Os «Lugares Incomuns» do futebol internacional voltam a tocar naquele que é o tema por excelência dos campeonatos menos reconhecidos: o esbanjamento de talento. Aos 20 anos, e muitas vezes sem que haja a prova dada em campo, quase todos os clubes fazem a aposta na esperança de terem visto o que mais ninguém viu, algo que é cada vez mais difícil nesta era da informação, visualização e propagação. Aos 26, e com todos os pedaços do relvado já pisados, não há a coragem ou a astúcia de reconhecer que um talento fugiu à vista do observador quando tinha os desejados 20. A minha figura desta semana é um desses casos: o caso do talento que foi invisível para vários olhos, o caso do talento a quem não deram o próximo passo e o caso do talento que parece desacreditar que ainda é possível colocar-se num avião e viajar até à Europa.

Este artigo é sobre Gustavo Bou, um avançado (para já vou categorizá-lo apenas assim) argentino que não é de todo um nome desconhecido dos adeptos do futebol português, após uns «zuns zuns» de outros jornais dando conta de presumíveis interesses de FC Porto e Sporting CP, o suficiente para captar a atenção dos adeptos, mas insuficiente para levar o talentoso jogador do Racing mais longe do que aquele a que gosto de chamar o Encalhado Futebol Clube.

Se tivesse que fazer um paralelismo entre Bou e alguma cara do nosso futebol identificada facilmente por qualquer um dos nossos leitores, a minha escolha iria para Ángel Di María e Javier Saviola. Uma dupla cara, bem diferente é certo, mas que permite facilmente situar o jogador de 26 anos entre ela. Não sendo um ponta de lança nem na raíz do seu futebol, nem na ocupação do espaço associado ao número “9”, também não é um extremo direito daqueles que consideramos tradicionais abertos sobre o flanco. As suas características são melhor evidenciadas numa estrutura que permita o aparecimento do chamado “9 e meio”, no seu caso ainda com mais mobilidade e a aproveitar os espaços que num 4x3x3 associamos à distância entre o extremo e o ponta de lança. Um “9,5” que, mais do que jogar nas costas do finalizador, também sabe jogar ao seu lado e à sua frente durante os diferentes períodos do jogo.

Além desse futebol híbrido que me faz associar aos dois ex-Benfica e Real Madrid, estão também os seus pontos fortes que são distribuídos a partir de ambos. O jogo entrelinhas ou entre sectores que replica de Saviola, assim como a semelhante performance na finalização, até à capacidade de drible vocacionada para espaços curtos ou ao bom remate de média distância, traços visíveis em Di María.

É através dos seus pontos fortes que tenho preferência por vê-lo jogar numa estrutura com dois avançados de perfil, posição a partir do qual fez a sua melhor época da carreira quando em 2015 apontou 28 golos em 56 partidas, ao lado do goleador Diego Milito em 4x4x2, batendo não só o seu recorde de média de golos por jogo, como também o recorde de número total de partidas, numa época em que foi mais regular do que nunca, sem lesões e sem deixar a mínima dúvida sobre ter de ser aposta contínua no onze. E por falar em dúvidas, a minha é se ainda poderia ser útil num dos plantéis que por cá lutam pelo título. Gostaria de descobrir.