«Mais longe e mais alto» é uma rubrica do Maisfutebol que olha para atletas e modalidades além do futebol. Histórias de esforço, superação, de sucessos e dificuldades.

Marco Meneses tinha apenas seis anos quando uma doença lhe roubou a visão.

Porém, a remoção dos dois olhos não lhe apagou a esperança.

Primeiro, porque os retinoblastomas não lhe levaram os amigos. E foram eles os primeiros guias para que o rumo da vida do pequeno Marco não mudasse assim tanto.

«Quando apareceu a doença, nem me lembro de ficar triste. Porque sempre tive amigos que me ajudaram em tudo e que me levavam sempre com eles para todo o lado», sublinha, em conversa com o Maisfutebol.

E depois apareceu a natação. Apenas um hobby durante muito tempo, mas que lhe mudaria a vida. E até um pouco da personalidade.

«Entrei para a natação da escola pouco depois de ter aparecido a doença. E sempre gostei, mas nem sabia que podia competir, apesar de eu adorar competição», introduz.

Tudo mudou, porém, quando Marco tinha 16 anos.

Natural de Castro Daire, no distrito de Viseu, foi o seu treinador de sempre, Armando Costa, que lhe lançou o desafio de treinar para entrar numa prova federada.

«Na altura, em 2017, eu tinha aulas duas vezes por semana e ia apenas a algumas provas do distrito, mas como fui melhorando, o meu treinador sugeriu que eu fosse a uma prova federada», recorda.

O resultado foi retumbante.

Na primeira vez que entrou numa piscina de 50 metros – ele que sempre treinou numa de 25m – Marco Meneses conseguiu os mínimos para o Mundial na prova de 100m, na categoria S11, para deficientes visuais totais.

Mas não se limitou a conseguir o mínimo. Fê-lo batendo o recorde nacional da categoria. Ou melhor, pulverizando o anterior máximo, ao qual retirou três segundos!

«Quando descobri que havia provas internacionais comecei a gostar ainda mais de natação», sorri, admitindo que esse primeiro resultado foi o maior incentivo para se esforçar ainda mais.

Naturalmente, o resultado chamou a atenção da Federação Portuguesa de Natação que propôs ao treinador de Marco, ao jovem e à família que se inscrevesse numa prova de certificação da sua incapacidade para, a partir daí, se tornar elegível para as provas internacionais oficiais.

Contra a timidez, nadar, nadar!

Ao conversar com Marco Meneses, agora com 22 anos, há algo que um traço da sua personalidade que é demasiado evidente: a timidez.

Não é fácil fazê-lo falar. Limitação que ele reconhece, mas que garante: está muito melhor.

E a culpa é da natação.

«Desde que comecei a competir, conheci mais gente, fui a outros países… Sinto-me um pouco mais à vontade para falar com as pessoas. No início não conseguia, ficava muito tímido», assume.

E o treinador confirma. Mas dá um detalhe que tem feito a diferença.

«Ele é mesmo muito reservado. É assim desde que o conheço, muito novo. Se o deixarem no canto dele, ele fica, mas se for desafiado para alguma coisa vai», sublinha.

Ora, se há coisa que o desafia é a competição. E talvez por isso os resultados apareçam a um ritmo alucinante.

Aquele primeiro resultado numa piscina olímpica e a ida a Berlim para certificar a categoria de competição foram o empurrão que Marco precisava.

«De dois dias, passei a treinar seis vezes por semana. De segunda a sábado. E em pouco tempo melhorei imenso», enaltece.

Na primeira prova internacional em que competiu com as cores de Portugal, no Mundial disputado no México, em 2017, Marco Meneses foi quarto classificado na prova de 100m costas.

No ano seguinte, chegou a primeira medalha, nos Europeus de Dublin, quando conquistou o bronze na mesma prova. E em 2019 repetiu o terceiro lugar nos europeus paralímpicos da juventude.

Só que quando parecia que nada podia travar-lhe a evolução, surgiu a pandemia. Foram meses fechado em casa, sem acesso a uma piscina ou, sequer, material de ginásio para poder manter mínimos físicos.

O ano de 2021, porém, reservar-lhe-ia um momento particularmente especial: a estreia nos Jogos Paralímpicos.

De Tóquio, Marco trouxe dois diplomas, fruto do oitavo lugar nos 50m livres e nos 100m costas, e um episódio de frustração naquela que devia ter sido a sua primeira prova na competição.

«Falhei os 400m livres por causa de uma confusão de transportes. Cheguei um minuto atrasado à câmara de chamada e a organização não facilitou nada», lamenta.

Ainda assim, quando lhe perguntamos qual a competição mais especial que viveu, não é de Tóquio que Marco nos fala. É do Mundial que se realizou no ano passado… na Madeira.

Foi lá que conquistou a primeira medalha em Mundiais, o bronze nos 100m costas, resultado ao qual juntou o quarto lugar nos 400m livres e o oitavo nos 50m e nos 100m livres.

Mas não foram os resultados a tornar tão única a competição.

«A prova mais especial foi, sem dúvida, o Mundial de 2022. Nadar com todo o apoio do público é outra coisa. As pessoas estavam ali mesmo para nos ver e apoiar», orgulha-se.

E de repente… um recorde do mundo

Este ano volta a haver Mundial. A prova está marcada para agosto, em Manchester, e aparece numa altura em que Marco Meneses está na melhor forma de sempre.

A maior prova disso mesmo foi dada pelo nadador que continua a competir pelo clube de sempre, o Crasto, há pouco mais de uma semana.

Também em Inglaterra, mas em Sheffield, no WPS World Series Great Britain, o português tornou-se no mais rápido de sempre a nadar os 50m costas na categoria S11, ao fazê-lo em 31s47.

Um resultado que até foi algo inesperado para Marco.

«O recorde tinha sido batido em Itália na semana anterior. Eu queria bater o tempo dele, claro, mas não estava muito confiante. Ainda estava muito longe do recorde mundial e não esperava melhorar tanto da manhã, quando bati o meu máximo, para a tarde quando consegui o recorde do mundo», nota.

Contudo, não sendo essa uma distância olímpica, e apesar de admitir a importância de ser recordista mundial, o jovem nadador diz olhar para o tempo que conseguiu como… meta para a viragem nos 100m costas.

«Os 100m e os 400m livres são as minhas provas preferidas e essas são distâncias olímpicas. Se conseguir fazer aquele tempo na viragem dos 100m posso conseguir bater esse recorde do mundo», aponta, ele que parte para o Mundial deste ano com o objetivo de melhorar o bronze que conseguiu na Madeira.

A natação como boia de salvação

Marco Meneses admite, com um orgulho natural, que a natação é a sua profissão. Apesar de admitir que um dia gostava de tirar um curso ligado à informática, o jovem deixou de estudar depois de terminar o 12.º ano.

E o facto de vários dos seus melhores amigos terem deixado a terra para seguir os estudos na Universidade deixou-o mais “isolado”. Ou deu-lhe mais força para se focar na natação, atividade à qual dedica grande parte dos seus dias.

«Sai, sobretudo, para os treinos. Mas sou mais de estar por casa a jogar. Não costumo sair muito», admite o jovem que vive com os pais e dois irmãos.

O foco que mostra, de resto, é elogiado pelo treinador.

«Ele é um atleta muito aplicado no treino. E a evolução enorme que tem tido está relacionada com essa dedicação. Cada vez se prepara melhor e sente que tem de fazer mais conseguir objetivos», aponta.

E tendo em conta a personalidade reservada de Marco Meneses, Armando Costa não tem dúvidas de que a natação lhe surgiu na vida como uma espécie de boa de salvação.

«Ele é mesmo muito competitivo. Conhecendo-o, acredito que a competição apareceu para ele como uma luz ao fundo do túnel. Na piscina, ele consegue extravasar o que a timidez o impede de mostrar fora de água», aponta.

«Acho que sem a natação, talvez fosse mais um miúdo que iria ficar fechado em casa sem grandes motivações para sair. A natação surgiu como algo que o motiva porque o faz acreditar que pode conseguir distinguir-se», conclui.

E se a natação surgiu para Marco Meneses de uma vida mais isolada, ele tem feito por agradecer. Para já, ele é o rosto e nome de um recorde do mundo. Mas a ambição é conseguir muito mais.

Dêem-lhe piscina para voar. Aí nem a timidez o trava.

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