«Mais longe e mais alto» é uma rubrica do Maisfutebol que olha para atletas e modalidades além do futebol. Histórias de esforço, superação, de sucessos e dificuldades.

Praticou natação, experimentou futebol, mas foi no ténis que criou uma ligação umbilical com o desporto. Há menos de um mês, estreou-se em torneios do circuito ATP e chegou à segunda ronda do quadro principal de singulares do Estoril Open, contra Marin Cilic, campeão do Open dos Estados Unidos em 2014.

Nuno Borges é o maiato de 24 anos que alcançou, esta segunda-feira, a sua melhor posição na hierarquia mundial ATP, com uma inédita entrada no top-300, para o 296.º lugar. É o quinto melhor português no ranking.

O atual campeão nacional absoluto cedo percebeu que o ténis podia mesmo fazer parte da sua vida, mas nunca trocou os livros pelas raquetes a 100 por cento na formação.

Em 2015, concluiu o secundário na Maia e rumou aos Estados Unidos para estudar cinesiologia quatro anos, na Mississipi State University, tendo conciliado os estudos com o ténis até voltar a Portugal, no final de 2019. Só daí para cá é que se tem unicamente focado nos courts.

Três semanas depois da aventura maior na carreira, e já com o regresso aos torneios mais modestos no circuito ITF, Nuno recorda a «experiência inesquecível» na terra batida do Estoril.

«Sendo a minha estreia em qualquer ATP e principalmente no Estoril, a jogar em casa, vai ficar marcado para sempre. Deu-me motivação para saber onde quero ir e onde quero chegar para jogar nestes torneios de alto nível», diz, nas primeiras palavras ao Maisfutebol, admitindo que até «nem achava que ia jogar o torneio a singulares».

«Acho que foi tudo um bónus. Não estava à espera até de ganhar a primeira ronda, por isso foi uma surpresa para mim. Claro que tenho que entrar pronto para ganhar, mas sem dúvida que me surpreendi de maneira positiva», completa.

Depois de superar o qualifying e de ter eliminado Jordan Thompson na sua estreia no quadro principal, Borges encarou o poderoso Cilic. Até recebeu dicas do norte-americano Frances Tiafoe, venceu o primeiro set, mas caiu ante o campeão que lhe deu os «parabéns» no final.

«Eu estava prestes a entrar e [o Tiafoe] deu-me umas dicas. Ele, estando no circuito, já sabe muito sobre os jogadores que lá andam. Acho que foi se calhar o jogo em que estive menos nervoso, senti menos pressão, senti que ele era claramente o favorito, por isso até gostaria de ter tido público nesse jogo e acho que o facto de não ter tido público nos outros até ajudou. Mas senti-me bem, ele no final do jogo deu-me os parabéns, foi simpático, foi uma experiência engraçada, gostei muito do encontro e foi também motivante saber que posso estar ali taco a taco com um jogador deste nível», sublinhou.

De olho no Grand Slam e o desejo do top-100… a seu tempo

Já com a experiência ATP em cima e uma progressiva subida no ranking (era 331.º à partida do Estoril), Nuno Borges olha agora com foco, não só, mas também, para atingir um lugar a rondar os 220 melhores, para poder ir ao qualifying dos torneios Grand Slam em menos de um ano, nomeadamente já ao Open da Austrália em janeiro de 2022.

«Eu sempre aspirei a ser top-100 do mundo, mas sinceramente, se chegasse aí, não sei se ficava satisfeito. Satisfeito, satisfeito, não estou. Sinto que tenho mais ténis para dar e não ponho limites neste momento. Agora, dar um número concreto é difícil. Se calhar daqui a uns anos consigo dizer melhor. Pode ser que consiga um lugar no top-100 e aí já tenha uma ideia. Sinto que é possível chegar, não necessariamente para o ano, mas daqui a uns anos. Agora, tenho o objetivo de entrar no top-220, mais ou menos, para poder jogar o qualifying dos Grand Slam, a começar pelo próximo ano», perspetiva.

«Não queria deixar os estudos e os EUA eram o melhor»

Com 18 anos, Nuno rumou aos Estados Unidos. Fez as malas e arrancou para um mundo novo. Tudo começou com contactos de treinadores locais e uma decisão bem ponderada.

«Na altura os treinadores dos EUA vieram ter comigo, falaram e tive inúmeras opções. Quando tive de decidir, achei melhor do que estudar em Portugal. Eu não queria deixar os estudos, porque não me sentia pronto para o circuito e achei que os EUA eram a melhor maneira para preparar-me e dar seguimento ao ténis».

No circuito universitário, o português afirmou-se como um dos protagonistas nessa era. Foi, por exemplo, distinguido com o Newsom Award, pelo mérito desportivo e pelos estudos, tendo ainda batido registos na ITA (Associação de Ténis Intercolegial dos EUA). Além de outras marcas no circuito universitário foi, em 2017, bronze nas Universíadas de Taipé.

«Saio de lá com memórias incríveis. Senti que melhorei o meu ténis e amadureci como pessoa. Foi lá que senti que criei a minha oportunidade para seguir o profissionalismo no ténis», refere Nuno, que apesar da exigência, sente que teve margem nos EUA para criar uma carreira dual.

Nuno Borges jogou ténis e estudou nos Estados Unidos entre 2015 e 2019 (Foto: Hailstate)

«Não é que eles ponham o treino à frente dos estudos. Aliás, um aluno que não tenha notas suficientes, não pode continuar a competir. Os estudos estão à frente. Simplesmente, o horário é mais flexível. Os treinadores estão sempre disponíveis para arranjar um treino. É um sistema bem engendrado, nunca houve problemas em faltar às aulas. Era difícil compensar, esse trabalho tinha de ser feito por mim e os professores ajudaram muito, coisa que, talvez em Portugal, não acontece. Eu tinha pouquíssimo tempo livre, era duro, tinha de trabalhar bem, mas gostava daquela vida de estudar e logo a seguir treino», lembra.

E se Nuno foi para fora para estudar, mas também singrar no ténis, responde com crença sobre se é possível um português fazer uma carreira de bom nível sem ter de ir além-fronteiras na formação. «Eu não sei se é possível, mas acredito que sim. Temos treinadores competentes e, cada vez mais, o sistema vai criando opções para os atletas. Na Maia, há um grupinho de miúdos que tem aulas online e tem uma carga horária flexível para treinar a 100 por cento, coisa que na altura eu não tive. Acredito que é possível alguém em Portugal surgir com um currículo 100 por cento português e ter muito ténis para jogar por aí».

«Percebi logo que o futebol não era para mim»

Com Roger Federer como «ídolo» pela «elegância e maturidade», Nuno Borges foi, também em criança, um dos milhares a experimentar o futebol. Mas pouco durou. «Eu lembro-me de dois ou três treinos e só pela negativa (risos). Acho que sempre gostei mais de desportos com as mãos. Percebi logo que o futebol não era para mim, estive dois ou três meses no máximo e nunca mais apareci».

O ténis não era a modalidade «de eleição». Mas agora é a da sua vida. Tudo começou – e continua – no Complexo da Maia, bem ao lado de casa. «Entrei na escola primária com seis anos, tinha tempo livre e os meus pais acharam por bem inscrever-me no ténis, era conveniente um complexo à beira de casa e foi mais por aí. Depois acabou por correr bem».