Chama-se Kenilworth Road e é um daqueles recintos que o futebol inglês adora: encravado no meio de uma zona residencial, em plena comunhão com a comunidade local. É um estádio, no fundo, que pisca o olho ao passado e às memórias felizes de antigamente.

Basta dizer, para início de conversa, que o acesso à bancada dos adeptos visitantes faz-se através de um portão residencial, numa rua de casa geminadas da época vitoriana.

A partir daí sobe-se por uma escada metálica, que rasga o quintal, com vista para os jardins dos vizinhos. O que torna toda esta experiência ainda mais surrealista.

«Acho que o apelo romântico de Kenilworth Road vai ser um trunfo para a Premier League», referiu o diretor-executivo do Luton, Gary Sweet, ao The Athletic.

«Tudo isto é distintivo, vida real, futebol de verdade. É história e tradição a acontecerem aqui, bem à frente dos nossos olhos. Isto não é a natureza morta num estádio. Isto é vida, é emoção, são lágrimas e alegria. Quem não consegue abraçar isto, não ama o futebol.»

«Não se preocupem que Haaland não vai passar por aquela entrada... vai passar por outra, também de merda»

Kenilworth Road, refira-se, deve o nome a uma das ruas com a qual faz fronteira e fica a cerca de quilómetro e meio do centro de Lutton.

Construído em 1905, já tem mais de um século de vida e tem sido quase desde sempre a casa do Luton Town. Inicialmente foi arrendado pelo clube, que tinha acabado de perder o antigo recinto após um despejo urgente do proprietário, que queria vender o terreno para habitação. Em 1933, o Luton avançou por fim para a compra na sequência de uma recolha de fundos.

Já teve capacidade para mais de vinte mil adeptos, mas com a reformulação para instalação de camarotes e a colocação de cadeiras ficou reduzido aos atuais 10.356 lugares sentados.

O estádio do Luton vai ser assim o mais pequeno da história da Liga Inglesa, batendo o recorde de 11.300 assentos do recinto do Bournemouth.

Nos últimos dias, de resto, após a promoção à Liga Inglesa, a história de Kenilworth Road espalhou-se nas redes sociais. A maior parte das vezes em tom de gozo. Há quem questione qual será a reação das estrelas, como Haaland ou De Bruyne, ao entrar naquele recinto.

«Irrita-me e faz-me rir ao mesmo tempo quando vejo conteúdo partilhado nas redes sociais sobre a entrada na bancada, depois de passar por jardins e tudo o mais. Isto já é assim desde a II Guerra Mundial, ou até antes disso, porque é que só falam agora?», pergunta Gary Sweet.

«Não se preocupem que Haaland não vai passar por aquela entrada, ele vai passar por outra entrada de merda que temos. Não há portas espetaculares aqui. Aceitem-no, como nós o aceitamos. E enquanto isso, podem continuar a fazer piadas, não nos incomodam. Toda a gente tem pele grossa aqui. Na verdade, isto só mostra que estão com um pouco de medo.»

Desde que o Luton Town desceu à segunda divisão, de resto, no verão de 1992 e poucos meses antes de ser criada a Liga Inglesa, que Kenilworth Road praticamente não recebe nenhuma atualização. Já lá vão, portanto, mais de trinta anos.

O clube entrou numa grave crise financeira, chegou a ser comprado por sete dólares, caiu na quinta divisão do futebol inglês e não encontrou capacidade para reformular o recinto.

O que provoca situações caricatas. Os corredores, por exemplo, são muito estreitos, a cobertura é segurada por vigas que por vezes tapam a visão aos espectadores e o relvado está tão próximo das bancadas que até é possível aos adeptos tocar nos jogadores.

Aconteceu ainda há poucas semanas, no jogo com o Sunderland, Amad Diallo receber uma pancada nas costas de um apoiante do Lutton quando tentava recuperar uma bola.

Mas há mais.

O estádio tem apenas 29 lugares para imprensa, o que é manifestamente pouco para a Liga Inglesa, e para o enorme interesse internacional que a competição atrai.

Por isso mesmo, no referido jogo com o Sunderland, do play-off de subida, por exemplo, o clube teve de acomodar treze jornalistas na primeira fila da tribuna vip, enquanto outros três foram convidados a ver o jogo pelas televisões que existiam na parte de trás da bancada.

O que, claramente, não pode acontecer no melhor campeonato do mundo.

As conferências de imprensa, por outro lado, tinham lugar no átrio de um bar frequentado por adeptos, no interior de uma das bancadas. A iluminação não é uniforme em todo o recinto e não há posição para a instalação das câmaras do videoárbitro.

Por isso, o Luton já sabe que vai ter de fazer obras. Estima-se um custo de onze milhões de euros para colocar o recinto com as condições mínimas para passar nos testes da Liga Inglesa. O clube diz que sim senhor, faz sentido e está disponível para iniciar essas obras.

«Este é um trabalho que temos de realizar e que vai ter o custo necessário. Não temos reclamações sobre isso. Vamos fazer as alterações e vamos fazê-las corretamente.»

Entre outras coisas vai ser alterado o sistema de iluminação, vão ser mudadas as cadeiras de plástico, vai ser criada uma sala de imprensa para 70 pessoas e a bancada de jornalistas tem de aumentar para 50 lugares.

Vão também ser criados 15 cabines de televisão, 15 cabines de rádio e sete pontos de direto.

Há meio do século à espera do novo estádio... será que é desta?

O mais curioso é que o Luton já tem, desde que garantiu a subida à Liga Inglesa, uma lista de espera de seis mil adeptos para comprar lugar anual. Sendo que o potencial de espectadores é muito superior a isso, como se viu na final do play-off jogada em Wimbledon.

Ora por isso, a direção acredita que agora é que estão reunidas as condições para avançar para uma ambição com meio século: a construção de um novo recinto. Ao longo das últimas décadas foram sendo apresentados vários locais e projetos, incluindo um que tinha até um teto retrátil, mas nenhum saiu do papel. Até que em 2015 o clube encontrou o terreno que queria, bem no centro da cidade, e recebeu autorização para dar início ao projeto.

É certo que a ambição também ainda não saiu do papel, continuando à espera da licença de construção, mas a direção está convencida que a mesma vai sair até final do ano.

O Luton poderá depois, por fim, lançar a primeira pedra do novo estádio, que está projetado para receber 19.200 adeptos e vai ter um custo de 120 milhões de euros.

Nada que o clube não possa pagar, ele que disputou a II Liga Inglesa com a quinta folha salarial mais baixa do campeonato e com receitas televisivas no valor de 22 milhões de euros. Nos próximos três anos, e apenas em direitos televisivos, vai ganhar 220 milhões de euros.

De um ano para o outro aumentou mil por cento, portanto.

No entanto, e enquanto esse novo recinto não estiver pronto, o que as melhores expetativas apontam para 2027, é ali, no velhinho e decrépito Kenilworth Road que o Luton vai receber as maiores estrelas do futebol mundial. Haaland e De Bruyne incluídos.

Se por acaso lá quiser ir, já sabe: entra-se pelo portão entalado entre duas casas vitorianas e sobe-se pelas escadas de metal. Tenha só cuidado para não sujar o quintal dos vizinhos.

Há histórias tão boas que não merecem ser poluídas.

NR: Percorra a galeria associada a este artigo para ver as fotos mais espetaculares de Keniworth Road.