Depois de as conquistas de Taça UEFA e Liga dos Campeões pelo FC Porto (em 2003 e 2004) o terem posto nos radares da elite europeia, os sucessos de José Mourinho em Inglaterra, Itália e Espanha foram ajudando a instalar a ideia de que os treinadores portugueses estão na crista da onda. Colocando-os no topo do prestígio internacional e na vanguarda da cobiça do futebol europeu, o slogan de que portuguese coaches do it better ganhou força nos últimos anos. E especialmente depois de 2014/15, quando quatro técnicos portugueses – Mourinho (Chelsea), André Villas-Boas (Zenit), Paulo Sousa (Basileia) e Vítor Pereira (Olympiakos) – se sagraram campeões nos respetivos países.

O desempenho de Leonardo Jardim no Mónaco – dois quartos-de-final da Champions em três anos e uma convincente liderança da Ligue 1 face ao todo-poderoso PSG, na época em curso – trouxe mais um pretexto de atualidade para esta ideia forte, que a vitória de Portugal no Euro, sob o comando de Fernando Santos, já tinha reforçado de forma inédita. E, no entanto, de tão vulgarizada, a ideia justifica uma análise um pouco mais aprofundada. Se é certo que Mourinho está há 15 anos na elite internacional e que a regularidade de Leonardo Jardim o anuncia como capaz de assumir um desafio ainda mais ambicioso, será prudente não atribuir antecipadamente rótulo de qualidade e garantia de sucesso a todos os treinadores portugueses que passam a fronteira. Até porque os números, à luz de vários critérios de avaliação, nem sempre confirmam essa ideia otimista.

Mourinho é exceção no top-5

Há 30 anos, Artur Jorge foi pioneiro na exportação de técnicos portugueses para uma das cinco ligas de topo na Europa: Espanha, Inglaterra, Itália e França - mais a Alemanha, onde nunca um português treinou no escalão principal. A primeira passagem por Paris, entre 1987 e 1988 no Matra Racing, não correu bem. À segunda, no PSG, quebrou-se a barreira, com um título de campeão em 1994, a juntar-se a uma Taça conquistada um ano antes.

Artur Jorge, pioneiro nos anos 80

A verdade é que, daí para cá, só mais um técnico português conseguiu títulos de campeão nas Ligas top-5. Mourinho - pois claro! - três vezes campeão em Inglaterra, duas vezes em Itália e uma em Espanha, mais uma Taça em cada um destes países e oito troféus de menor relevância, como Supertaças e Taças da Liga.

O registo impressiona pela dimensão, mas também pela solidão: exceptuando a Supertaça de Espanha conquistada por Carlos Queiroz no Real Madrid, em 2003, nenhum outro técnico português, além de Artur Jorge e Mourinho, ergueu troféus nos cinco primeiros países do ranking europeu. E, já agora, só José Mourinho (com a Liga dos Campeões pelo Inter) conseguiu erguer um troféu europeu por uma equipa estrangeira.

Leonardo Jardim poderá quebrar o enguiço já nesta época, caso leve a proeza do Mónaco até às últimas consequências, mas isso não invalida que a colheita de Mourinho e Artur Jorge seja escassa, se considerarmos que outros 14 treinadores passaram por estes campeonatos – alguns deles em mais do que uma ocasião (ver lista). A títulos de exemplo, das 11 temporadas iniciadas por portugueses na Liga espanhola, só quatro chegaram ao fim (as três de Mourinho e uma de Queiroz no Real Madrid).

Técnicos portugueses nos principais campeonatos europeus

INGLATERRA: José Mourinho (Chelsea, 2004/05, 2005/06, 2006/07 e 2007/08* e 2013/14, 2014/15 e 2015/16*; Man. United, 2016/17); André Villas-Boas (Chelsea, 2011/12*; Tottenham, 2012/13 e 2013/14*); Marco Silva (2016/17*)

ITÁLIA: José Mourinho (Inter, 2008/09 e 2009/10); Paulo Sousa (Fiorentina, 2015/16 e 2016/17)

FRANÇA: Artur Jorge (Matra Racing, 1987/88 e 1988/89*; PSG, 1991/92, 1992/93 e 1993/94; 1998/99*); Toni (1994/95*) Paulo Duarte (Le Mans, 2009/10*); Leonardo Jardim (Mónaco, 2014/15; 2015/16; 2016/17); Sérgio Conceição (Nantes, 2016/17*); Rui Almeida (Bastia, 2016/17*)

ESPANHA: José Augusto (Logroñes, 1994/95*); Toni (Sevilha, 1995/96*); Artur Jorge (Tenerife, 1997/98*) António Oliveira (Bétis, 1998/99*); Jaime Pacheco (Maiorca, 2003/04*); Carlos Queiroz (Real Madrid, 2003/04); Jesualdo Ferreira (Málaga, 2010/11*); José Mourinho (Real Madrid, 2010/11, 2011/12 e 2012/13); Domingos Paciência (Deportivo, 2012/13*) Nuno Espírito Santo (Valencia, 2014/15 e 2015/16*)

* Épocas incompletas

Títulos de campeão: Mourinho, 6, Artur Jorge, 1

Taças: Mourinho, 3; Artur Jorge, 1

Outros troféus: Mourinho, 8; Carlos Queiroz, 1

Baixa a exigência… a eficácia mantém-se

Se alargarmos um pouco o campo de pesquisa às Ligas de classe média – além da portuguesa, podemos incluir neste grupo as de Holanda, Rússia, Turquia, Ucrânia e Grécia – então o panorama de troféus fica um pouco mais composto. Na Rússia, André Villas-Boas conquistou Campeonato, Taça, e Supertaça ao serviço do Zenit, entre 2015 e 2016. Nesses mesmos anos, respetivamente Vítor Pereira (com dobradinha) e Marco Silva sagraram-se campeões da Grécia ao serviço do Olympiakos. Cujo presidente, por sinal, também despediu os portugueses Leonardo Jardim (em 2013) e Paulo Bento (em 2017) quando estes lideravam destacadamente o campeonato. Caprichos de quem venceu 11 das últimas 12 edições da Liga do seu país...

Jardim: o senhor que se segue?

A este cenário podemos juntar uma Taça da Grécia ganha por Fernando Santos no AEK, em 2002, e ainda uma Supertaça da Rússia, ganha por Artur Jorge no CSKA Moscovo em 2004. A isto poderá vir a somar-se, eventualmente, a perspetiva de troféus na Ucrânia, que parecem bem encaminhados para Paulo Fonseca, nesta sua época de estreia no Shakhtar Donetsk. Mas o panorama volta a ser modesto, se considerarmos que nestas cinco ligas de classe média já tivemos, nos últimos 20 anos, mais de quatro dezenas de passagens de técnicos portugueses, que em grande parte não representam uma temporada completa.

Resta lembrar, por outro lado, que também no futebol há fenómenos que resultam de modas e de sazonalidade. O trabalho desempenhado por Fernando Santos no futebol grego, a partir de 2001 - e que teve ilustração máxima na sua passagem brilhante pela seleção da Grécia no Euro-2012 e no Mundial-2014 - por exemplo, escancarou a porta aos portugueses para a década seguinte.

E há exemplo semelhantes em campeonatos inferiores: seja porque alguns empresários com ligações a Portugal ativam o seu circuito de contactos nesses países, seja porque há dinheiro fresco a ser injetado - como aconteceu quando, a partir de 2007 e durante quatro ou cinco época a Liga da Roménia fosse um porto de abrigo para técnicos e jogadores portugueses de classe média, superando até durante alguns anos o papel que Chipre tem desempenhado nesse particular.

Simplesmente, como as garantias de consistência e profissionalismo são, também aí, mais escassas, a outra face da moeda é aumento desmedido de aventuras que chegam ao fim prematuramente, seja por decisão dos dirigentes locais, seja por insatisfação dos próprios técnicos lusos com promessas não cumpridas.

Técnicos portugueses nas Ligas médias europeias

UCRÂNIA: Paulo Fonseca (Shakhtar Donetsk, 2016/17)

RÚSSIA: Artur Jorge (CSKA, 2004*); José Couceiro (Lokomotiv, 2011/12); André Villas-Boas (Zenit, 2013/14*; 2014/15 e 2015/16)

HOLANDA: Artur Jorge (Vitesse, 1998/99*)

GRÉCIA: Fernando Santos (AEK, 2001/02; 2004/05 e 2005/06; Panathinaikos, 2002/03*; PAOK, 2007/08; 2008/09; 2009/10); José Peseiro (Panathinaikos, 2007/08); Carlos Carvalhal, Asteras Tripolis, 2008/09*) Jesualdo Ferreira (Panathinaikos, 2010/11*; 2011/12; 2012/13*) Manuel Machado (Aris, 2011/12*); Leonardo Jardim (Olympiakos, 2012/13*); Sá Pinto (OFI Creta, 2013/14*; Atromitos, 2014/15* e 2016/17*); Vítor Pereira (Olympiakos, 2014/15*); Leonel Pontes (Panetolikos, 2015/16); Marco Silva (Olympiakos, 2015/16); Paulo Bento (Olympiakos, 2016/17*)

TURQUIA: José Couceiro (Gaziantepspor, 2009/10); Carlos Carvalhal, (Besiktas, 2011/12*; Istambul BB, 2012/13*); Domingos Paciência (Kayserispor, 2013/14*) Vítor Pereira (Fenerbahce, 2015/16).

* Épocas incompletas

Olhando para às Ligas menores do cenário europeu – Chipre, Roménia, Escócia (onde esta semana chegou Pedro Caixinha, a um histórico Rangers), Israel, Suíça, entre outras – o saldo de troféus fica um pouco mais composto. Paulo Sousa conquistou campeonato e Taça em Israel, uma Liga na Suíça, e dois troféus menores na Hungria. Toni Conceição venceu uma Taça e uma Supertaça na Roménia, Pedro Emanuel venceu Taça e Supertaça em Chipre. É muito?

Nem por isso, se considerarmos o elevado número de aventuras que, também aqui, terminam prematuramente: de Álvaro Magalhães a Augusto Inácio, de Bruno Ribeiro a Jorge Costa, de João Carlos Pereira a Rui Dias ou José Morais, é muito extensa a lista de técnicos portugueses que, por uma razão ou por outra - muitas vezes, como sucedeu com frequência na Roménia ou em Chipre, devido à falta de condições de clubes de pequena ou média dimensão em campeonatos periféricos - não conseguiram confirmar a teórica superioridade da escola lusa fora de portas.

Não é que não se trabalhe com boas bases em Portugal, ou que os conhecimentos transmitidos na formação de técnicos não tenham, regra geral, alto nível. Mas o sucesso de um treinador não assenta apenas nestes fatores: questões como a personalidade, a adaptação a novos meios, culturas e idiomas – e, obviamente, a possibilidade de escolher projetos financeira e desportivamente sólidos, nem sempre compatível com os ritmos de uma carreira de desgaste rápido – explicam a outra parte da equação. E ajudam a perceber uma evidência, que muitas vezes passa para segundo plano: mesmo que nomes como Paulo Sousa, Sérgio Conceição, André Villas-Boas, Vítor Pereira, Carlos Carvalhal ou Marco Silva tenham legítimas ambições de ainda deixar a sua marca entre a elite dos treinadores, nem só das vitórias de Mourinhos e das promessas de Jardins se faz a história dos técnicos portugueses na Europa do futebol.

Contando apenas os últimos 25 anos, foram mais de 40 os treinadores nacionais que tentaram impor-se nos campeonatos europeus, da Espanha à Rússia, da Inglaterra à Lituânia, da Bulgária à Suécia. Os casos de sucesso categórico não chegarão, sequer, à meia dúzia, proporção mais do que suficiente para os valorizarmos a título individual. E para desconfiarmos de generalizações apressadas.