DESTINO: 90's é uma rubrica do Maisfutebol: recupera personagens e memórias dessa década marcante do futebol. Viagens carregadas de nostalgia e saudosismo, sempre com bom humor e imagens inesquecíveis. DESTINO: 90's .


Em 1996, Lula chegou àquele que deveria ser o ponto mais alto da sua carreira. Depois da passagem fugaz pelo Sporting, onde nem sequer jogou, depois de dar nas vistas em Leiria e confirmar as credenciais numa época de ouro do Belenenses, o brasileiro passou a ser dragão.

O processo, esse, não foi simples. A intervenção de Pinto da Costa, presidente portista, fez a diferença e levou Lula a rumar a norte, numa contratação que ficou fechada…às 3 da manhã.

«Eu tinha uma proposta do Cagliari, de Itália. Foi a negociação mais longa da minha carreira. Estivemos a negociar três noites e não havia meio de chegarmos a acordo», conta ao Maisfutebol.

Na última noite, já frustrado com tamanha hesitação, recebe o telefonema que lhe muda o destino: «Tocou o telefone, atendi e era um ilustre do futebol em Portugal (risos): Pinto da Costa.»

«Ele disse-me: não vás para Itália, quero que venhas para o FC Porto. Disse-lhe que estava a negocias há dias, que estava quase fechado e que lá me garantiam um contrato de dois anos. Ele disse-me: aqui eu dou-te três, anda daí», atira, novamente entre risos.

Lula confessa ter ficado encantado com a «sinceridade» do presidente portista. «E como gostava de Portugal e não me importava de ficar, fiquei tentado», descreve.

Era quase meia-noite, mas Lula entrou no carro e viajou para o Porto. Chegou a casa do presidente portista e encontrou a sala cheia. «Estavam lá outros responsáveis do clube e também advogados. Foi uma surpresa para mim», assegura.

«Passava pouco das três da manhã e eu só fiz uma exigência: queria assinar ali, na hora. Já tinham um contrato pronto e assinei. Tinha estado três dias a negociar com os italianos sem ir a lado nenhum. Com o FC Porto foi na hora», atira.

Brilhou em Milão num jogo em que nem estava convocado

Lula havia sido um pedido expresso de Bobby Robson, na altura técnico portista. Contudo, o brasileiro nunca trabalhou com o técnico inglês, que rumaria a Barcelona, entregando a equipa a António Oliveira.

Os tempos no FC Porto não foram de sonho: «Na minha posição havia jogadores que tinham uns dez anos de casa, como o Aloísio e o Jorge Costa. Mas no início até fui jogando, mais na Liga dos Campeões do que no campeonato.»

Esse dado pouco habitual tem explicação simples. Se a nível interno António Oliveira não abdicava da dupla habitual, nas provas europeias mudava o esquema e alinhava com três centrais. Lula era o homem eleito para a vaga que surgia.

Foi assim até outubro, quando sofreu a lesão mais grave da carreira. «Parti a perna e fiquei quatro meses parado. Quando voltei ainda deu para ficar mais um ano, mas se já estava difícil para mim, pior ficou», lamenta.

Antes disso, teve tempo para uma noite gloriosa em Milão. Lula foi titular na equipa que bateu o AC Milan por 3-2, em San Siro, no jogo que apresentou Mário Jardel à Europa do futebol. E até era para nem jogar…



«Não fui convocado. A equipa saiu para Itália e eu fiquei. No outro dia de manhã fui treinar normalmente e, no final, ligou-me o Reinaldo Teles, a dizer para me preparar para ir para Itália. Sabia que se me estavam a ligar era porque ia jogar de início. Fiz as malas e cheguei no dia do jogo. Nem treinei lá com eles», conta.

Dito e feito. António Oliveira aposta no tal esquema de três centrais e o FC Porto vive uma noite de glória na Europa do futebol. Lula sai com atuação muito positiva.

«No final do jogo o Rui Barros veio ter comigo e deu-me um grande abraço. Eu disse-lhe: então, que é isso? E ele lembrou um lance do jogo. Estávamos a perder 1-0 e o Roberto Baggio vinha no um para um comigo. Esperei o momento certo para fazer o carrinho e travei o remate. O Rui Barros disse-me que se eles fazem ali o segundo tínhamos levado quatro ou cinco», afirma.

«Para mim foi bom porque diziam que eu era a moeda de troca do Porto. Diziam que eu era um jogador do Robson. Serviu para me consagrar um pouco mais», analisa.

«Souness queria brincar, mas o FC Porto leva tudo a sério»

O jogo com o Milan foi a 11 de setembro de 1996. Sete dias depois, nova jornada gloriosa com Lula a titular. O FC Porto vai à Luz discutir a Supertaça com o Benfica, numa altura em que a prova se disputava a duas mãos. Goleada histórica de 5-0.



Para Lula, mais do que o triunfo de uma equipa sobre outra, foi a vitória de um conceito sobre outro. O brasileiro não poupa as críticas ao rival: «Nunca gostei de jogadores que jogavam de forma diferente nas equipas pequenas e nas grandes. E o Benfica tinha alguns assim. Foi uma lição para eles, estavam sempre muito acomodados a achar que por jogarem no Benfica tudo ia acontecer, só porque estão mais protegidos e ganham mais. É preciso fazer mais.»

Sem problemas em referir nomes, Lula fala de João Vieira Pinto. «Ele só jogava bem quando a equipa estava bem», acusa, acrescentando: «No FC Porto quase ninguém gostava dele»

«Fomos mandando umas bocas durante o jogo e o resultado serviu para mostrar ao João Pinto que temos de jogar da mesma forma num clube pequeno ou num clube grande. No FC Porto sempre foi assim», assegura.

Outro duelo com o Benfica, este de pior memória para Lula, aconteceu no ano seguinte. Os dragões vão à Luz já tetracampeões nacionais e enfrentam um rival em crescendo na fase final da temporada. Acabam batidos facilmente por 3-0.

Lula foi titular nesse jogo em que António Oliveira deixou no banco Zahovic, Drulovic e Jardel. Foi, aliás, o último jogo de Lula com a camisola portista. O triunfo simples fica marcado também por um despique entre o brasileiro e Graeme Souness, o treinador do Benfica.

«Ele queria brincar, mas o FC Porto leva os jogos todos muito a sério», diz.

Depois narra o episódio: «O jogo não nos estava a correr bem. Estávamos a perder e cada vez que a bola ia ter com ele [Souness] ao banco ele apanhava e fazia uma gracinha com ela. Estava a provocar. Mas eu já estava a marcá-lo. Ele fez aquilo muitas vezes. Houve uma altura que se gerou confusão, eu peguei na bola e chutei para lá como que a dizer: toma lá, faz lá a gracinha. Deu aquela confusão toda (risos).»

«O meu filho mostrou-me há tempos o vídeo que estava no Youtube. Que é isso pai? Eu ri-me e disse que os jogadores do FC Porto têm esta garra e esta vontade», conclui, novamente bem-disposto.

Recorde o lance entre Lula e Graeme Souness: