Mais longe e mais alto é uma rubrica do Maisfutebol que olha para atletas e modalidades além do futebol. Histórias de esforço, superação, de sucessos e dificuldades

Quando Pedro Kol começou no kickboxing era magrinho, fraquinho, descoordenado, e com pouca flexibilidade, mas o «esparguete assassino», como lhe começaram a chamar por causa da estrutura física e no sucesso no ringue, tornou-se campeão mundial, tricampeão europeu e pentacampeão nacional.

Em entrevista ao Maisfutebol, o atleta de 35 anos conta o segredo dos sucessos de uma carreira de quase 20 anos, cujo ponto alto aconteceu há pouco mais de uma semana, num combate que levou o Campo Pequeno ao rubro e em que recuperou o título europeu.

«Foi o melhor momento da minha carreira», conta Pedro Kol. «Foi inacreditável. Estava tudo ali com uma missão, tudo a vestir a camisola de Portugal… foi de loucos, estava tudo louco. Tudo aos gritos, aos saltos, nunca tinha sentido nada assim…»

Esta foi a terceira vez que o português se tornou campeão da Europa, mas garante que foi o título «mais marcante». É que Pedro Kol e o adversário, o italiano Alessandro Moretti, tinham já uma história em comum. «Eu era o detentor do título e perdi-o com este adversário em Itália».

A derrota ficou-lhe atravessada. «Claramente as coisas não podiam ficar assim. Eu sentia mesmo que era melhor do que o italiano, mas pronto, tinha que o provar». Por isso, pediu a desforra e preparou-se para recuperar o cinto.

Foram seis meses «duríssimos» de preparação. «Foi de andar de rastos sempre. Só acalmou mais perto do combate para ir com energia, mas foi de uma intensidade surreal», confessa, e explica que essa intensidade foi importante, tanto a nível físico como psicológico. «Uma pessoa que está habituada a esta carga dificilmente desiste ou quebra psicologicamente».

E não quebrou. Apesar ter visto que «algumas pessoas achavam que se calhar já não faria sentido, ou que eu não iria conseguir», Pedro Kol seguiu o seu «instinto». «Eu sempre acreditei».

No dia do combate, uma sensação de deja vu. No ano passado, viu o combate interrompido por causa de um corte na zona da tíbia. Desta vez, nova ferida, mas o médico sossegou-o e disse-lhe que poderia continuar. «Isso ainda me deu mais força quando voltei», revela.

A roupa do combate de 18 de fevereiro

Este foi o mais recente episódio de uma já longa carreira que começou com uma paixão de infância.

«Desde miúdo que ficava vidrado a ver na televisão tudo o que eram desportos de combate e artes marciais, como o Bruce Lee e o Van Damme», conta. Mas ver não era suficiente. «Eu imitava. Tenho fotografias com 5, 6 anos, a dar murros, pontapés, com matracas, vestido de ninja…»

«Com oito anos comecei no Taekwondo, no Sporting, e aos 16 fiz a transição para o kickboxing». Porquê? «Queria algo que fosse mais real, mais combate a sério».

Com o passar dos anos, a paixão de miúdo colidia com a realidade da adolescência. «Lembro-me de que, quando saía da escola, estavam os meus amigos todos no café a comer croissants com chocolate, e eu a comer uma peça de fruta. E depois tinha de deixar de estar com eles e ia para o treino. E era todos os dias. Custava-me bastante. Nunca ia com gosto para os treinos, nunca. Mas, quando saía, era aquela sensação de dever cumprido e de superação de que eu gostava».

Olhando para trás, Pedro Kol sente que «o esforço compensou» e essa dedicação foi necessária para superar a fase seguinte. Conciliar a universidade e o trabalho com a competição.

Pedro Kol quando era atleta do Sporting

Fez uma licenciatura em Ciências do Mar, trabalhou em Engenharia Ambiental durante um ano e meio, mas percebeu que «não era aquilo que queria», mas sim dedicar-se inteiramente ao kickboxing, por isso voltou aos bancos da universidade para uma pós-graduação em gestão, para abrir depois a academia Kolmachine. Sempre sem deixar de competir.

«Acho que é uma questão de gerir bem o tempo e definir quais são as prioridades. Há uma frase de que gosto muito que é: ‘Quando queres uma coisa feita, pede a uma pessoa ocupada’. Às vezes as pessoas que têm muito tempo acabam por não fazer nada. E depois há pessoas que conseguem fazer tudo porque se empenham. Quando se tem pouco tempo é preciso dedicar-se a 100 por cento», garante. E é esse um dos segredos do seu sucesso.

«Eu nem era considerado muito talentoso. Era magrinho, fraquinho, considerado descoordenado, tinha pouca flexibilidade, por isso, o que consegui deve-se a todo o trabalho. É preciso persistência - nunca desistir, porque vão existir sempre momentos maus - , e a consistência - não é treinar um dia cinco horas e depois estar quatro dias sem ir ao ginásio. Isto é um trabalho diário».

O dia a dia de um atleta implica «dois treinos diários, de uma hora, hora e meia», mas também descanso e controlo da alimentação. «Não só para ter mais rendimento, mas também porque o nosso desporto é por pesos e tem que ser controlado». Nada pode falhar.

Por isso, na altura em que estava montar a academia, em que outro combate lhe pedia dedicação total, Pedro Kol parou de competir durante dois anos. Regressou perante o desafio de Alessandro Moretti, no ano passado, acabando então por ver o italiano ficar-lhe com o título.

O combate que agora lhe valeu a recuperação do título tinha ainda outra vertente, um lado solidário. Parte das receitas reverteram a favor da Associação Princesa Azul, que se dedica a identificar e apoiar alunos que são vítimas de bullying nas escolas, e esta não é a primeira causa social a que o atleta se dedica.

«É importantíssimo podermos ajudar e as pessoas que têm um bocadinho mais de visibilidade acho que devem sentir essa responsabilidade», diz. Numa dessas ações passou as férias a dar treino em orfanatos no Cambodja. «Foi uma experiência única. Às vezes chateamo-nos com coisas como o trânsito, e depois, quando vemos outras realidades, dá muito que pensar. Pessoas que não têm casa, que não têm comida todos os dias… tudo o resto é relativo».

Fora das situações de treino e combate, Pedro Kol não usa os seus conhecimentos de combate… a não ser que seja obrigado a isso. «Já fui atacado por três pessoas com garrafas, quando estava com a minha namorada, e tive mesmo que intervir senão tínhamo-nos magoado a sério. Aí já não há regras, é o salve-se quem puder. Consegui que eles acabassem por fugir. Ainda levei alguns pontos nas costas, mas do mal o menos».

A hora da recompensa

Depois de ter recuperado o cinto de campeão da Europa, e de já ter ganho tudo o que havia para ganhar, o que se segue? «Aceito combater por coisas muito especiais. Têm que estar muitas condições alinhadas. Estou numa altura mais de desfrutar esta vitória e depois faço um ponto da situação».

E as conquistas que teve, são valorizadas em Portugal? «Sinto que demorou muito tempo a valorizarem-me, mas finalmente fizeram-no. E é por isso que dá mais gozo combater nesta fase porque as condições, tanto de apoio, notoriedade, patrocínios, tudo agora faz mais sentido. Agora estou a ser recompensado pelos quase 20 anos que dediquei à modalidade».