Nunca nada foi fácil na vida de Lucas Pérez.

A mãe Maria Dolores fugiu de casa, o pai Juan Carlos passa longas temporadas nos barcos de pesca e o pequeno teve de crescer com os avós. Os dois já faleceram entretanto e é a eles que dedica os golos que faz.

«Não tenho relação com a minha mãe e falo muito pouco com o meu pai. Quando decidi sair de casa para ir viver com os meus avós assumi todas as consequências e essa era uma delas. Com o resto da família, sim, tenho uma boa relação.»

Começou a jogar na rua, no Bairro de Monelos, por entre as seringas dos vizinhos que só sobreviviam com o alívio das drogas. Fez-se homem sozinho e foi esse carácter forjado nas adversidades que lhe permitiu ultrapassar os obstáculos.

«Quando as coisas correm mal e o ânimo fica em baixo, olho para trás e vejo-me em Monelos. Penso naquela linha ténue que existia entre arruinar a minha vida com uma má decisão ou dedicar-me ao desporto. Lembro-me dos meus avós e de como eles ficariam orgulhosos de mim. Enão percebo o quão sortudo sou, cerro os dentes e digo para mim mesmo: ‘Vamos Lucas, mostra o que vales’.»

Foi este carácter que o levou a correr mundo. Jogou no Arsenal, no West Ham, no Dínamo Kiev, foi herói no Karpaty Lviv, no PAOK Salónica e no Alavés, mas nada disso substiuiu o prazer de jogar com a camisola do clube do seu coração.

Do Deportivo da Corunha.

«Vim pela primeira vez ao Riazor quando tinha quatro anos e voltava sempre que podia. É o clube que apoiei toda a minha vida e que a minha família apoia. Por isso, desde que comecei a minha carreira que tinha o sonho de voltar para a Corunha e poder retirar-me do futebol no Deportivo», confessou.

«Estar com a minha gente, com as pessoas que gostam de mim e de quem eu gosto é muito mais importante do que o dinheiro. O mais importante desta vida, muito mais do que o dinheiro, é a felicidade. Sentir-me bem. É isso que quero.»

Meio milhão tirado do bolso para pagar a transferência

O regresso não foi fácil, porém. O Deportivo vive numa grave crise, caiu na II Divisão B, está fora das divisões profissionais do futebol espanhol e não tinha, por tudo isso, o milhão de euros que o Cádiz pedia para libertar Lucas Pérez.

Foi então que o avançado tomou uma decisão invulgar. Pagou do próprio bolso a transferência para a Corunha. Ou antes, pagou parte: deu 493 mil euros do próprio bolso, o Deportivo avançou com os restantes 507 mil euros e Lucas Pérez pôde então assinar contrato por um ano e meio.

Pelo caminho perdeu um salário anual de 900 mil euros e abandonou a Liga Espanhola para ir jogar na II Divisão B.

«O meu coração e a minha cabeça diziam-me para voltar a casa e estar aqui, junto da minha família, dos meus amigos e no clube pelo qual torço desde criança.»

Lucas Pérez foi, claro, recebido como um herói.

Curiosamente esta história de amor nem sempre foi perfeita. Houve um tempo, aliás, em que a paixão não era correspondida.

O início de tudo num apartamento com oito desconhecidos

O miúdo começou a jogar aos quatro anos na escola municipal Arsenio Iglesias, nome mítico do futebol do Deportivo, da Corunha e da Galiza, ainda vivo aos 92 anos. O jeito para o futebol rapidamente deu nas vistas e aos cinco anos foi levado para o Victoria, um clube da cidade, que representou durante onze épocas.

O Deportivo, como clube grande da Corunha, ia sempre buscar os melhores miúdos dos clubes da cidade, mas apesar de ter recebido vários prémios de melhor marcador, Lucas Pérez nunca foi desejado no emblema que amava.

Desiludido e farto de correr sem tocar na bola, decidiu aos 15 anos experimentar o futsal. Onde estava muito mais em jogo e menos à espera do passe. Fez dois jogos, marcou doze golos e voltou para o futebol. Desta feita para o Montañeros.

Foi o Alavés que aos 17 anos lhe ofereceu um contrato profissional. Mudou então de cidade e de região, foi viver para Vitoria e começou a partilhar um apartamento com mais oito jogadores. Fez a estreia na primeira equipa e jogou na II Divisão B, mas a crise do clube obrigou a um corte na formação e Lucas Pérez teve que voltar à Corunha.

Mais uma vez o Deportivo não quis saber dele e acabou por ir jogar para o Ordenes, outro pequeno clube da cidade. Até que o At. Madrid que reparou nele, a 600 quilómetros de distância, e o levou para a equipa C.

Seguiu-se o Rayo Vallecano, o Karpaty, o Dínamo Kiev e o PAOK.

A bandeira da Galiza e os chinelos do Deportivo para todo o lado

Lucas Pérez já tinha portanto uma carreira consolidada quando o Deportivo finalmente reparou nele. Nessa altura nem pensou duas vezes. Aliás, nunca pensou duas vezes quando o clube do coração o chamou.

Apesar de todo o histórico que havia para trás, o amor era maior do que a mágoa.

A primeira etapa foi por empréstimo do PAOK. Lucas Pérez fez golos, tornou-se capitão e o Deportivo comprou o passe, para um ano depois o vender ao Arsenal por vinte milhões de euros. Em Londres não foi feliz, voltou a casa outra vez por empréstimo, continuou a fazer golos e o West Ham avançou para a compra.

Agora, aos 34 anos, concretizou a terceira etapa no Deportivo.

Ele que em todos os países, em todas as cidades, em todos os clubes por onde passou levou sempre a bandeira da Galiza, que colocava na parede da sala, e uns chinelos com o emblema do Depor, que calçava para andar em casa.

«São objetos que trago para sentir um pouco da minha casa. Levo-os sempre comigo para onde vou», chegou a confessar quando estava no Arsenal.

«Passei por muitos sítios, joguei em vários clubes, mas nunca deixei de ser o Lucas, de Monelos. Quando regressava à Corunha, mesmo que estivesse sem tempo, tinha de ir à minha rua e dar um passeio pelo bairro. É a minha vida. A minha infância. Posso ter conquistado outras coisas, estar noutra realidade, mas tenho muito claro de onde venho, onde quero ir e quem são os meus.»

Para já, em três jogos, marcou quatro golos e provou que afinal sim, santos da casa fazem milagres. O sonho é devolver o Deportivo à Liga Espanhola.

Um sonho difícil, é verdade, mas nunca nada foi fácil na vida de Lucas Pérez.