Anne Williams morreu três dias após a cerimónia de tributo ao desastre de Hillsborough, o estádio de Sheffield onde 96 adeptos do Liverpool perderam a vida, em 1989. Já estava muito doente: em outubro tinha recebido a notícia de que tinha um cancro terminal. Ainda assim, na segunda-feira esteve em Anfield, já muito debilitada, em cadeira de rodas. Foi a primeira vez que esta ativista pôde evocar a data da tragédia sem a mancha de uma culpa que o seu filho não tinha. Como não tinham as outras 95 vítimas mortais, apesar do que as autoridades britânicas garantiram durante mais de duas décadas.
No dia 15 de abril de 1989, a vida de Anne Williams tomou um único rumo. A partir do momento em que lhe foi comunicada a morte do seu filho Kevin, de 15 anos, a mulher que viria a tornar-se um símbolo da cidade de Liverpool e das «Hillsborough mums», passou a ter o objetivo de perceber o que aconteceu realmente no estádio de Sheffield, entre as 15 e as 16 horas daquela tarde.
Sem formação jurídica, Anne estudou a fundo a legislação para atacar as contradições das autoridades. Atuando em rede com outros ativistas e associações, passo a passo, foi juntando testemunhos que desmontaram algumas conclusões. Uma, a de que os adeptos tinham provocado a tragédia. Outra, a de que esta tinha sido demasiado rápida para permitir uma intervenção eficaz dos socorristas.
Uma das primeiras vitórias de Anne foi provar que o seu filho, como muitas outras vítimas, ainda estava vivo às 16 horas, e não tinha falecido às 15.15, como o médico legista garantia. Foi uma prova de que as autoridades estavam mais preocupadas em encobrir responsabilidades próprias do que em apurar a verdade, atirando culpas para adeptos cuja imagem estava manchada pela participação na tragédia do Heysel, quatro anos antes.
Nem as falhas de coordenação do policiamento, nem o facto de terem sido vendidos bilhetes a mais foram reconhecidos pelas autoridades. Até que, em setembro do ano passado, um relatório de uma comissão independente validou a posição que Anne, e as outras mães, sempre tinham assumido. O veredicto de «morte acidental» foi anulado, e abriram-se novos inquéritos para apurar responsabilidades.
Umas semanas depois, Anne ficou a saber que tinha pouco tempo de vida. Em dezembro, foi já em cadeira de rodas que se deslocou ao tribunal que anulou as conclusões dos primeiros relatórios. Aí resumiu um combate de 24 anos: «Estou feliz por nunca termos desistido. Espero agora que haja um veredicto de homicídio involuntário para os responsáveis, é o mínimo pelo que fizeram. Se deus quiser, ainda vou estar cá para ver», disse então. O cancro derrotou-a antes, mas nesta quinta-feira, as homenagens mostraram até que ponto a sua personalidade influenciou o curso de uma das batalhas legais mais importantes na história do futebol inglês.
Vários habitantes de LIverpool usaram as suas contas de twitter e Facebook para pedirem à cidade um «funeral de Estado» para Anne e um porta-voz do clube lembrou que «as suas ações foram decisivas para deixar as famílias das vítimas mais perto de uma espécie de conforto». O presidente da câmara, Joe Anderson, definiu Anne Williams como «uma pessoa inspiradora, cuja determinação e convicção foi fundamental para desmascarar os encobrimentos de Hillsborough», enquanto o deputado trabalhista Steve Rotheram, que fez campanha ao lado das famílias, lembrou que o seu combate «inspirou milhares de mulheres e personificou os laços inquebráveis entre uma mãe e o seu filho».
Mas talvez as palavras mais sentidas tenham sido ditas por Kenny Dalglish, um dos maiores ídolos do Liverpool, e treinador da equipa no dia da tragédia: «É uma notícia triste, mas também uma libertação para o sofrimento de Anne e uma oportunidade para rever Kevin. Estou certo que este poderá dizer-lhe que tem tanto orgulho nela como Anne sempre teve no seu filho», concluiu, citado pela BBC.