Guerra, palavra crua, expressão suja e tantas vezes presente nas nossas bocas. Santa ou profana, levanta bandeiras e preenche caixões, num canto que destila veneno a todos o que o ouvem. Incompreensível e absurda, na Criméia e em Tróia, no Vietname e na Bósnia, na Coreia e no Sudão. Guerra, avalanche de mísseis carregados com o cheiro da morte, empáfia militar num ardil de emoções, uma desgraça projectada na incontrolável espiral de vítimas.
Uma ofensa vil, uma vergonha para o mundo contemporâneo, é também o conflito que opõe Israel às forças do Hezzbollah. Nas últimas semanas, o sul do Líbano e a região norte do país do Rei David têm sido infestados por combates intermináveis. Nas mais pequenas aldeias perdidas no tempo, até à imponente Haifa, terceira maior cidade israelita, o ódio e a cegueira visceral ditam regras e sentenciam um quotidiano até há pouco aparentemente normal.
Dos tribunais às escolas, dos hospitais ao mais humilde dos estabelecimentos comerciais, todos são atingidos, directa ou indirectamente, pelos insistentes bombardeamentos. Banhada pelo azul cristalino do Mediterrâneo, Haifa não tem sido poupada. Contudo, apesar de fazer parte de um país em ebulição constante, este medo recente é uma novidade para os seus cerca de 300.000 habitantes. Habitualmente, os confrontos israelo-árabes, de proporções e cariz históricos, dão-se mais para sul, entre Telavive, Jerusalém e na mártir Faixa de Gaza, daí que os cidadãos de Haifa convivam usualmente com uma aparente sensação de segurança.
Relatos de guerra na tranquilidade dos Alpes
Desta vez é diferente e os mísseis lançados pelo Hezzbollah desde território libanês têm Haifa como um dos principais alvos. Importava, por isso, tentar perceber como o principal clube de futebol da cidade, o Maccabi Haifa, tem lidado com esta situação aflitiva. Os actuais campeões israelitas são um dos possíveis adversários do Benfica na 3ª pré-eliminatóroria da Liga dos Campeões e estagiam actualmente na tranquilidade verde dos Alpes austríacos. Nesse sossego, o Maisfutebol conseguiu conversar com o chileno Rafael Olarra e o brasileiro Havier Anderson, dois dos estrangeiros do elenco do Maccabi.
Os impressionantes e assustados relatos que se seguem, foram obtidos num período de imensas dúvidas, já que os dois atletas em questão ainda reflectem sobre a atitude a tomar no final do estágio. Dia 1 de Agosto, data da viagem de regresso para Haifa, Olarra e Anderson decidem se entram no avião com destino a Israel ou se partem em busca da segurança. «Quero acreditar que a guerra vai acabar depressa, mas quem pode dizer se isso vai acontecer? Ninguém. O campeonato vai ficar suspenso e provavelmente não teremos condições para competir internamente», lamentou o chileno.
Ao contrário de Olarra, Anderson parece ainda não saber onde foi cair e lamenta a opção tomada na sua carreira. «Antes de aceitar o convite, tive 20 dias sempre a pensar. Os meus colegas Dirceu e Boccoli, que também jogam no Maccabi, disseram que tudo era tranquilo e decidi arriscar. Cheguei e adorei a cidade, antes de partirmos para um estágio na Holanda. Quando regressámos, tive um dia calmo e depois rebentou tudo.»
O primeiro treino de Anderson em território israelita nunca sairá do seu pensamento. E não é para menos, pois os sons dos pontapés nas bolas foram subitamente abafados pelo ecoar do rebentamento de engenhos bélicos. «Estávamos no campo de treinos e já falávamos entre nós sobre o que sucedia. Mas Haifa nunca tinha sido atacada. De repente, ouvimos explosões a algumas centenas de metros e atirámo-nos para o chão. Era a queda de um míssil bem perto do nosso estádio», conta, visivelmente traumatizado com o sucedido.
«Felizmente, os responsáveis do clube foram fantásticos e enviaram-nos para Telavive, que fica mais para sul. Hospedaram-nos num hotel de cinco estrelas e avisaram que só sairíamos de lá para o estágio que estamos a fazer agora na Áustria.»