Chegou ao Sporting em 2007, para jogar nos iniciados, e quase dez anos depois, Mica Pinto saiu de Alvalade sem se ter estreado oficialmente pela equipa principal dos leões.

Em entrevista ao Maisfutebol, o atual lateral-esquerdo do Sparta de Roterdão garante que não tem qualquer mágoa com o clube que o formou como homem e como jogador, recorda os tempos em que a sua casa era a Academia de Alcochete, mas não só.

Mica fala ainda da sua história na Holanda, onde está desde o início de 2018, do cancelamento prematuro da Eredivisie devido à pandemia de covid-19 e das diferenças culturais entre os 'tugas' e os 'laranjinhas'.

PARTE II: Mica Pinto: «Não guardo mágoa pelo Sporting, para mim é uma família»

PARTE III: «Em Portugal, se perdes um jogo nem podes sair à rua durante uma semana»

Maisfutebol – Como têm sido estes dias de quarentena?

Mica Pinto – Nós temos tido uma quarentena fácil, nunca foi obrigatório ficarmos em casa, podíamos sempre sair. As únicas regras impostas foram a distância social e a proibição de haver mais de três pessoas da mesma casa em espaços públicos. Por isso a quarentena tem sido fácil, mas pronto, agora que descobrimos que ainda faltam três ou quatro meses para voltar a competição tem sido um bocado mais difícil.

MF – Pensou vir para Portugal?

MP – Tenho família no Luxemburgo, nasci lá, e tenho ido [para o Luxemburgo] e tenho voltado. Aqui treino com um personal trainer, duas ou três vezes por semana, para me manter ativo, se não é quase impossível. Tenho alternado a situação de estar em casa. Mas ainda falta muito tempo.

MF – Tem acompanhado a situação em Portugal? Na Holanda, aparentemente, há mais liberdade. As pessoas têm cumprido com o isolamento social?

MP – É muito difícil falar sobre isso, porque não tenho a certeza sobre o assunto. Cada governo toma as medidas que acha melhor para a população e aqui o primeiro-ministro optou por fazer um lockdown inteligente, como ele disse: dar liberdade às pessoas para saírem, mas mantendo a distância para nunca haver grandes grupos. As pessoas geralmente seguem essas regras e aqui, por acaso, corre bem. Tenho estado atento à situação em Portugal, sei que as pessoas estão mais fechadas, é mais complicado, especialmente na questão mental, estar todo o dia em casa não é fácil. Mas no geral penso que é um sacrifício que temos todos de fazer, o mais importante é a saúde e isto passar o mais rápido possível para voltarmos à normalidade.

MF – Como tem 'fintado' esta situação a nível mental? Como disse, não é fácil estar sempre em casa.

MP – Acho que o aspeto mais difícil com que temos de lidar, não só para nós [jogadores], mas para todos, é a questão mental, claramente. Nós jogadores tentamos estar o mais ativos possível fisicamente, para não perder a forma. Mas o que nos custa claramente é a questão mental. No caso da Holanda já sabemos o que vai acontecer, que o campeonato vai começar dia 1 de setembro ou dia 1 de outubro, portanto sabemos que é uma paragem longa. É frustrante, mas é um sacrifício que temos de fazer todos. Não é o momento para pensar no futebol, é o momento para pensar na saúde de toda a gente e que isto passe rápido para voltarmos à normalidade, para nós desfrutarmos do futebol e para as pessoas voltarem a ir ao estádio, fazem parte do nosso desporto, é o que dá emoção ao jogo.

MF – Como é que vocês jogadores receberem a notícia de que o campeonato tinha acabado?

MP – O clube tem-nos informado muito bem sobre a situação. Havia três situações em equação: voltarmos a jogar em junho com adeptos, voltarmos a jogar à porta fechada ou cancelar o campeonato. Era algo que já estávamos à espera. A primeira coisa que a federação e o sindicato fizeram foi criar um fundo para ajudar os clubes a sobreviver a esta situação económica e era algo para o qual já estávamos preparados. É uma decisão compreensível, tanto aqui como em França. Sou da opinião de que agora o mais importante é pensarmos na saúde de toda a gente e não é o momento para estarmos preocupados se temos de jogar ou não.

MF – A questão mental, por estar tantos meses sem competir, é preocupante?

MP – Acho que sim, estamos habituados a treinar e a competir todos os dias e agora de repente estarmos quatro meses parados é uma situação única, nunca aconteceu. Vai ser um dos aspetos que também vamos ter de treinar, a questão mental pode treinar-se. Vai levar algum tempo até voltarmos a estar fortes, obviamente que vai deixar mossa.

MF – E a situação no clube? Estão de férias ou continuam a treinar?

MP – O clube controla-nos todos os dias com um plano que temos de fazer. Mas estão à espera de ter a certeza de quando é que o campeonato vai começar, em setembro ou outubro, e quando houver essa data se calhar já podemos voltar a treinar em grupos pequenos para não estarmos tanto tempo parados. Como já disse, quatro meses é demasiado tempo. O clube está à espera de confirmação para podermos treinar duas ou três vezes por semana em grupos pequenos –  respeitando as normas de segurança, obviamente – e voltarmos à normalidade.

Mica Pinto mudou-se para o Sparta de Roterdão no início do ano

MF – Financeiramente, o clube está estável?

MP – A primeira coisa que o clube fez foi dizer aos jogadores que financeiramente estava bem. É um clube que tem muitos sócios, é o mais antigo da Holanda e tem muita história. Mas acredito que há muitos clubes aqui que vão sofrer com isto, por isso é que foi criado um fundo para ajudar. Está a ser discutida a eventualidade de as receitas conseguidas pelos clubes nas competições europeias serem distribuídas por todos, é uma coisa que fazem aqui e acho que é uma grande ideia para ajudar os mais pequenos. Os clubes na Holanda não vão sofrer tanto com esta situação, foi tudo muito bem organizado e está tudo preparado.