«Mais longe e mais alto» é uma rubrica do Maisfutebol que olha para atletas e modalidades além do futebol. Histórias de esforço, superação, de sucessos e dificuldades.

Hóquei e animais.

Animais e hóquei.

Seja qual for a ordem, a coisa parece não ter muito a ver.

Mas na história de Ivo Silva, eles estão ligados desde o início.

Desde tão cedo que o pequenote ainda nem falava muito bem. O que pode ajudar a explicar o início da história que torna ainda mais especial a conquista da Taça de Portugal pelo Sp. Tomar.

Afinal, patinhos ou… patins?

«Na minha família não havia ninguém ligado ao desporto. E quando eu tinha três anos, passava na Ponte Velha em Tomar e dizia aos meus pais que queria ir aos “patins”. E eles acharam que eu queria ir ver os patinhos. Mas chegámos lá e eu disse: «Não! Patins!», relata, sorridente.

«Ainda hoje, nem eu nem os mues pais sabemos como é que tinha conhecimento do hóquei em patins. Mas com três anos, lá fui ao Sp. Tomar para começar a treinar», acrescenta.

Uma confusão impossível de entender então por uma criança fez com que a primeira passagem de Ivo pelo clube fosse curta. Ele e vários dos pequenos colegas de equipa saíram para se tornarem a primeira geração da vizinha Sociedade Filarmónica Gualdim Pais.

Porém, os caminhos de Ivo Silva e do Sp. Tomar estavam destinados. E voltaram a cruzar-se 13 anos depois. Para nunca mais se largarem.

Ivo tinha, portanto, 17 anos. Vivia o primeiro ano de júnior, mas a mudança para o clube «grande» da terra aconteceu para jogar logo na equipa sénior.

Mais: dois anos depois era capitão de equipa. Mas também pela forma como se dedicava…

Viagem Tomar-Coimbra oito vezes por semana por amor ao hóquei

Dedicação.

Quando alguém quiser dar a definição de «dedicação» pode recorrer ao exemplo de Ivo Silva.

Aos 18 anos, como tantos outros adolescentes, o hoquista entrou na universidade. O destino foi Coimbra e o curso de Ciências do Desporto e Educação Física. Movido pelo amor ao hóquei, pois claro.

Mas como ficava então a sua relação com o Sp. Tomar?

Mais forte do que nunca. Mais forte do que nunca!

«Era o meu segundo ano no clube e fui estudar para Coimbra. Para não perder nenhum treino, ia e vinha todos os dias», revela, explicando a rotina.

«O meu pai ia levar-me à estação para apanhar o comboio das 5h50. Ia para as aulas e às 16h23 apanhava o comboio de regresso para Tomar».

Como assim? Mas fazia duas horas para cada lado todos os dias só para poder treinar com a equipa?

«Sim, vinha só por causa dos treinos. Não vinha fazer mais nada. À quarta-feira como não havia treino, ficava em Coimbra. Esse foi o primeiro ano desde que estou no clube em que estávamos na primeira divisão e eu queria viver esse momento de sonho», justifica.

O esforço que fez durante esse ano, ainda para mais sendo o primeiro da faculdade, fez com que as pessoas no clube passassem a olhar para aquele jovem com um respeito ainda maior.

E claro que isso, aliado às características do perfil de Ivo, contribuiu para lhe darem, na temporada seguinte, a braçadeira de capitão que nunca mais largou e ainda enverga, mais de uma década depois.

«Aquela foi uma época de grande reconhecimento pelo clube. Muitos diziam que eu não ia aguentar fazer aquilo o ano todo. E hoje se calhar não aguentava. Mas naquela altura não me custava fazer isso durante a semana e ao fim de semana jogava no sábado pelos seniores e no domingo pelos juniores», orgulha-se.

Mas essa loucura de acordar de madrugada para apanhar o comboio para Coimbra e à tarde meter-se noutro de regresso a Tomar durou só um ano… depois passou a fazê-lo de carro.

«No segundo ano da faculdade já conseguia fazer a viagem de carro e dividir com mais dois colegas de equipa. Era uma hora e quinze para cada lado. Aí, além de jogar, comecei também a treinar os benjamins. E treinei alguns miúdos que, entretanto, chegaram ao plantel sénior e que jogaram comigo», conta.

Cabeça no rinque mesmo quando anda no meio das vacas

Hóquei e animais.

Animais e hóquei.

Os dois mundos não se cruzaram na vida de Ivo Silva apenas na confusão entre «patins» e «patinhos».

Desde 2012, o capitão do Sp. Tomar divide o seu tempo entre os rinques e o campo… onde passaram a crescer vacas.

Entre pastos e vacas: é assim que Ivo Silva passa o tempo fora do rinque

«O meu pai sempre esteve ligado à produção de cereais como milho, trigo e cevada. E mais tarde, eu e o meu irmão perguntámos-lhe: se produzimos o que se usa para engordar animais, porque não fazemos isso nós? E ele aceitou avançar com a nossa ajuda», contextualiza.

Para o fazer, Ivo interrompeu o mestrado que estava a tirar ainda em Coimbra na área do Desporto e apresenta-se agora como empresário agrícola.

A prioridade, porém, continua bem definida: «Hóquei, sempre o hóquei. Adaptei sempre a minha vida para a conciliar com o hóquei», admite.

E no trabalho na exceção, claro.

«A prioridade máxima continua a sempre o hóquei e estar bem no jogo. Tendo jogo ao sábado, faço a gestão física no trabalho na agricultura para estar bem logo a partir de quinta», revela.

E os resultados estão à vista.

«As pessoas agradecem-me por ter nascido em Tomar: quem sou eu para ouvir isso?»

Tanta dedicação de Ivo ao clube da terra foi dando vários frutos ao longo do tempo. Mas a verdadeira coroação surgiu apenas no último fim de semana de abril.

Apurado para a final-four da Taça de Portugal, disputada em «casa» ainda para mais, o Sp. Tomar fez história e conquistou o seu primeiro grande título: a Taça de Portugal.

Para o fazer, eliminou o FC Porto ao vencer por 5-3 na meia-final e bateu depois o Sporting no jogo decisivo, numa partida só resolvida nos penáltis.

Um sentimento difícil de colocar em palavras, garante o capitão.

«Levantar aquele troféu foi o expoente máximo da perfeição. Ainda para mais, fazendo-o em Tomar, depois de vencer o FC Porto e o Sporting», descreve.

«Se me perguntar se acreditávamos que era possível, digo logo que sim. Sabendo aquilo que damos ao hóquei, a forma como nos dedicamos e trabalhamos, o estranho foi não ter acontecido antes», assegura.

E para o provar, Ivo recorda que há um ano o Sp. Tomar esteve muito perto de chegar à final da Liga dos Campeões.

«No ano passado, estivemos a ganhar 4-1 nas meias-finais da Liga dos Campeões e depois perdemos nos penáltis. Mas sabíamos que este momento estava para chegar. Aliás, estou convencido de que virão mais títulos a seguir. Se continuarmos a trabalhar assim, vêm muito mais, certamente», promete Ivo Silva.

Esta Taça de Portugal ficará, contudo, sempre como um marco na história do clube tomarense. E bem que a equipa precisava dela.

«Se calhar era mesmo preciso ganhar um título. As pessoas já nos reconheciam pela dedicação e pelo bom hóquei que praticamos. Mas havia gente que merecia muito isto porque eram pouco reconhecidos pelo que são neste mundo do hóquei», defende o jogador.

Certo é que o reconhecimento chegou mesmo. Até de uma forma inesperada, mesmo para alguém que sempre foi dali.

«É uma honra enorme termos conseguido este feito. Tenho muito orgulho em ser tomarense e representar esta cidade. E como disse aos meus colegas, é diferente conseguir este título num clube de uma grande cidade ou de um meio pequeno como Tomar», sublinha, dando um exemplo do que lhe acontece agora ao andar nas ruas.

«Toda a cidade está agradecida por termos vencido este título. Já me disseram “Obrigado por teres nascido em Tomar”. Mas quem sou eu para receber um elogio assim? Isto é mais do que amor. É impossível sentir mais orgulho», enaltece.

Perante isto, o que falta a Ivo Silva e ao seu Sp. Tomar?

«Agora falta-me ser campeão nacional. Estamos muito focados no que aí vem nos play-offs e agora acreditamos de maneira diferente», assegura

E pensar que esta história podia ter acabado naquela tarde em que os pais levaram Ivo a ver os «patinhos»…

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