Rui Miguel Tovar está no Maisfutebol com a rubrica LOAD " " ENTER. Para ler todas as semanas e saborear conversas por vezes improváveis com as principais figuras do futebol. Já sabe, basta escrever LOAD " " ENTER para entrar neste mundo maravilhoso de Rui Miguel Tovar.

Figura do jet set jornalístico há mais de 20 anos, Pedro Pinto abre-nos a porta. Literalmente. Ele abre-nos a porta da sua agência de comunicação Empower Sports, ali bem perto da Gulbenkian. Trocam-se uns piropos, a propósito de um encontro casual na loja do Barça em Camp Nou, antes do 1-1 com o Chelsea em 2006, e sentamo-nos frente a frente. Começa o futebol total, 75 minutos de tic-tac-tic-tac-tic-tac.

Vi-te pela primeira vez no Hugo, estás igualzinho.

Ahahahah. ‘Inda pá, o Hugo.

Isso é de quando?

Fiz o Hugo em 1997 e 1998. Saio daí para a CNN.

A primeira transferência da carreira?

Ahahahaha. Do departamento infanto-juvenil da RTP para os EUA.

E antes, o que fazias?

O primeiro programa na RTP foi o «Um Do Li Tá», com a Vera Roquete.

Eiscchhhh.

Ya, o mítico rosto do «Agora Escolha». Também fiz o «Caderno Diário», apresentado pela Rita Ferro Rodrigues.

E tu?

Fazia reportagens, com liberdade nos temas. Quando a Rita não estava, era eu o pivot.

Como é que chegaste a pivot nos EUA?

Em twitter ou...?

Gasta os caracteres todos, é na boa.

Fui estudar para os EUA aos 17 anos de idade: curso de comunicação social com especialização de broadcasting, inexistente em Portugal. No último ano de curso, começo a fazer um estágio na NBA com o Charlotte Hornets.

Uauuuu.

Como assistente de câmara, o gajo que colocava os tripés e a iluminação. Estava debaixo do cesto e vi Jordan, Barkley, Olajuwon, Malone. Só não apanhei o Magic, porque estava doente. Aprendi bastante. Depois tive outro estágio na NBC em Charlottre e, nessa altura, fiz o meu primeiro trabalho de apresentação, sobre o meio ambiente. Quando acabei o curso, era difícil arranjar um visto de trabalho nos EUA e comecei a enviar currículos para Portugal. Chamou a atenção da Teresa Paixão, na RTP. Foi ela quem me deu a primeira oportunidade para apresentar programas para crianças, na RTP 2.

Por quanto tempo?

Estive dois anos e meio na RTP. E nem sei contar as vezes que fui deixar o meu currículo na secção de desporto. Era a minha área de eleição e também de experiência, porque tinha feito de tudo nos EUA, desde voleibol a basquetebol, passando por golfe, basebol, futebol. Só queria uma oportunidade e nem sequer cheguei a falar com o chefe do desporto uma única vez.

E a CNN?

Foi um tiro no escuro. Como via diariamente em casa um programa chamado «World Sports», tentei a minha sorte.

Como?

Liguei para a Marconi para pedir o número da CNN em Atlanta.

Ahahahahah, welcome to the 90s.

Ya, podes crer. Liguei para a CNN, pedi para falar com a redacção e tive uma conversa interessante com uma pessoa, que me deu um nome e uma morada para enviar os trabalhos.

E?

Comecei a enviar cassetes com os meus trabalhos, resumos desportivos e assim.

Resumos de onde?

Do Caderno Diário, por exemplo. Esses resumos desportivos já estavam feitos, em português, e ainda fazia os mesmos, na versão inglesa. Admito, tornei-me stalker. Ahahahah. Enviava-lhes cassetes sempre que possível. Até que um dia, em Maio 1998, tenho uma mensagem no atendedor de chamadas.

Lindo, atendedor de chamadas.

Ahahahah, mesmo. A luz vermelha a piscar e eu carreguei no botão. De repente, começo a ouvir: this is so and so from CNN, we have a position open and we would like to know if you like to know to Atlanta to a camera test. Ouvi a mensagem mais duas vezes para digerir a informação.

Imagino.

Marquei viagem para os EUA e o casting correu muito bem. Vi logo que era um ambiente fantástico e fiquei à espera da resposta, em Charlotte.

Hein?

Atlanta e Charlotte distam 45 minutos de avião. Fui de manhã e voltei a Charlotte à noite. Fiquei na casa de um amigo e ligaram para lá.

Para casa do teu amigo?

Ya.

Que precisiodade.

De facto, agora que penso nisso. Que tempos. Eles ligaram e ofereceram-me o trabalho. Com um grande problema: não iam patrocinar o meu visto de trabalho. Tive de investir nisso, claro: um empréstimo ao banco para pagar ao advogado do processo e as quotas da emigração.

Valeu a pena, claro.

Claaaaaro. Entrei em Agosto 1998 e fui para o ar no final desse mês, como pivot. O meu trabalho era fazer boletins de desporto de 2/3 minutos por hora.

E o teu horário?

Entrava às oito da noite e saía às 3 da manhã, fazia prime time na Europa e América do Sul

E a reacção da malta daqui?

Excepção feita à família e aos amigos, a Teresa Paixão ligou-me logo. Depois a RTP e outros canais foram lá fazer reportagens. Na primeira vez que voltei a Portugal, ainda em 1998, fui a um programa do Herman José. Foi icónico. Por ser o Herman e porque esse programa provocou a minha primeira grande bebedeira.

Com que idade?

23 anos.

Get out!

Nunca quis lixar a minha carreira universitária nos EUA e lá, com o under-age drinking e tal, é complicado. Saí à noite com um grupo de amigos. Primeiro Kapital, depois Kremlin. Cheguei a casa às sete da manhã, completamente mamado. Isso pode dizer-se numa entrevista?

Aqui é bar aberto. E os teus pivots na CNN?

Os primeiros não foram fantásticos, bastante average. A apoiar-me, o meu chefe. Sempre a dar-me feedback. Faz assim, faz assado.

Qual foi o primeiro feedback, lembras-te?

Mexia muito as sobracelhas e ficava muito hirto.

E entrevistas?

A primeira foi ao Ronaldo fenómeno, em 1999.

Nos EUA?

Em Milão. A CNN conseguiu arranjar uma entrevista e precisava de alguém que falasse português. Foi incrível, incrível. Para já, era o Ronaldo. Depois, o estar lá no meio de Baggio, Zamorano, Djorkaeff, Simeone, Paulo Sousa. E depois vi o Zidane pela primeira vez, porque vi um Inter-Juve.

E?

Autêntica aula de ballet, o gajo dava a impressão de ter uma corda invisível. E o jogo acabou 0-0, portanto não é que o gajo tenha feito um jogo sensacional e memorável. Simplesmente os seus movimentos eram deliciosos e diferentes de todos os demais.

Ronaldo fenómeno foi o primeiro entrevistado. Mais, mais.

Uyyyy, muitos. No ténis, Agassi, Sampras, Courier, Ivanisevic, Kafelnikov, as irmãs Williams com 17 anos, Seles, Hingis, Graf. Na F1, Schumacher e Alonso. No ciclismo, Lance Armstrong. Durante cinco anos e meio em Atlanta, o único cromo que me faltou foi o Tiger Woods.

E depois?

Saí para a SportTV. Voltei a Portugal, porque fiquei pertubado com o pós-11 de Setembro, a nível humano. Não me senti bem-vindo como estrangeiro, senti um grande movimento xenofóbico, especialmente no sudeste americano, uma zona em que os americanos não são particularmente abertos mentalmente. Cheguei a ouvir programas de rádio em que se dizia à boca cheia ‘vamos erguer muros e não deixar entrar mais os estrangeiros’.

Eischhhh.

A própria política do George Bush causou-me muita confusão. Curiosamente, recebi um convite da UEFA em Outubro 2003 para apresentar o sorteio do Euro-2004 e dei por mim a pensar se, se calhar, seria uma boa altura para voltar. A CNN ainda me tentou puxar, com um contrato bom, mas já não me sentia confortável em Atlanta. E, pronto, voltei.

Esse sorteio do Euro-2004 foi com quem?

Fátima Campos Ferreira.

Onde?

Pavilhão Atlântico. Cantou a Dulce Pontes.

É o teu primeiro sorteio?

Ya.

De quantos?

Pffff. Desde 2005 [Pedro faz contas de cabeça]. Mais de 50 sorteios na boa, sempre com convidados engraçados.

Quais são assim os mais comunicativos?

Como bons comunicadores em inglês, no palco, temos Cech, Kaká, Lampard e Cristiano. Só há uma coisa com o Cristiano: devia ter ido às galas mesmo quando não ganhava. Um dia, quando for mais velho e se retirar do futebol, se calhar vai ter essa noção.

Falávamos da SportTV. Que tal?

Dois anos e meio, gostei da experiência. Havia grandes profissionais, acho é que fui mal aproveitado.

Então?

Dei muitas ideias e raramente as aproveitaram. Quando ninguém te ouve o que tens para dizer, perdes a oportunidade de evoluir. Surge aí a oportunidade da CNN em Londres e agarrei-a. De Novembro 2006 a Julho 2013, apresentava programas diários e até criámos um programa de futebol, o CNN FC. O primeiro convidado foi o Owen. Seguiram-se Gullit, Seedorf, Ginola.

Craques.

Só havia um problema: a CNN não tinha os direitos televisivos e tinha de fazer os vivos fora do estádio. Ou seja, não vivia completamente o jogo. Na final do Mundial-2010, só para dar um exemplo, tivemos de sair do estádio aos 70 minutos. Era assim, são as regras. Esse Holanda-Espanha ainda foi a prolongamento, vê bem. Tinha de sair.

Para onde?

BT Sports. Que mundo, que mundo. Tinha um estúdio incrível e uma produção fantástica. Foi brutal.

A UEFA entra quando?

Entrei oficialmente em Janeiro 2014. Antes do sorteio da fase de grupos da Liga dos Campeões, em Agosto 2013, fui ao barbecue de apresentação. Estava lá o Michel Platini. Fui cumprimentá-lo, até porque já o tinha entrevistado algumas vezes pela CNN. Falávamos muito do Euro-84, da facada que ele me tinha dado. A mim e a todos os portugueses.

Ya.

E também falávamos muito do Maradona. Nos cumprimentos, ele disse-me ‘como está a estrela da CNN?’ Disse-lhe que já não estava lá. E ele ‘se calhar, podia vir trabalhar para a UEFA.’ Rimo-nos. Meia-hora depois, o Michel leva-me para um canto da festa, ali na zona da piscina, e pergunta-me se quero mesmo ir para a UEFA. Porque precisava de alguém que trabalhasse na comunicação, que o ajudasse a modernizar o departamento. Gostei da ideia e fui entrevistado pelo Infantino, então o braço-direito, agora o presidente da FIFA.

Boa aventura?

Vou ser honesto: os primeiros meses foram um pesadelo. Mal sabia eu que ia presenciar a maior tempestade do futebol mundial a nível instituicional. Bati mal, mesmo. E tinha um escritório fantástico, com vista para o lago. E tinha finalmente um ordenado fantástico. Isto porque os pivots de desporto nunca chegavam aos salários dos pivots de informação. Resumindo, foi a primeira vez que poupei dinheiro na vida. Infelizmente o Michel era caótico. Apresentavas uma proposta, ele aceitava-a antes do almoço de segunda-feira e mudava quase tudo no dia seguinte.

Crazy world out there.

Havia muitos braços-de-ferro. Dizia ao Michel que temos de fazer coisas novas, de aparecer mais, de falar de mais assuntos, de aproveitar o palco da UEFA. E ele ‘Pedro, falo do que eu quiser.’

E tu?

‘Michel, tens de evoluir e ser mais aberto.’

E ele?

‘Eu comunico há 40 anos.’ Aí respondia-lhe ‘Mas isso não quer dizer que comunique bem: quantidade não é qualidade.’ Ele ficava fulo. Atenção, houve coisas boas do Michel como o aumento de equipas no Euro, a reorganização da Liga dos Campeões, a reformulação da Liga Europa. Saiu o Michel, entrou o Ceferin.

E que tal?

Pela forma como pensa e executa, é o melhor com quem já trabalhei. E a UEFA mudou de ambiente: do politico para o executivo. Foi bom, óptimo, sobretudo a campanha a favor da igualdade e contra o racismo, a “#equalgame” com Pogba, Messi e Ronaldo.

Agora?

Apareceu a oportunidade da Eleven Sports, um projecto disruptivo e inovador em Portugal. Sou só pivot, porque tenho ainda o trabalho na UEFA e agora a agência de comunicação Empower Sports. Fazemos trabalhos de assessoria de imprensa, promovemos e protegemos os nossos clientes. É o que eu gosto de dizer a respeito da comunicação. Criamos a oportunidade para os nossos clientes comunicarem bem, com os jornalistas certos e as plataformas ideais. Fazemos breafings para conferências de imprensa, ajudamos no serviço de clippin, aconselhamos quando é que é preciso, gerimos entrevistas e fazemos conteúdos digitais, mais para jogadores do que para treinador. Com menos de um ano de vida, já temos uma carteira interessante: o primeiro foi o Nani. Depois, Paulo Fonseca, da Roma.

Roma, timaço.

Sabes que, em miúdo, fazia campeonatos de Subbuteo em casa e gravava os relatos, com o mesmo gravador dos jogos de Spectrum.

Spectrum, que saudades.

Match Day e tal.

Maravilhoso.

E depois o Sensible Soccer.

Evidente, a nata da nata.

Orgulho-me de dizer isto: desde a primeira edição do CM até à última do FM; comprei todos e joguei todos. Hoje em dia, e já tenho 44 anos, ainda me dá imenso prazer.

Ahahahahah.

Isto para dizer: o Paulo Fonseca assinou pela Roma e eu fui treinar a Roma no FM para conhecer melhor os jogadores. Acabei a Serie A em segundo lugar, atrás da Juve.

Uyyyyyy, pressão alta sobre o Paulo Fonseca.

Ahahahahahah. Watch out.

Também cresci a jogar tudo isso.

Epá, eu sou doido por esses jogos. Como sabes, a primeira versão era só inglesa.

Claro, treinavas quem?

Liverpool, a minha equia preferida nos anos 80 e 90. Esqueci-me de te dizer há pouco: andei na Saint Julian’s. Então a minha adoração por Inglaterra é enorme. Coleccionava as revistas daquela época, como a «Shoot» e a «Match». Ainda por cima, vi o Liverpool ganhar 4-1 na Luz para a Taça dos Campeões. Aquele equipamento amarelo e adorava o Rush. Por isso, treinava o Liverpool. Depois apareceu a versão italiana e era do Inter pelo Bergkamp. Depois a versão espanhola e era do Betis pelo Denilson. Também fiz grandes épocas com o Fernando Torres no Atlético Madrid. Nunca treinei na Alemanha nem em França. Em Portugal, treinei todos. Só que era mais difícil, sobretudo pela compra dos jogadores.

Falaste dos 4-1 do Liverpool na Luz. Ias muito à bola?

Muito, muito. À Luz e também a Alvalade, com a família. Lembro-me sobretudo das grandes noites europeias, as de apuramento para as finais europeias: Benfica-Steaua 1988 e Benfica-Marselha 1990.

E como jornalista, jogos marcantes?

Nunca me esquecerei do meu primeiro Mundial ao vivo, em 2002. Estava na CNN e tive de gramar o 3-2 dos EUA a Portugal. Na zona das entrevistas, os norte-americanos todos a meterem-se comigo.

Os jogadores, dizes?

Ya. Como sabiam que eu era português, toca de se meterem comigo: Cobi Jones, Jeff Agoos, Landon Donovan, Brian McBride. You name it. Eles saíam do balneário, viam-me e o gozo continuava. Estava completamente embarrassed.

Ahahahahah, tricky.