Estórias Made In é uma rubrica do Maisfutebol que aborda o percurso de jogadores e treinadores portugueses no estrangeiro. Há um português a jogar em cada canto do mundo. Este é o espaço em que relatamos as suas vivências. Sugestões e/ou opiniões para djmarques@mediacapital.pt e rgouveia@mediacapital.pt

Algures por Argel, capital da Argélia, para onde se mudou no início da temporada, Francisco Chaló atende-nos a chamada via whatsapp deixando um aviso para eventuais falhas da ligação.

«O sinal de internet aqui é muito fraco», referiu. 

Numa cidade com mais de três milhões de habitantes, o técnico português confessa que são poucas as vezes que sai de casa, a não ser em trabalho. Porquê? Essencialmente por falta de tempo e por causa das disparidades socioculturais que acabam por se tornar num obstáculo à integração no meio.

Há quase um ano no país, naquela que é a primeira experiência além-fronteiras, Chaló, de 55 anos, afirma que já tem alguns conhecimentos daquilo que é a realidade argelina, após um grande ceticismo inicial: o treinador admite até que apenas sabia que a Argélia era norte de África.

«Não conhecia [o país], de forma alguma! Tive que fazer um estudo prévio, como é normal quando se vai iniciar qualquer projeto. O meu apanágio é fazer um estudo do que são os controlos desportivos, mas também sociais, e foi aí que tive o primeiro grande contacto com a Argélia. De outra maneira, a única coisa que sabia é que é Norte de África», confessou o técnico ao Maisfutebol.

Um estudo que, por maior que tenha sido, não correspondeu à realidade exatamente como ela é. Num país muito distinto de Portugal, as dificuldades iniciais foram muitas e um tanto ou quanto complicadas. Até pela gastronomia argelina.

«Completamente fora de questão. Mas eu já disse isto na televisão argelina. Perguntaram-me se gostava da comida e eu disse nem me falem disso», começou por contar o técnico.

«Mas há uma coisa para a qual isto tem contribuído, é que nós, equipa técnica, temos feito um workshop autodidata de cozinha e, portanto, temos cozinhado bastante, o que tem aprimorado, e de que maneira, as nossas capacidades culinárias».

E por falar em comida, «bacalhau», a par de Cristiano Ronaldo, é o que o luso mais ouve na Argélia quando os locais reconhecem o facto de ser português. Está surpreendido? Nós também não.

«A imprensa dizia que o Paradou tinha 20 adeptos num jogo: os 20 adeptos eram os diretores e pessoas da administração»

Francisco Chaló, de resto, fez toda a carreira de treinador em Portugal, em clubes como o Alfanense, o Pedras Rubras, o Feirense, a Naval (na única passagem pela Liga), o Penafiel, o Sp. Covilhã, o Académico de Viseu e o Leixões.

24 anos e oito clubes depois, chegou a hora de abraçar uma nova experiência: na Argélia, ao comando do Paradou AC.

Trata-se de um clube recente, fundado em 1994, que não tem estádio próprio ou adeptos. Rege-se segundo uma política de formação muito vincada, na medida em que não contrata jogadores, utilizando apenas os da cantera. É, por isso, a equipa com a média mais jovem de idades do campeonato argelino.

Na época passada, regressou, após bastante tempo, à primeira divisão argelina e terminou a temporada no oitavo lugar.

«É um clube que tem nas suas fileiras praticamente 95 por cento dos jogadores formados na sua cantera. Isso é limitativo, tanto do ponto de vista daquilo que é a base de recrutamento, como também daquilo que é formar um plantel», admitiu o treinador em conversa com o Maisfutebol, destacando o facto de que a maioria dos jogadores contam com 21 anos de idade, o que se torna mais desafiante pela falta de experiência e de maturidade dos próprios.

Jogar numa casa emprestada também pode ser uma adversidade, mas, tendo em conta que o clube não tem adeptos, esta é uma dificuldade que facilmente se ultrapassa.

«Nós jogamos em nossa casa, chegamos uma hora e meia antes ao estádio e as bancadas, por norma, já estão cheias com o público adversário. Ou seja, estamos a entrar em nossa própria casa e estamos a ser assobiados e com todos aqueles cânticos que acontecem sempre num jogo de futebol», explicou o treinador, optando, ainda, por destacar um caso caricato, em que a imprensa local arranjou adeptos para o Paradou que, afinal, se tratavam de… membros administração.

«A própria imprensa, num jogo que nós fizemos, dizia que o Paradou tinha 20 adeptos. Os 20 adeptos, como deve imaginar, são os diretores e as pessoas da administração, portanto, são estas as dificuldades que nós vamos encarando com realismo».

Mas nem mesmo a falta de adeptos próprios fez com que o clube deixasse de ser acarinhado pelos fãs do futebol. Nem mesmo pelos... adversários.

«Contra o primeiro classificado, o USM Alger, em casa do próprio, nós ganhamos. Estivemos a perder 1-0 ao intervalo, virámos o resultado para 2-1 e saímos com palmas do próprio adversário, o que é extraordinário»

Chaló, o corajoso… e disciplinador

Com Francisco Chaló ao comando, o Paradou encontra-se, neste momento, no terceiro lugar do campeonato argelino, a um ponto do segundo classificado e a seis do primeiro, mas com menos um jogo que ambos. É também caracterizado pela imprensa local como o clube que pratica o futebol mais atual do país. Com seis jornadas por disputar, a conquista do campeonato pode ainda ser uma realidade.

«Nós temos menos oito pontos a nível da arbitragem do que era habitual, coisa que me fez ter um desabafo público que foi muito veiculado aqui na imprensa argelina. Tive mesmo que dar um murro na mesa para, no fundo, fazer-lhes sentir que o Paradou estava aqui não só para ser uma academia ou um clube simpático», manifestou o luso.

«A partir daí toda a gente reconheceu que eu tinha coragem, não sei porquê. Os adeptos adversários cumprimentavam-me na rua, a dizer que eu era um treinador muito corajoso e isso para mim foi marcante»

Mas não só de coragem é feito o português. Também a disciplina faz parte da filosofia que Chaló implementou no clube argelino. Filosofia essa que pode ser confundida como senso comum, para uns, e como obrigações, para outros.

«Eu estava aqui há pouco tempo e os jornais diziam que eu era disciplinador. As grandes publicações diziam que Chaló era disciplinador porque obrigava os treinos a começarem a horas e obrigava os atletas a comerem em todos os jogos, só para ter uma ideia do que são algumas das dificuldades que nós temos»

«Problemas de comunicação? Se não fizerem bem o exercício digo que vamos correr, é a linguagem mais fácil que um jogador entende»

Voltando um pouco ao início, as adversidades que Chaló encontrou na Argélia tiveram de ser rapidamente ultrapassadas. E foram, caso contrário todo o sucesso que está a conquistar não seria possível.

«70 ou 80 por cento do plantel fala francês, mas há jogadores que nem isso, só falam árabe. Para me fazer entender, eu utilizo algumas armas pedagógicas que vêm comprovar que eles, quando querem, percebem tudo o que nós queremos. Uma arma pedagógica é assim: se não fizerem bem o exercício, vamos correr. Acredite que é a linguagem mais fácil de um jogador entender, acho que nem que fosse na China eles entendiam isso», confessou.

Já quase na reta final da temporada, Chaló não revela os planos para o futuro, até porque, segundo o próprio, não tem nada definido, mas não descarta continuar no país ao serviço do Paradou.