. Ele ainda marcou mais golos do que eu [21] e depois vi-o a brilhar no Mundial.»

«Foi um jogador fantástico, o melhor parceiro que tive. Dávamos muitas assistências um ao outro. Setúbal foi um período muito bom para mim e para ele.»

Professor Neca: treinador em Setúbal na época 1991/92

«Era um avançado extraordinário. Sinto que saí mais cedo do Sporting por culpa dele. Eu explico. Infelizmente, quando se juntava à seleção da Nigéria ficava em África demasiado tempo. Faltou a alguns jogos importantes e fez-me falta.»

«Para simplificar, lembro-me que a malta começou a tratá-lo por ‘Jaquim’. Era de uma simplicidade e de uma humildade únicas. Era um jogador à parte dentro de um clube como o Vitória, acho até que as pessoas não faziam ideia do nível que ele tinha. A diferença entre ele e os outros era abissal.»

«Nós estávamos na II Liga e fizemos um jogo-treino contra o Benfica do Eriksson. Vencemos por 4-2. Antes do jogo eu disse que ao Eriksson que tínhamos ali um craque chamado Yekini, mas ele olhou para o Rashid e torceu o nariz, como que a dizer ‘temos melhor’ ou ‘é meio desengonçado’. No final do treino veio ter comigo. ‘Neca, tinhas razão. Ele é grande, desengonçado, mas quando tem a bola muda completamente.’»

«Setúbal era uma cidade triste nessa altura, muito por culpa do desemprego. A alegria daquela gente era o Vitória e o Yekini. Toda a gente o adorava e ele adorava aquela gente toda também. As corridas dele para as cabines telefónicas eram famosas. Já não sei porquê, mas naquela altura ele não tinha telefone em casa. Então deu o número de uma cabine vizinha do estádio à família e à hora certa lá tocava o telefone e víamos o Yekini a correr até lá.»

Jorge Martins: guarda-redes e colega em Setúbal nas épocas 90/91 e 91/92

«Só de pensar no Yekini as minhas mãos ficaram logo quentes. Nunca fui muito próximo dele, porque éramos os dois muito reservados. A nossa relação era essencialmente de treinos e jogos. E quando ele rematava à baliza, minha nossa senhora. Foi o melhor rematador que apanhei na vida. Tenho saudades dele, morreu demasiado jovem.»