O Olímpico do Montijo prepara o duelo contra o Sp. Braga na Taça de Portugal. Ao longo da semana, os protagonistas da prova rainha escrevem na primeira pessoa no Maisfutebol. Como são estes dias para atletas semi-profissionais e para plantéis que andam longe do foco mediático? A essência da Taça de Portugal nas palavras dos candidatos a heróis.

LUCAS GABRIEL: 19 anos, extremo do Montijo

. 10 de dezembro de 2020, a quatro dias do Montijo-Sp. Braga no Jamor


«Nasci no Brasil, mas aos três meses vim para Portugal. O meu pai chama-se Agnaldo, foi guarda-redes, e em 2001 veio jogar para a Naval 1º de Maio na II Liga. O futebol esteve sempre presente na minha vida. Depois de ter jogador em vários clubes, aceitei o desafio do Montijo para o meu primeiro ano de sénior. Vivo perto do campo, acordo sempre por volta das 18h15/20 e às 9 horas já estou com os meus colegas, por treinamos sempre da parte da manhã. À tarde tento sempre fazer um trabalho mais voltado para a parte física. Estou focado no futebol, sou profissional. Não tenho mais nada além disto. 

O Montijo tem uma equipa jovem, mas os jogadores mais experientes têm-nos ajudado muito. Temos um projeto ambicioso. Felizmente acabei o 12º ano de escolaridade e estou a apostar no futebol. Falei com os meus pais e eles aceitaram a minha decisão. O meu pai trabalha neste mundo e ajuda-me de uma forma fantástica. Ainda bem que eles optaram por ficar a viver em Portugal. 

Comecei a jogar no Lusitano de Évora, porque o meu pai jogava lá. Eu tinha quatro anos quando fui aos primeiros treinos. Não parava quieto em casa e o meu pai achou que eu tinha qualquer coisa de especial. Fiquei no Lusitano até ser convidado a ir para o Benfica. Para um menino de 11 anos, não podia haver melhor. 

Lucas (à direita) começou nas escolinhas do Lusitano de Évora

Fiquei dois anos no Benfica. Fiz 128 nos distritais de Évora e o Benfica ouviu falar de mim. O Sporting também me convidou, mas gostei do projeto proposto pelo Benfica. Por minha causa, a família mudou-se de Évora para Lisboa, só para me acompanhar. Fui colega de equipa do Gonçalo Ramos e do Tiago Araújo, que ainda há poucas semanas jogaram juntos pela equipa principal em Paredes. 

O futebol no Alentejo não tinha nada a ver. Cheguei a Benfica e fui confrontado com uma competitividade incrível, nunca tinha vivido nada assim. O primeiro ano foi bom, mas no segundo tive muitos problemas de crescimento e descolei o tendão patelar num joelho. Fiquei bastante tempo parado, não consegui praticamente jogar. Falei com as pessoas do Benfica, com o meu pai e todos achámos que era melhor mudar-me para o Belenenses. 

Sou muito novo, mas já passei por vários clubes. Do Belenenses fui para o Alcochetense e do Alcochetense mudei-me para o Vitória de Setúbal. Foi aí que o Sp. Braga se interessou por mim, tinha só 15 anos. 

Quando estava no Alcochetense, fiz provas em Braga e fiquei referenciado lá. O clube nunca deixou de me seguir e a meio da temporada 2016/17 convenceu-me a mudar para o Norte. A história é engraçada. Eu raramente jogava no Vitória, joguei para aí 15 minutos de agosto a dezembro. Para sorte minha, o Sp. Braga enviou um olheiro para analisar outros atletas num jogo em Linda-a-Velha. Eu acabei por entrar e marcar o golo que nos deu a qualificação para a segunda fase. Falaram comigo depois do jogo e uma semana depois recebi um telefonema da direção do Sp. Braga. Aceitei, claro. 

Lucas aos 14 anos, no Alcochetense

O Sp. Braga ainda não tinha a Academia, treinávamos no Estádio 1º Maio. Tenho um carinho especial pelo clube, fiquei lá quase quatro anos e estou nervoso e entusiasmado por poder reencontrar o clube, ainda para mais na Taça de Portugal. 

Em Braga fiquei a viver na residência do clube. Nunca mais me esqueço da praxe que os mais velhos me fizeram. Entraram no meu quarto, saltaram para cima de mim aos berros 'vamos chatear o rapaz novo!'. O David Carmo tornou-se num dos meus melhores amigos, ainda está no Sp. Braga e espero jogar contra ele. Foi um dos que me praxou, vamos ver se me vingo (risos).

No Sp. Braga joguei com o Pedro Neto e com o Francisco Trincão. Treinei várias vezes com o Neto nos juvenis A e com o Trincão na equipa B. O Trincão tinha uma relação majestosa e mágica com a bola. Impressionante, sempre o admirei. O Neto foi o jogador mais explosivo que vi em campo. É raro encontrar um jogador assim. A malta do Montijo sabe que joguei no Benfica e depois com eles em Braga. 

Lucas (à esquerda) durante o Montijo-Fabril

Quero aproveitar o jogo contra o Sp. Braga e mostrar que posso voltar a esse patamar. Estes jogos ajudam-nos a mostrar o que realmente valemos. Depois do sorteio, o mister Rui Narciso disse que não nos tínhamos de focar no Sp. Braga, porque o Sp. Braga era um presente, um prémio-extra. Importante era manter o foco no campeonato. Vai ser um dia muito bom e jogar no Jamor é sempre especial. Será uma honra pisar aquela relva.

Mesmo o Miguel Ângelo, o nosso jogador mais experiente e que jogou na I Liga, confessou que nunca lá jogou e está ansioso. 

Para mim vai ser um jogo de boas memórias. Joguei no Sp. Braga, fui feliz e adoro aquela camisola. Quero provar que ainda podia estar lá. Saí no fim do primeiro ano de juniores, para o Paços de Ferreira. O Paços tem uma boa estrutura, o ano foi excelente e consegui ter continuidade. No último jogo da época ganhámos 2-0 ao FC Porto e eu marquei um golo. Quero recuperar essas sensações. 

Lucas Gabriel despediu-se do Paços com um golo ao FC Porto

NOTA: fotos gentilmente cedidas por Lucas Gabriel