Mais longe e mais alto é uma rubrica do Maisfutebol que olha para atletas e modalidades além do futebol. Histórias de esforço, superação, de sucessos e dificuldades.

Mário Freitas não precisava de ter feito o que fez para a sua qualidade enquanto jogador de futsal ser reconhecida.

Afinal, falamos de um jogador que, aos 29 anos, já conquistou um título nacional (Sporting), três Taças de Portugal (Sporting, Benfica e AD Fundão) e outras tantas Supertaças, duas pelas águias e uma pelos leões. Falamos também de um jogador que conta mais de 20 internacionalizações A.

Mário também não precisava daquele gesto para que as pessoas lhe descobrissem o carisma, que não é surpresa para quem acompanha a modalidade.

E é por tudo isto que a nobreza do gesto ganha uma dimensão ainda maior. Porque foi natural num «orgulhoso transmontano», como se define em conversa com o Maisfutebol.

Mas qual foi, afinal, a atitude exemplar que transportou Mário Freitas para este espaço?

O contexto, primeiro: jogava-se o terceiro e decisivo jogo dos quartos de final do playoff de campeão do campeonato nacional, entre o AD Fundão e o Leões de Porto Salvo; a equipa da casa perdia por 3-2 e Bebé, guarda-redes da formação visitante recebeu ordem de expulsão após um lance com Mário Freitas.

E o que fez o ala do Fundão? Alertou o árbitro que a interpretação do lance tinha sido errada e que o adversário não tinha feito nada que justificasse o cartão vermelho, fazendo o juiz reverter a decisão.

Os elogios não se fizeram esperar. Após o jogo, por exemplo, Bebé utilizou as redes sociais para agradecer e elogiar o antigo colega de equipa: «Obrigado porque tu és a prova viva que ainda há pessoas sérias e honestas no desporto, e que não vale ganhar a qualquer custo. Para sempre grato pelo teu gesto. És o melhor do mundo».

«O melhor do mundo». É mesmo assim?, perguntamos a Mário Freitas, que nos responde com uma gargalhada.

«Isso já foi a amizade que temos a falar por ele. Foi claramente exagerado», garante, desvalorizando a repercussão que a atitude que teve em campo atingiu fora dele.

«Não fiz aquilo a pensar no que as pessoas iam dizer. Fiz por sentir que era o mais correto. No momento, nem pensei no resultado ou no que poderia acontecer no resto do jogo. Foi uma atitude instintiva e que nem devia ser notícia. Devia ser a norma», defende.

Desvalorizamos, então a tal história do melhor do mundo?

É melhor não. Não vamos perder a oportunidade de conhecer um pouco melhor o percurso do miúdo que deixou o Mogadouro para escalar até ao topo do futsal português.

«Um orgulhoso transmontano adotado pela Beira»

O percurso de Mário foi semelhante ao de tantas outras crianças em Portugal: começou por praticar futebol, até que, aos «doze ou treze anos» decidiu experimentar o futsal.

«Foi como se costuma dizer: amor à primeira vista».

Um amor que desde cedo mostrou ser correspondido. «Tive a sorte de nascer numa vila onde o futsal estava muito enraizado, Mogadouro, e que apesar de ser do interior, conseguiu chegar à primeira divisão nacional», recorda.

E Mário teve a oportunidade de crescer com o clube, apesar das dificuldades inerentes a qualquer entidade desportiva que não esteja nas principais cidades portuguesas: «Não é fácil, acho que por vezes pagamos o preço da interioridade, estamos mais longe das oportunidades, temos de lutar mais por elas, mas também temos uma força que faz com que nos agarremos com mais força quando elas surgem», enaltece.

Chegado a sénior, o ala fez parte do plantel de duas das três presenças do CA Mogadouro no principal escalão do futsal nacional, até dar o salto para o Sporting, em 2010.

Logo na primeira época, o jogador festejou o título nacional pelos leões, ainda que no final dessa época tenha sido emprestado.

É então que surge um outro amor: o AD Fundão, onde cumpriu a maior parte da carreira – com duas épocas no Benfica pelo meio.

«Eu costumo dizer que sou um orgulhoso transmontano, sou muito ligado às minhas raízes, mas sinto que fui adotado pelas Beiras. A cidade do Fundão diz-me muito e o clube também. Podemos dizer que é um terceiro grande do futsal», orgulha-se.

O sonho por cumprir pela seleção antes do «regresso às raízes»

Numa carreira recheada de sucessos, Mário Freitas já viveu aquele que considera «o maior sonho para qualquer jogador»: representar a seleção nacional. «É uma sensação única e difícil de descrever. Uma alegria que faz com que cada chamada pareça sempre a primeira», desvenda.

Sempre que lá regressa, Mário Freitas encontra aquele que diz ser o verdadeiro «melhor do mundo». Ricardinho, pois claro.

«Ele é, sem dúvida, o melhor do mundo e, para mim, é também o melhor da história. E não é só pelo que toda a gente vê que ele faz dentro do campo, mas também pela pessoa que é, pela humildade e simplicidade com que trata toda a gente», confidencia.

Contudo, ainda há algo por cumprir com a camisola de Portugal. «Falta-me representar a seleção numa grande competição», revela.

Não se pode dizer que o objetivo esteja muito distante. O nome do jogador do AD Fundão esteve nas escolhas de Jorge Braz em duas das últimas quatro convocatórias e os números que tem conseguido ao serviço da equipa que nesta sexta-feira joga o segundo jogo das meias-finais do playoff com o Benfica têm sido muito bons.

«Não sei se está a ser a minha melhor época – espero que essa ainda esteja por vir -, mas tem sido muito interessante em termos de golos e assistências», reconhece.

Aos 29 anos, e com muito para dar ainda ao futsal, o jogador ainda não vê o final da carreira, mas assume que «mentiria se dissesse que isso não passa pela cabeça».

Ao olhar para esse cenário, há duas coisas que Mário Freitas reconhece ao longe: o futsal e Mogadouro.

«Tenho o 12.º anos e quero dar continuidade aos estudos, em algo ligado ao desporto para poder continuar ligado ao futsal. E tenho o objetivo de regressar às minhas raízes. Quero poder ajudar o Mogadouro e retribuir ao clube aquilo que fez por mim», assegura.

Como treinador?, perguntamos. «Hum, acho que não tenho feitio para ser treinador. Talvez mais como uma espécie de diretor desportivo. Ou então, treinador da formação, isso pode ser, para ajudar os mais jovens com a minha experiência», concede.

E que melhor exemplo podiam ter os futuros jogadores de futsal?

Como era? Ah: «o melhor do mundo». Não era assim, Bebé?

Fotos cedidas pelo jogador

(artigo originalmente criado às 23h46 de 23/05/2019)