Carlos Queiroz considera que o Sporting peca por «perder mais tempo e energia preocupado com o que os vizinhos da segunda circular vão fazer amanhã do que com aquilo que tem de fazer hoje», aludindo ao rival Benfica.

«Penso que uma das maiores fragilidades do Sporting não são as pessoas, a estrutura e a estratégia que escolhe, mas o tempo e energias que perde, preocupando-se com os outros e dando tiros nos pés», disse o atual selecionador de futebol do Irão, e antigo treinador dos leões, em entrevista à agência Lusa.

Carlos Queiroz, que foi treinador do Sporting entre 1994 e 1996, recorda que a equipa teve 22 ou 23 treinadores em 17 anos, e assinala uma contradição que decorre da circunstância de ser o clube que tem levantado a bandeira contra o sistema.

«Não é muito lógico que o clube seja o paladino da defesa de um sistema eticamente e moralmente correto e despeça os seus treinadores. Qualquer clube, em Portugal ou no estrangeiro, que siga este trajeto de insegurança nas suas decisões e convicções não pode ter sucesso», defende Carlos Queiroz, que dá o exemplo do Manchester United, onde foi adjunto de Alex Ferguson, que perdeu «estabilidade, continuidade e confiança nas suas decisões».

Sobre o FC Porto, considera ter conseguido durante vários anos uma «solução milagrosa» e explica que usa este termo para «enaltecer e exaltar a qualidade dos dirigentes e das pessoas que suportaram a sua política desportiva».

Para Carlos Queiroz não é possível sustentar uma equipa durante muitos anos, «quanto mais sustentá-la com base numa política em que todos os anos se vendem jogadores».

«Algum dia, algum ano, nesses ciclos de renovação, os [jogadores] que vêm não se adaptam tão depressa e não executam tão bem. É normal, não é uma tragédia. O importante num clube é ter a convicção do que é a sua política e a sua estratégia, as quais, tendo ganhado uma, duas ou quatro vezes, não é pela sexta ou sétima vez falharem que tudo passa a estar mal. Pelo contrário, é precisar mexer numas arestas e continuar convictamente», refere Queiroz, para quem o futebol português compete «num contexto adverso, numa Europa rica, onde do dinheiro fala mais alto».

Quanto ao Benfica, tricampeão e atual líder da I Liga, lembrou que o clube da Luz atravessou um ciclo em que estava claramente atrás do Sporting, quando ele próprio treinava os leões: «Teve o seu ciclo, passou uma fase negativa, mas encontrou o carril, defende as suas ideias com bravura e não está a olhar para o lado nem para os outros. E os resultados, nos últimos anos, estão à vista, com a recuperação da hegemonia. Ninguém consegue estar sempre lá [em cima], mas também não é natural estar sempre em baixo».

«Quando um clube tem uma ideia própria e bravura para a defender fica difícil competir contra ele, a não ser que haja grandes alterações a nível da capacidade financeira. É o caso, neste momento, do Benfica», disse Carlos Queiroz quando questionado se prevê um ciclo hegemónico longo dos encarnados no futebol nacional.

O atual selecionador do Irão acrescenta uma nuance: «Alguns benfiquistas, se calhar, não vão gostar do que vou dizer, mas o Benfica beneficia muito no país de uma situação conjuntural, por ser mais cómodo e mais politicamente certo ser do Benfica do que de outro clube. Mas, se beneficia dessa conjuntura cultural e social e por representar para o país o que é, isso nada tem a ver com a firmeza e determinação daqueles que competem».

Marcelo Rebelo de Sousa, um dos maiores «perturbadores» da seleção e os selecionadores vítimas

Carlos Queiroz falou ainda do realismo que conduziu a seleção portuguesa de futebol ao título no Euro2016 e repudiou as críticas aos sucessivos selecionadores, afirmando que, nos tempos de comentador, o Presidente da República foi um dos maiores «perturbadores» da equipa nacional.

«Que seleção, na fase de grupos, estava a jogar bem? A França, a Espanha, a Alemanha?», questionou o treinador português, atual selecionador do Irão. «Tínhamos de pôr como lógico que a nossa seleção teria tantas possibilidades de ganhar como as outras que não estavam a jogar bem, mas o apelo à desgraça, ao desastre, que normalmente fazemos leva-nos a esta situação de temermos sempre o abismo para depois, quando nos salvamos, criarmos heróis sebastiânicos», sublinhou.

Queiroz considera que as exibições da seleção lusa «foram realistas dentro daquilo que é um Europeu, em que um pequeno detalhe pode fazer a diferença», e lembra, recuando a outras fases finais de grandes competições, que «raramente se vê uma seleção ser hegemónica com futebol espetacular».

«Noutras vezes, se calhar, jogámos melhor e não ganhámos, e já merecíamos. Foi esta vez o nosso tempo e acho que devemos todos conjugar do mesmo espírito. Ganhámos, fomos os melhores e o que conta num título europeu ou mundial é quem levanta a taça no final. E quem levanta a taça tem de ser reconhecido sempre como a melhor equipa do campeonato», disse Carlos Queiroz, para quem a França “não subestimou a seleção portuguesa” na final de Paris.

Falando sobre Fernando Santos, que considera seu amigo e que foi seu jogador no Estoril-Praia, quando foi adjunto de Mário Wilson em 1983/84, Carlos Queiroz manifestou-se «feliz por ele por ter tido uma vitória em dois campos, uma que é reconhecida e exaltada por todos, a de ter trazido o título europeu para Portugal, que já merecia, mas também uma vitória fantástica e estrondosa para o futebol português e os treinadores portugueses».

O técnico que levou Portugal aos títulos de campeão do mundo de sub-20 em 1989 e 1991 alude a vários nomes que, por diferentes razões, saíram da seleção em conflito, como José Maria Pedroto, Mário Wilson, Fernando Cabrita, Toni, António Morais, José Augusto e José Torres, considerando o que fizeram ao ‘bom gigante’ «uma vergonha e uma das páginas mais negras do futebol português».

Ao rol de vítimas acrescenta os nomes de Artur Jorge, António Oliveira e Humberto Coelho e o seu, das duas vezes que por lá passou, o que o leva a afirmar que Fernando Santos foi o primeiro a derrotar esta tendência e que veio mostrar que «alguma coisa errada e indigno presidiu a estas situações que levaram a que todos os treinadores portugueses, ao saírem da seleção, arruinassem as suas carreiras e se prejudicassem nas suas vidas, [situação] cujo expoente máximo foi o falecido José Torres».

Por isso, deixa uma mensagem ao atual selecionador: «Tenho visto as homenagens justas, merecidas e legítimas a Fernando Santos, mas quero lembrar-lhe que nalgumas delas estavam as mesmas pessoas e instituições que se preparavam para lhe fazer o que fizeram a todos os outros treinadores portugueses. Aliás, basta ver o clima que a seleção viveu no Europeu a seguir à fase de grupos e o filme estava lá. O Fernando que não se iluda».

«Hoje temos o Presidente da República, Dr. Marcelo [Rebelo de Sousa] - sobre quem fiquei a saber na homenagem a Fernando Santos que foi um dos seus maiores apoiantes nos bastidores -, que não deixou de ser um dos maiores perturbadores da seleção, como comentador, em outros Europeus e Mundiais», disse o antigo selecionador.