João Cancelo abriu totalmente o coração numa entrevista concedida à revista oficial da Liga dos Campeões, o «Jornal dos Campeões, onde fala da infância difícil e do acidente trágico que lhe levou a mãe em janeiro de 2013. Uma entrevista em que o internacional português fala abertamente, passo a passo, dos obstáculo e estímulos que lhe foram surgindo na vida e que, de certa forma, moldaram-no como o jogador que é na atualidade, no Manchester City e na Seleção Nacional.

«Eu venho de uma família humilde. Em Portugal muitas vezes não há trabalho, o meu pai teve de ir para a Suíça ganhar dinheiro para apoiar a nossa família. Vivi com os meus avós maternos e raramente via a minha mãe durante o dia. Numa altura ela chegou a ter três empregos diferentes e só a víamos à hora do jantar», começa por recordar.

A mãe de João Cancelo, Filomena, faleceu em janeiro de 2013 num acidente de automóvel, deixando dois filhos e o marido, mas deixou ficar os valores que guiam o lateral até aos dias de hoje. «Os valores que me incutiram, a mim e ao meu irmão, tanto o meu pai como a minha mãe, foram humildade, amor, dedicação e empenho – valores que levo desde a infância. A minha mãe foi a pessoa que mais admirei no Mundo. Peço desculpa ao meu pai – sei que ele não leva a peito – mas a minha mãe é mais parecida comigo», conta.

«Quando perdi a minha mãe, senti que estava no fundo de um poço»

Cancelo não esquece a dedicação e o amor da mãe e só lamenta não poder retribuir. «Só eu sei o que ela fez por mim, as dificuldades que passámos juntos, as conversas que teve comigo quando não havia dinheiro em casa. Eu dizia-lhe que ia fazer tudo para lhe dar um futuro melhor, para que ela não tivesse que trabalhar mais. Ainda hoje, mesmo sabendo que ela está onde está, faço tudo para que ela tenha orgulho em mim. A minha mãe foi sempre uma lutadora. Além dos empregos que teve, encontrou sempre tempo para me levar aos treinos. Estes são pequenos valores que não perdes: quaisquer que fossem as dificuldades, temos sempre forças para as ultrapassar», revela.

O lateral regressa ao início de 2013 para recordar o momento difícil que viveu. «Quando perdi a minha mãe, senti que estava no fundo de um poço. Senti-me como um robot que tinha de fazer a sua função, depois ir para casa, depois um novo dia. Quando perdi a minha mãe, não gostava do meu futebol. Jogava porque tinha de jogar. Pensei mesmo em desistir porque já não fazia sentido nenhum», descreveu.

João Cancelo deixou de ir aos treinos no Benfica e pensou mesmo em deixar de jogar futebol. «O staff do Benfica estava constantemente a ligar-me, pediam-me para regressar porque acreditavam no meu potencial. O meu pai deixou as coisas assentar, depois falou comigo. Disse-me que tanto ele como o meu irmão precisavam de mim, precisavam de mim para terem a força para continuar, porque o meu pai teve de ficar, já não podia voltar para a Suíça», conta.

Foi pela família que João voltou a jogar. «Já tinha assinado um contrato profissional com o Benfica e, já nessa altura, boa parte do dinheiro que ganhava era para apoiar a família, por isso decidi voltar a jogar. Ao início não foi nada fácil. Não tinha força, não tinha desejo, mas essa conversa com o meu pai e o amor que tenho por este desporto fizeram-me ultrapassar tudo».

Cancelo acabou por encontrar um equilíbrio, mas sente sempre um vazio. «Gostava mesmo de poder voltar a falar com a minha mãe porque há sempre alguma coisa que ficou por dizer. Mesmo quando alcanço coisas importantes, tenho sempre esta sensação. Há sempre um vazio no meu coração porque ela não está fisicamente aqui. Em Portugal procuro ir sempre ao cemitério para a ver. É como se fosse uma obrigação que tenho de cumprir. Sinto-me melhor. Limpa-me a alma, tira-me as energias más e faz-me viver mais feliz», conta ainda.

«A melhor coisa depois de um dia de trabalho é receberes um abraço da tua filha»

Mas a verdade é que se Cancelo continua a jogar também se deve à mãe. «Uma boa parte do amor que tenho pelo futebol deve-se à minha mãe. Tive grandes momentos com ela. Muitas vezes quando jogo aqui no estádio, aqui em Manchester ou mesmo pela Seleção, sinto que ela está a ver-me. Antes procurava-a sempre nas bancadas antes dos jogos começarem, mas agora ela não está», refere.

Valores que João Cancelo continua a cultivar, quer com a namorada, quer com a filha. «Sempre pensei que nada ultrapassaria o amor que tinha pela minha mãe, mas depois nasceu a minha filha, que é um amor inexplicável. A melhor coisa depois de um dia duro de trabalho é chegares a casa e receberes um abraço e um beijinho da tua filha. Há coisas que não têm preço. Não interessa o dinheiro que ganhas ou que tenhas uma grande qualidade de vida, o melhor da vida são aqueles pequenos momentos que as crianças nos proporcionam», destaca.

A mãe continua a ser uma guia, mas o futuro da filha também mantêm Cancelo a correr nos relvados. «Só a quero ver saudável. Estou a trabalhar duro para que ela possa ter um futuro e viver tranquilamente. Não quero que ela passe pelos momentos difíceis que os meus pais passaram e que eu também passei», contou ainda.