Mais longe e mais alto é uma rubrica do Maisfutebol que olha para atletas e modalidades além do futebol. Histórias de esforço, superação, de sucessos e dificuldades

«Não peço mais dinheiro aos meus pais», disse Rui Bragança ao Maisfutebol em agosto de 2016 após o nono lugar nos Jogos Olímpicos do Rio, deixando a possibilidade de se retirar do taekwondo por não ter apoios para se dedicar à modalidade.

Essa era a intenção, mas quase dois anos depois, felizmente, a realidade mudou para o atleta que durante vários anos também dividiu o tapete com o curso de medicina.

«Neste momento já não têm de me sustentar, não. Se isso ainda acontecesse, não continuava», disse-nos agora, reforçando: «Mesmo que eles tivessem todo o gosto em me ajudar, era um peso a mais nas minhas costas. Se os meus pais fossem muito abastados talvez não sentisse isso, mas não podia continuar a ser assim.»

Desde o verão de 2016 até agora muita coisa mudou. Rui Bragança manteve-se no projeto olímpico, mas assinou pelo Benfica, acabou o curso, mudou de categoria (e entretanto regressou de novo aos -58 kg) e mudou-se para Madrid.

É na capital espanhola com a treinadora Elaia Torrontegui - antiga campeã europeia - que o atleta, de 26 anos, tem treinado, preparado os próximos objetivos e trabalhado o exigente ciclo olímpico com vista a Tóquio 2020.

Rui Bragança mudou-se em setembro passado, mas só no início de 2018 conseguiu assentar.

«Os primeiros meses foram um pouco atribulados, foi difícil encontrar casa. Por ser português e as rendas não serem baratas não foi fácil, só em janeiro é que encontrei. Agora estou instalado, a cinco minutos do centro de treino e tenho a minha semana completamente organizada», contou.

Numa fase em que já não anda «a contar os tostões», tendo «o conforto» da bolsa olímpica, o atleta só se preocupa em «treinar e competir».

«O meu dia a dia não mudou muito, na medida em que treino todos os dias e continuo a fazer musculação, mas mudaram as pessoas com quem treino. Uma vez por semana treino no centro de alto rendimento com a seleção espanhola e ao sábado com a seleção madrilena. Por aí, mudou sim: mais experiência, mais parceiros de treino», referiu, não esquecendo que no passado também estava bem acompanhado: «Treinava com o Nuno Costa, um super parceiro - não podia pedir melhor -, mas agora tenho mais variedade.»

O objetivo da mudança foi «crescer na modalidade» e Rui Bragança já sente a evolução: «Saindo da zona de conforto, começamos a notar. Nos primeiros tempos custa, e ainda me custa a distância de casa, mas saber que estou a evoluir faz atenuar esse sentimento.»

«Espanha é uma super potência do taekwondo, em 2012 como equipa foi campeã nos JO - isso dá para imaginar a qualidade que tem. A forma como os espanhóis veem o taekwondo e o valor que dão ao desporto faz com que a mudança para esteja a ser uma mais-valia», acrescentou.

 Alergia ao cloro tirou-lhe os sonhos dentro de água 

Neste momento, o bicampeão da Europa em 2014 e 2016 e vice-campeão do mundo em 2011, foca-se no Campeonato da Europa que começa no dia 10 de maio na Rússia e alargou o ‘território de treino’.

Depois de uns dias em França - desde onde falou com o Maisfutebol -, prepara-se para viajar de novo já esta sexta-feira. «Eu e a minha treinadora decidimos fazer uma semana de estágio em França e outra na Jordânia. Os franceses estão com uma equipa muito boa, por isso o trabalho nestes dias correu muito bem», disse.

«O objetivo no Campeonato da Europa é conseguir uma medalha, até para comprovar que estou mesmo de volta», referiu, contando as mudanças de categoria porque passou nos últimos tempos: «No final de 2016 decidi ir para os -78 kg, mas as coisas não correram muito bem e em agosto decidi voltar para os -58 kg e voltar às origens.»

«Como mudei, e as coisas também mudaram, estou a reaprender a combater nos -58kg e já estou a ver resultados. Nas Universíadas de Taipe fui prata, no Egito e no Open de Espanha fui bronze. A ver como corre o Europeu», disse.

Rui Bragança vai pouco a pouco, mas com muito trabalho e com os próximos Jogos Olímpicos ainda muito longe. «É um bocado cedo para falar de Tóquio, apesar de o objetivo ser estar lá e conseguir fazer melhor do que no Rio 2016», referiu.

«Ainda nem qualificado estou, mas se lá estiver, claro que a ideia é essa. Estou esperançado, mas neste momento sou 10.º no ranking olímpico, ainda não estou em posição de estar apurado diretamente pelo ranking. É preciso trabalhar para chegar lá. Antes de Tóquio, há muitas coisas», justificou.

«Estamos a falar de 240 pontos!», reforçou, acrescentando: «Falta o Europeu, quatro Grand Prix e depois o Grand Prix final. Neste momento tenho 200 pontos, por isso dá para imaginar que ainda faltam muitas horas.»

Até ao final da carreira poderão faltar também mais ou menos as mesmas. «Se calhar acabo em Tóquio, mas ainda vamos ver como as coisas vão correndo e como me vou sentido. Em Tóquio vou ter 28 anos, vamos ver como as coisas correm», disse.

Ainda é cedo para falar disso também, mas a alternativa passará sempre pela medicina... e pelo desporto. «Acabei o curso e agora estou a fazer o mestrado online em medicina desportiva na Universidade do Porto. Optei por não começar já a carreira médica e não fazer o ano comum, porque se quero chegar a Tóquio é impossível dedicar-me ao trabalho.»

«Quando terminar a carreira no taekwondo, o objetivo é voltar. Pelo menos é isso que tenho em mente e o que faria se fosse agora», referiu, justificando: «Estarei também ligado ao desporto, mas até lá muita coisa pode acontecer e não sabemos o que é que o futuro nos reserva e que oportunidades vão aparecer, por isso não ponho nada de parte.»