«Com 10, 11, 12 anos ia sempre ao estádio ver o Vitória, sou de Guimarães, era o meu sonho jogar na equipa principal.»

O sonho da maioria dos miúdos que nascem e crescem em Guimarães é representar o Vitória e Cafú não fugiu à regra. A diferença é que pertence ao lote restrito que o conseguiu.

Vitoriano assumido, o médio nunca escondeu o seu amor ao principal emblema da Cidade Berço e ao Maisfutebol conta vários episódios que o demonstram, num rewind da sua vida.

Cafú nasceu e cresceu em Guimarães e deu os primeiros toques na bola oficialmente no Clube Caçadores das Taipas. Rapidamente deu nas vistas e mudou-se para o Vitória em 2004, ainda infantil.

O seu sonho passava por jogar na equipa principal, algo que aconteceu dez anos depois, pela mão de Rui Vitória. Pelo meio representou o Benfica, entre 2008 e 2013, e esteve mesmo à porta da equipa A com Jorge Jesus.

Aliás, foi o atual treinador do Sporting que lhe definiu a posição.

«No meu último ano de formação jogava a ponta de lança, fui o melhor marcador da fase final do campeonato nacional e ia quase sempre treinar com a equipa principal. Os miúdos iam sempre uns minutos antes para o relvado e o Jorge Jesus já estava lá e havia ali um pequeno diálogo. Num deles, ele tinha-me dito, no jeito muito expressivo dele: ‘Queres ser ponta de lança ou queres ser médio?’»

Cafú admite que ficou a olhar para o treinador e este explicou: «Na minha opinião se fores ponta de lança não deves chegar à I Liga. Aliás, podes chegar, mas jogas nas equipas que lutam para não descer. Se fores médio podes ser um jogador de nível top, podes chegar ao Benfica, comigo ou sem mim. Até podes chegar ao Bayern de Munique...»

A cabeça de Cafú ficou confusa, mas seguiu a ideia de Jesus.

«Com 17 ou 18 aninhos ouvir aquilo do mister Jorge Jesus, foi decidir um bocado à pressão. Eu era ponta de lança e fazia muitos golos. Se estivesse noutro clube que não o Benfica, que tinha avançados de grande qualidade no plantel principal, se calhar até podia ser ponta de lança, eu tinha golo comigo, via isso e os meus colegas motivavam-me. Ele disse-me aquilo e acrescentou: ‘Amanhã tens que dizer ao mister Norton de Matos se queres ser médio ou avançado’.»

Passou a ser apenas médio e foi nessa posição que se afirmou em Guimarães. Mas será que se arrepende?

«Como é óbvio não me arrependo, mas estava na hora de definir a minha posição. Uma coisa é seres 6 e jogares a 8 ou seres 8 e jogares a 6 ou a 10. Outra coisa é seres 6 e jogar a ponta-de-lança, isso não tem cabimento. Nem me era favorável. Chegas a uma altura que tens que saber o que queres ser, até aos 18 anos estava um bocado confuso, jogava sempre a ponta de lança, ia à equipa principal e ele [Jesus] gostava de mim a médio. Estás a perceber a minha situação?», disse entre gargalhadas.

«Punha a música da claque do Vitória nas alturas e uma vez começaram a cair pedras na varanda»

No Benfica, Cafú foi um goleador, passou a médio e até...comentador da BTV foi. O vimaranense explica como tudo surgiu: «Na altura a BTV estava no início e a criatividade não era muita (risos). Por isso metiam o Cafú.»

Cafú é mesmo assim, espontâneo e não perde uma oportunidade para brincar. Foi assim que conquistou os adeptos benfiquistas e vitorianos: «Sou uma pessoa simples, gosto de me dar bem com toda gente, não me acho superior a ninguém. As pessoas gostam de mim pela minha simplicidade.»

Depois lá explicou como foi parar à televisão dos encarnados.

«Dava-me muito bem com o Luís Pedro, que era da BTV e comentava a formação. Ele dava-me um toque sempre: ‘Cafú podes vir comentar?’. O treinador da minha equipa dizia lá ao responsável do centro de estágio e ele já sabia que se havia jogo às 10h ou as 11h, o Cafú podia ir. Encarava aquilo como um bom passatempo.»

Essa é uma das histórias engraçadas que viveu de águia ao peito, outra foi vivida com o guarda-redes Moreira (agora no Estoril) por culpa do seu amor ao... Vitória.

«Sempre manifestei que era vitoriano, fui para o Benfica e levava bandeiras do Vitória. Cheguei a ter lá um incidente com o Moreira (risos). Eu punha a música da claque do Vitória nas alturas e uma vez começaram a cair pedras na varanda. Fui lá fora e era ele a atirar pedras e a dizer para pôr mais baixo. Não sei se ele estava a morar lá ou se só passava umas noites. Depois passou no corredor e disse: «Oh Cafú, mete a música do Guimarães mais baixo, eu também gosto de ouvir as músicas da claque, mas quando for assim mete baixo, para ti.»

 

 

Hoje não , joga o meu VITÓRIA ⚫️⚪️ #boasorterapazes#longemasperto

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'Futebolisticamente' falando, o médio recorda a passagem pelas águias como uma fase de muito crescimento. Rumou ao Seixal no primeiro ano de juvenil, mas desde logo o treinador da equipa principal olhou para si.

«Era primeiro ano de juvenil e com o Quique Flores no Benfica ia à equipa principal, depois foi sempre o Jorge Jesus. Era juvenil A e ia à equipa principal, era júnior e ia à equipa principal. Então em júnior de segundo ano parecia que fazia parte do plantel, só não jogava...», brincou e saiu mais uma gargalhada.

Na equipa B, em 2012/13, fez 23 jogos e um golo e ambicionava ser aposta na equipa A, mas no meio-campo havia Javi Garcia e Witsel no início de época e que após o fecho do mercado compunha aquele setor do terreno Matic, Enzo Pérez, Carlos Martins, Pablo Aimar e ainda o jovem André Gomes.

Mas já no ano anterior, ainda júnior, Jesus apostou em si num particular, na Suiça com o Galatasaray, e no fim do jogo até o elogiou. Cafú não esquece isso: «Ainda tenho lá recortes disso. Joguei com a camisola 60.» (recorde aqui a crónica desse jogo)

O que não esquece também é um desabafo de um elemento do plantel:

«O Mantorras marcou-me numa das primeiras vezes que fui à equipa principal. Ele era o jogador do povo, toda gente gostava dele e eu miúdo também, e estava a ter oportunidade de treinar com os craques. Ele coloca-me o braço no ombro e diz-me: ‘Cafú, se não fosse este joelho eu estava no Real Madrid ou Barcelona’. Ficou-me na cabeça aquilo.»

Não teve continuidade desejada e não conseguiu realizar esse sonho: «Depois de estar na equipa B, de ter feito parte da formação do Benfica, pensava que podia chegar lá. Vivia lá no centro de estágio, estava a 300 km de casa, mas tinha ido com um objetivo. Com 10 anos pensava que queria chegar à equipa principal do Vitória, quando cheguei ao Benfica queria chegar à equipa principal do Benfica.»

«Se fosse campeão no Vitória acabava a carreira...»

Não conseguiu chegar à equipa principal do Benfica e depois de uma época nos «bês» regressou ao Berço, também para o conjunto secundário que estava no Campeonato Nacional de Seniores.

«Isso nunca foi problema para mim. O sonho era chegar à equipa principal», assume.

«Tínhamos jogadores de grande qualidade: Alex, Hernâni, Bernard. O meu objetivo era fazer lá um ano e dar o salto. O Vitória precisava de apostar em jogadores da casa e quase que era obrigado por questões financeiras. A partir de janeiro o mister Rui Vitória já me punha a treinar com a equipa principal e fui a alguns jogos, não jogava e no dia seguinte jogava pela equipa B.»

A estreia, o cumprir de um sonho de criança, aconteceu logo na primeira jornada da época seguinte. Em Barcelos, o Vitória venceu o Gil Vicente num duelo em que a claque vimaranense ficou fora do estádio a protestar com o preço dos bilhetes.

«Curioso», diz. Mas recorda: «A claque ficou cá fora, mas havia adeptos lá dentro. Eles gritavam dentro, fora, em todo lado. Ficou-me na memória.»

Foi Rui Vitória que o lançou e Cafú elogia a sua forma de trabalhar: «Ele gosta muito dos miúdos, dá margem de erro. Mesmo o diálogo que tem contigo, trata um miúdo como um experiente, mas aos miúdos dá muita margem de erro, mesmo que erres sabes que vais voltar a jogar, retira a pressão. Ele cobra ao jeito dele. O discurso que passa é o que ele é.»

Essa foi a época de afirmação e no segundo ano, já com Rui Vitória na Luz, Cafú passou a ser um dos capitães.

«Nunca me passou pela cabeça. É gratificante, é uma responsabilidade enorme ser capitão de um clube como o Vitória. Começas a aperceber-te...nem sei. Seres jogador daquele clube já é uma responsabilidade enorme, seres capitão... meu deus! Tive o privilégio, estou grato ao clube porque me elegeu e também aos meus colegas.»

A época de capitão não correu tão bem a nível de resultados, teve uma troca de treinadores (Armando Evangelista por Sérgio Conceição) e embora tenha estado a meio da época no quinto lugar, terminaram longe do objetivo europeu.

 

Eu nunca te irei abandonar ⚪️⚫️

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Agora com Pedro Martins ao leme, o Vitória vai de ‘vento em popa’ e está a surpreender. Cafú também já não está, mas acompanha sempre o clube.

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«Ainda no último jogo [Nacional] fui ao estádio. Aproveitei para ir a casa e fui ver o GRANDE», atirou logo.

«Tem sido um início de época fantástico. Novo ano reforçaram o espírito e está a correr bem. Naquele clube, os adeptos empurram e está a ser entusiasmante, ganham um jogo, outro jogo, estão a perder 3-0 com o Sporting e conseguem empatar 3-3. Estão a perder 1-0 a menos um desde os 25 minutos e conseguem dar a volta, está tudo a correr bem», analisou.

No balneário do Lorient todos sabem qual o clube do coração de Cafú: «Claro que conhecem, agora até me falam do Vitória. Sempre a perguntar pelo Vitória e pelo Marega (mais risos). Faço sempre questão de mostrar e falar do clube. A minha camisolinha está sempre lá para quando joga o Vitória.»

Voltar é desejo, mas só quando for mais «cota»: «Lá para os trinta e tal, mas é muito cedo  para pensar nisso, ainda na época passada lá estava. Tenho que me concentrar neste desafio porque não quero ficar por aqui.»

Em jeito de provocação, desafiámos Cafú para dizer algo que fizesse caso fosse campeão pelo Vitória:

«Ui, acabava a carreira! Se fosse campeão acabava a carreira. Ganhar a Taça de Portugal já era incrível!»

Os vimaranenses conquistaram-na em 2012/13, ano antes de Cafú rumar novamente ao Berço, precisamente frente ao Benfica. Cafú provou mais uma vez o seu amor ao clube.

«Estava no Benfica, mas fui para o meio dos adeptos do Vitória ver o jogo. É o clube do coração.»

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