A dois dias do regresso à competição com o FC Copenhaga, Zeca abre a porta ao Maisfutebol e fala da vida na Dinamarca, após uma longa ligação aos gregos do Panathinaikos. O médio de 31 anos foi capitão do gigante de Atenas e enverga também a braçadeira no emblema nórdico.

Nado e criado na Amadora, o internacional grego fala da experiência no Norte da Europa, dos costumes incomuns encontrados em Copenhaga e na ajuda de dois amigos para ultrapassar o período difícil que todos atravessamos. 

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Onde esteve o Zeca nestes meses de pandemia?
Sempre em Copenhaga. Estávamos na Turquia, a preparar a Liga Europa, quando soubemos que o futebol estava em risco de parar. Voltámos à Dinamarca, tivemos quatro dias de folga e depois fomos informados das novas regras para os treinos. Passámos a treinar em grupos de cinco atletas e sempre com uma distância mínima de dois metros. O FC Copenhaga organizou tudo para que pudéssemos trabalhar três vezes por semana nestas condições e em casa nos restantes dias. Acabei por nunca poder viajar para Portugal. Os aeroportos também fecharam e os dirigentes não quiseram arriscar nada. Havia a possibilidade de ficar retido ou de ser obrigado a fazer uma quarentena de 14 dias.

Quando volta o FC Copenhaga aos jogos oficiais?
Já na segunda-feira, 1 de junho. Vamos jogar ao estádio do Lyngby. A liga já recomeçou e estou cheio de vontade, tenho muitas saudades.

Qual é o protocolo definido pela liga e governo dinamarqueses? 
Cada futebolista tem feito dois testes de despiste à Covid-19 por semana. Os jogos não terão público na bancada e temos vindo sempre equipados de casa para os jogos-treino, de forma a não utilizar os balneários. Há só uma conversa de 15 minutos com o treinador antes do jogo e avançamos para o aquecimento. No final do jogo saímos do relvado, trocámos de calçado e entrámos nos nossos carros para tomar duche em casa. Creio que vai continuar a ser assim, mesmo nos jogos oficiais. Tem de ser.

No FC Copenhaga sentem que é a altura certa para voltar a jogar?
A situação melhorou muito nas últimas duas semanas e já há vários dias que não há um novo caso positivo na Dinamarca. Há ainda pessoas hospitalizadas, mas uma percentagem mesmo muito baixa dos infetados. O país já tem restaurantes abertos, andamos na rua normalmente – sempre o pudemos fazer, aliás – e as coisas estão controladas. Podemos recomeçar a jogar de forma segura. Nenhum futebolista acusou positivo e sentimo-nos seguros. Sendo assim, sim, achamos que é a altura certa para voltar à competição.

Como é a atmosfera na cidade de Copenhaga?
Muito tranquila. O governo nunca aplicou o confinamento obrigatório, nunca estivemos limitados às nossas casas. Havia distanciamento social, as pessoas usavam máscara e pouco mais. As pessoas são civilizadas, desinfetam sempre as mãos. Nos cafés as mesas estão intercaladas. Uma com pessoas, outra vazia, sempre assim. Houve algum receio, claro, mas passou.

Teve a companhia da família neste período?
Não, a minha família está toda em Portugal. Tive a sorte de ter a companhia de um colega de equipa que também está aqui sozinho. Os pais dele são gregos e ele fala grego, o que é bom. Também domino a língua grega. Além dele, tivemos connosco um amigo que não é do futebol, mas que ficou sem trabalhar nesta fase. Passámos muito tempo juntos. Passar por isto sozinho seria muito complicado. Foi importante ter a companhia deles.

Viveu seis anos em Atenas. Imagino que Copenhaga seja muito diferente.
É, é completamente diferente (risos). O clima muda tudo. Há frio todo o ano e no inverno anoitece muito cedo. Pelo contrário, no verão há sol até às 22h30. Na Grécia há praia, cafés cheios de gente e os dinamarqueses vivem mais para o trabalho-casa, casa-trabalho. Divertem-se na sexta e no sábado à noite e ao domingo parece que estou numa cidade-fantasma.

A liga dinamarquesa está um patamar acima da grega?
Há mais qualidade cá, sim. Na Dinamarca há duas/três equipas a lutar pelo campeonato, na Grécia há historicamente quatro candidatos, mas há uma grande diferença entre essas equipas e as outras. Na Dinamarca o nível é mais equilibrado. É um campeonato onde a força física é importante, mas onde cada vez mais vemos equipas a quererem jogar futebol e sair a jogar pelo guarda-redes. É bonito ver isso, há uma ideia boa sobre o futebol.

Foi para a Dinamarca por influência do Michael Skibbe? É dinamarquês e foi o seu selecionador na Grécia.
Por acaso não, foi mera coincidência. É engraçado, até me esqueço de alguns pormenores, mas é verdade que falei com ele depois de surgir a possibilidade de assinar pelo FC Copenhaga. Eu não conhecia esta realidade, nunca tinha ouvido falar do campeonato e liguei ao mister Skibbe: ‘Mister, estou a ligar-lhe para lhe fazer uma pergunta. Se eu for para a Dinamarca, acha que posso perder o meu espaço na seleção da Grécia?’. Ele disse-me que não, logo que continuasse a jogar bem e a fazer as coisas como sempre fiz. Isso ajudou-me a tomar a decisão de aceitar. Se ele me dissesse o contrário, provavelmente não estava cá.

Que clube encontrou ao chegar ao FC Copenhaga?
De todos os clubes onde joguei, é o melhor ao nível de infraestruturas. O estádio, o centro de treinos… Nunca se atrasaram um dia nos pagamentos, é muito estável financeiramente. O estádio é superior ao do Panathinaikos e economicamente é forte. Este é o meu terceiro ano e nunca pagaram o salário depois do dia 29. Não falharam uma vez e isso é quase impossível. Os meus amigos futebolistas queixam-se todos de pequenos atrasos e eu nunca tive esse problema aqui. Só tenho de me preocupar em jogar futebol.

A mentalidade dinamarquesa é o oposto da grega. Como se comportam os adeptos nórdicos?
Eles têm uma característica engraçada. Crescem com a mentalidade de não ter ídolos, como se não lhes fosse permitido isso. As pessoas olham para mim na rua, podem ter vontade de falar comigo, mas deixam-me à vontade. Podem pedir um autógrafo, uma fotografia, mas respeitam a nossa privacidade totalmente. Mesmo no estádio esperam por nós e até fazem fila para o autógrafo. Até nisso são organizados. Em Portugal e na Grécia é tudo ao monte (risos). Nesta fase da minha carreira precisava desta estabilidade, de andar na rua sem problemas, sem receio de ser apanhado a fazer o que quer que seja. Sei que somos referências para os miúdos e às vezes não podemos ser nós próprios: ‘Tenho de ter cuidado com isto, com aquilo’. Na Dinamarca não é assim, sinto-me normal e isso é bom. Mas sinto falta daquela pressão que havia na Grécia, quando os adeptos vinham todos malucos e diziam ‘tens de ganhar porque isto pode correr mal’ (risos). É estranho, um paradoxo.

Não é normal um jogador com tão poucos anos de casa já ser capitão.
Fui capitão logo ao segundo jogo, nem sabia os nomes dos meus colegas ainda. O capitão lesionou-se durante a semana e o sub-capitão estava castigado. O mister chamou-me ao balneário e perguntou-me o que eu achava de ser capitão. Eu disse que havia colegas mais antigo e que não sabia como o resto da malta ia reagir. ‘Não te preocupes com isso, trato de tudo, só preciso de saber se te sentes bem’. E eu disse-lhe que já era capitão do Panathinaikos há quatro anos. Foi assim, fui capitão. Ele diz sempre qual é a equipa inicial na véspera e anunciou essa opção no balneário. Os gajos ficaram todos a olhar para mim (risos), mas foram porreiros. 'Estamos contigo, respeitamos-te e vamos ajudar'. Foi fácil. No ano seguinte fui escolhido oficialmente para capitão de equipa.

Sempre sentiu ter perfil para liderar o grupo e ser o elo de ligação com a equipa técnica?
Não, sinceramente não. Fui capitão no Panathinaikos quase por acaso. Todos os jogadores do plantel saíram e só fiquei eu e o guarda-redes Karnezis. Poucos dias depois, ainda na pré-época, ele saiu para a Udinese e os meus novos colegas começaram a dizer ‘és o mais antigo e tal…’. Tinha dois anos de casa e já era o mais antigo (risos). Começou a cair-me a ficha. O clube não era fácil, muito grande, uma pressão enorme. A situação obrigou-me a ser capitão. Fui muito ajudado pelas pessoas do clube e fui aprendendo. Perceber o que precisa o treinador, o que precisam os meus colegas e o balneário todo... Nunca nenhum treinador me tirou a braçadeira, é porque vêem alguma coisa em mim e acham que tenho uma boa liderança.

É preciso ser um homem estável para exercer esse papel?
Tenho problemas como todos os outros, até na vida pessoal. Tive e tenho problemas, mas procuro separar as coisas. Tento ser uma pessoa calma e estável no meu lado pessoal, ter tudo no sítio certo e passar isso para o futebol. Houve uma altura em que a minha vida pessoal interferiu no trabalho, mas tentei gerir e consegui mudar as coisas. Posso dizer que sou uma pessoa estável e cada vez mais preparada para qualquer situação na vida profissional e pessoal.

Fez sempre mais de 30 jogos por época. Teve bons hábitos na sua vida e está a ser recompensado por isso?
Nunca fui um jogador de sair à noite, boémio. Tinha uma namorada quando fui para a Grécia, estivemos cinco anos juntos, fui pai e vivia mais nesse ambiente familiar. Tinha essas obrigações. Saio à noite, mas só o faço quando posso. Não saio durante a semana, não faço essas maluqueiras. Nunca me preocupei muito com a alimentação. Se me apetecer, como um hamburger ou uma pizza, também porque sempre fui muito franzino. Não engordo. Mas gosto de estar em casa, jogar umas cartas, beber um copo de vinho. Prefiro esses programas a sair à noite. Acredito que também é por isso que me sinto muito bem fisicamente, por ter uma vida tranquila.

Na Dinamarca encontrou algum costume ou tradição que estranhou?
Eh pá, não como a comida deles. Fui uma vez a um restaurante dinamarquês, deram-me um pão que tinha umas coisas esquisitas por cima e um camarão. Eles chamam a isso… nem sei o nome, mas é diferente de tudo o que conhecia. Não gostei. Vou mais a restaurantes internacionais e cozinho mais em casa. Até agora não cozinhava, mas já vou fazendo algumas coisas. Não tinha nada para fazer e comecei a treinar e a fazer comidas portuguesas.

O ano passado o seu Copenhaga foi campeão, mas nesta época está difícil.
Vai ser complicado, mas não atiramos a toalha ao chão. São 12 pontos de diferença, faltam 12 jogos e dois jogos contra o Midtjylland nos play-offs. Se lhes conseguirmos tirar esses seis pontos, eles podem começar a tremer. Nós temos de ganhar quase todos os jogos, o que não é fácil, pois o play-off tem as equipas mais fortes. O ano passado tínhamos quatro pontos de avanço e ganhámos oito dos dez jogos na fase final. Vamos tentar fazer o mesmo, mas está difícil. Eles têm boa equipa, foram campeões há dois anos e agora têm uma vantagem sólida.

A liga dinamarquesa continua a ter poucos jogadores portugueses.
Acho que só há mais um. Curiosamente, fizemos um jogo-treino contra a equipa dele [SonderjyskE] há umas semanas. Não me recordo bem do nome dele. É o João [Pereira, central formado no Benfica]. Estive a falar com ele, está em final de contrato. Aqui as portas não estão abertas para o jogador português e isso faz-me confusão. Fui considerado o melhor jogador da liga dinamarquesa, temos uma das melhores formações do mundo, os melhores treinadores e apostar nos portugueses já não é um tiro no escuro, é uma aposta quase certa.

Os dirigentes dinamarqueses são mais conservadores ao olhar para o mercado?
São mais conservadores e não são de gastar rios de dinheiro. Vivem muito dos jogadores da casa, dos jovens da formação. As únicas equipas que compram mais estrangeiros são o Copenhaga, o Brondby e o Midtjylland, que tem uma academia num país africano.