Mais longe e mais alto é uma rubrica do Maisfutebol que olha para atletas e modalidades além do futebol. Histórias de esforço, superação, de sucessos e dificuldades.

«Já tive a minha sessão de choro por causa disso ontem, por isso já não vai ter de me ouvir a chorar». É assim que Tamila Holub reage à pergunta sobre a indefinição à volta dos Jogos Olímpicos por causa da pandemia da Covid-19.

«Está a ser muito duro. Só um atleta sabe o que é estar a treinar cinco horas por dia todos os dias, abdicar de tantas, tantas coisas… da família, dos amigos, de tanta coisa… e depois acontecer isto. Não posso fazer nada e sinto o sonho a fugir-me por entre os dedos», desabafa ao Maisfutebol a nadadora do Sp. Braga, que conseguiu a qualificação para Tóquio já em junho de 2019.

Por causa dos Jogos Olímpicos, a atleta de 20 anos, que estava a estudar nos Estados Unidos no curso de acesso a Medicina, para um dia trabalhar na área da pediatria, fez uma pausa na carreira académica para se focar ao máximo na preparação.

«Fiz treinos como nunca tinha feito na vida e sinto-me segura de que vão dar resultado. Estava a treinar tão bem, a fazer tempos muito bons, que nunca tinha conseguido… estava tudo tão bem… e acontece esta coisa… devo ter feito alguma coisa muito má noutra vida», conta com mágoa Tamila Holub. «É uma sensação de injustiça.»

A cinco meses do dia marcado para a abertura de Tóquio 2020, o Comité Olímpico Internacional admite o adiamento dos Jogos, mas a decisão só será tomada dentro de quatro semanas. Para já, e apesar de o decreto do Estado de Emergência, que entrou em vigor em Portugal este domingo, permitir aos atletas de alto rendimento circularem na via pública e poderem utilizar as infraestruturas desportivas, nem todos estão a conseguir treinar.

É o caso de Tamila Holub. «O decreto diz que os espaços devem ser abertos, mas até agora não houve mudança nenhuma na minha situação. É muito complicado porque já são 10, 11 dias sem ir à água, nem sei bem… É muito tempo», lamenta.

«No meu caso, ter acesso à piscina envolve o Sp. Braga e a Câmara Municipal de Braga. O decreto até pode dizer uma coisa, mas depois a câmara pode considerar que é arriscado para a saúde dos funcionários», diz Tamila Holub, admitindo: «É uma altura em que não podemos ser egoístas e temos de fazer o melhor, não só por nós, mas também pelas outras pessoas.»

A atleta arsenalista diz que «esta é uma das poucas ocasiões em que fazer parte de uma equipa mais pequena é melhor porque há nadadores que estão a conseguir treinar. A minha colega Catarina Monteiro do Clube Fluvial Vilacondense, por exemplo, não chegou a parar. A piscina é basicamente deles, por isso é mais fácil. Ela está a treinar sozinha.»

Foto Federação Portuguesa de Natação

Tamila Holub não tem entrado na água, mas nem por isso tem estado parada. «Saio de manhã para fazer uma hora de corrida. Procuro um sítio tranquilo, mas a questão é que todas as pessoas procuram sítios tranquilos e depois acabamos por estar mais pessoas nos sítios isolados do que nos sítios mais acessíveis», conta, entre risos. «Depois, à tarde faço abdominais, exercícios com pesos, tudo isso. Mas claro que agora estando parada da piscina mais do que uma semana, quando voltar a treinar vai ser começar a época do início e é ridículo ter de fazer isso antes de uns Jogos Olímpicos», aponta.

«Claro que queria que fossem já os Jogos Olímpicos. Treinei tanto para isto, quero finalmente competir… No início até dizia: ‘Não quero saber. Eu quero ir, nem que depois tenha de ficar três meses em quarentena.’ Mas agora acho que o que faz mais sentido é adiar», explica a nadadora.

«Mesmo que haja condições de segurança, não haveria igualdade. Nós já estamos há demasiado tempo parados, tal como Espanha e Itália, mas há países em que os atletas nem sequer pararam. Na Hungria, por exemplo está toda a gente a treinar», diz Tamila Holub e aponta: «Se por um lado quero fazer os Jogos Olímpicos, por outro não quero só fazê-los, quero ir no meu melhor estado de forma, quero competir.»

Há quatro anos, em 2016, Tamila Holub esteve nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. Era a mais nova da comitiva portuguesa. «Foi incrível, nem sei como descrever porque aquilo passa num instante, como se fosse um sonho. Só me deu vontade de viver aquilo mais uma vez, ou duas, ou três», conta.

«Percebes aí a dimensão e o poder que o desporto tem. É uma festa do desporto e até para os próprios atletas é muito importante porque é a altura em que as pessoas se lembram de que os atletas existem. É a altura em que se conseguem patrocínios, em que se fazem entrevistas. Muitas pessoas treinam a vida inteira só para uns Jogos Olímpicos. Foi uma experiência inesquecível», acrescenta a nadadora, sem esconder o entusiasmo na voz.

Foto Comité Olímpico de Portugal

Nascida em Cherkasy, na Ucrânia, Tamila veio para Portugal quando tinha três anos. «Os meus pais vieram trabalhar para cá, para Braga, e foi aqui que eu cresci, mas sempre interessada na cultura ucraniana e russa», conta a atleta, que escreve e fala fluentemente tanto russo como ucraniano.

«O facto de conhecer outra cultura dá-me outra abertura. Aprendi a não julgar as coisas desde o início, a analisar as coisas de diferentes perspetivas, mas vejo-me totalmente como portuguesa», garante.

Os dois últimos anos de Tamila Holub foram passados nos Estados Unidos, no curso de acesso a Medicina na Universidade da Carolina do Norte. «Foi essa experiência que me ajudou finalmente a perceber que me via como portuguesa. Ter estado longe e ter sentido tantas saudades, deu para perceber que realmente era aqui que eu queria estar.»

Apesar das saudades de casa e da família, sobretudo da irmã mais nova, de oito anos, que também já pratica natação e a quem «queria dar todo o mimo do mundo quando estava em Portugal», a nadadora diz que «foi uma experiência que valeu totalmente a pena».

«Eu tinha 100 por cento da bolsa, não tinha de me preocupar basicamente com nada. Tinha só de treinar e de estudar e a minha aposta foi basicamente no treino. Estamos a falar dos Estados Unidos, dos melhores do mundo, e eu realmente queria aprender o máximo com eles, aprender o que eles fazem fora de água, para além da piscina… todos os pormenores que nós ainda não temos cá e aprendi muito», garante.

«Queria imenso estar lá e não conseguia parar de sorrir porque sabia que isto era uma oportunidade única, que muitos atletas gostariam de ter», assegura. Fez agora uma pausa de um ano por causa dos Jogos Olímpicos. «Se quiser posso voltar para lá, ainda tenho dois anos de bolsa garantida, ou posso continuar os meus estudos aqui em Portugal», explica.

A Medicina está então no futuro da atleta por ser um interesse que tem desde sempre, mas Tamila avisa que, pelo menos nos próximos anos, terá de ser conciliada com a natação: «Sinto que ainda tenho muito para dar.»

A modalidade entrou na vida de Tamila aos seis anos «não por ter uma inclinação especial para a natação, mas porque tinha muitos problemas respiratórios.»

A decisão dos pais até teve objeções. «A minha avó estava totalmente contra porque, obviamente, eu ia ficar ainda mais doente, ia ter bronquites… mas, felizmente, nada disso aconteceu», conta a rir.

Foto arquivo pessoal

«Comecei aos seis anos, nas piscinas de Maximinos. Entretanto, o treinador lá disse que se calhar era melhor eu ir para os cadetes do Sp. Braga, que eram a partir dos 9 anos, porque eu era bastante alta para a minha idade. Dava um salto e já estava no meio daquela piscina pequena», recorda.

«Comecei a treinar, achava graça, mas também fazia danças de salão e muitas outras atividades. Até aos 12 anos não levava a natação a sério, era mais um hobby. Não percebia bem por que era preciso fazer aquele esforço, não tinha a noção de que era normal doer no treino», explica.

Até que aos 13 anos se deu o clique. «Foi a minha primeira competição internacional. Fui representar Portugal na Polónia e logo na primeira prova consegui ficar em primeiro. Isso motivou-me de uma maneira incrível. Foi também o meu primeiro estágio da seleção e lembro-me de pensar: eu quero ir a todos os estágios possíveis, a todas as provas, quero estar presente em todas as atividades».

Mas essa vontade de querer mais não é tudo. Qual é o segredo para se ter tornado na atleta que é? «Treinar, treinar, treinar… não há mesmo mais segredo nenhum», garante. «Imagino que seja chato para um jornalista ouvir sempre a mesma coisa, mas juro que não há nada que ajude além do treino. Especialmente na natação. Há pessoas que podem ter mais tendência, mais sensibilidade para a água, mas como o meu treinador uma vez disse: ‘É 5% talento e 95% trabalho’».

Foto arquivo pessoal

E como é essa rotina de trabalho? «Numa semana normal, acordo às 06h00, faço uma corrida antes do treino da manhã, treino na água entre as 07h00 e as 09h00, depois uma hora e meia de ginásio. À tarde são mais três horas de água, das 18h00 às 21h00. E é assim todos os dias. Como aqui em Braga não temos uma piscina olímpica, de 50 metros, vamos para a Póvoa de Varzim para treinar quatro vezes por semana. Ao sábado e domingo temos treino só de manhã», conta Tamila Holub.

«São cinco horas de água e 1h30 de ginásio e não há nenhum dia em que não faça absolutamente nada.»

E quando tem de parar, sente falta? «Sim!», exclama. «É o que está a acontecer agora! E vou ser sincera. No ano passado, os mundiais foram mais cedo, por isso tive um mês de férias. Na primeira semana só conseguia pensar: ’São 10h00 da manhã, eu a esta hora costumo estar a correr. São 18h00, a esta hora eu costumo estar a entrar na água’. Foi um stress. Depois na segunda semana realmente descansei e na terceira já só pensava: ‘Daqui a pouco já vou estar novamente a entrar na água a esta hora’. É estranho para nós realmente estar parado.»

E já pensou alguma vez em desistir? «Ui, periodicamente. Eu penso demasiado, duvido de muitas coisas, sou um bocado chata e isso não ajuda muito. Há fases em que queres estar bem e o corpo não corresponde. Um treino de natação já é muito duro e não estar a conseguir fazer as coisas bem é frustrante. Mas quando fui operada ao apêndice, e tive um momento em que podia desistir, abandonar, nem sequer tive dúvida, só pensava em voltar. Esse momento mostrou-me que quero sempre voltar à piscina.»

Campeã europeia de juniores em 2016, nos 1500m livres, e vice-campeã nos 800m livres, Tamila Holub diz que «há muita falta de informação» sobre a natação em Portugal.

«Não há falta de atletas. Nós temos pessoas que se dedicam, temos campeões do mundo, medalhados olímpicos, mas as pessoas sabem pouco sobre isso», acrescenta, dizendo ainda: «Os media também deviam ser um pouco mais justos e gastar um pouco mais de tempo connosco, em vez de ser só com os jogadores de futebol.»

«Quando estamos ali a dois anos dos Jogos Olímpicos, na fase em que estás em pressão para fazer os mínimos, para conseguir a qualificação, precisamos de apoio do público, mas não o recebemos e sentimos que ninguém quer saber do nosso trabalho», lamenta a nadadora.

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

Hypnotizing the water for my final race tomorrow 🤪 #euroswim2019

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Foi por isso com surpresa que Tamila Holub recebeu tantas manifestações de apoio quando se envolveu recentemente numa polémica por não ter sido convidada para a gala do Sp. Braga, em que marcou presença como acompanhante do colega de equipa José Paulo Lopes.

«Eu nem consegui dormir porque estava a receber tantas mensagens. Foi tanto apoio. Se a reação foi assim é porque se calhar não sou só eu que estou farta destas coisas. Mas agora a situação passou e eu tentei concentrar-me ao máximo no treino, no meu trabalho, e agora nos Jogos Olímpicos. Se as pessoas reconhecerem, muito bem. Se não reconhecerem, tenho de continuar a treinar e viver com isso», garante.

Artigo original: 23-03; 23h50