«Mais longe e mais alto» é uma rubrica do Maisfutebol que olha para atletas e modalidades além do futebol. Histórias de esforço, superação, de sucessos e dificuldades.
E o volante nunca deixou de conduzir uma carreira de topo no badminton.
Telma Santos, 38 anos. Quase 30 ligados a uma modalidade para a qual foi impulsionada pelo tio Fernando Silva. «É o meu ídolo, não há como», atira.
Em criança, viu-o preparar a ida aos Jogos de Barcelona em 1992. E pegou também ela na raquete para criar uma carreira cheia de conquistas nacionais e internacionais. Entre o vasto currículo, é dela o recorde de campeonatos nacionais (12), além das duas idas aos Jogos Olímpicos, em 2012 e 2016. A primeira, em Londres, deu a Portugal a primeira vitória olímpica.
No início deste mês, em Huelva, cidade do clube no qual compete há sete anos na liga espanhola, voltou ao topo. No Campeonato do Mundo de veteranos, foi campeã mundial na categoria de mais de 35 anos e voltou a sentir o «sabor especial» das vitórias internacionais.
«Não sendo no Mundial que eu gostaria de ter jogado, o que está a decorrer - não para ser campeã do mundo mas para participar - tem um sabor especial porque eu não contava ser campeã do mundo. Fui porque queria divertir-me, voltar a sentir adrenalina em jogar com atletas estrangeiras. Foi importante, deixou-me feliz e deu-me a certeza de que o meu lugar ainda não é naquele tipo de campeonatos, porque ainda tenho muito nível e teria muito nível se tivesse continuado a treinar em alta competição para estar ainda nos grandes palcos», conta, ao Maisfutebol.
Isso não aconteceu depois de uma mudança na carreira. Não no fim dela, mas no fim de «uma». Um problema com a Federação que Telma não consegue avaliar levou-a ao fim de um ciclo que a impediu de lutar por uma terceira participação olímpica.
«Eu não terminei a carreira, foi mais terminar uma carreira. Em 2016, depois dos Jogos, tive um problema com a Federação, ainda não foi resolvido e impediu de ter continuado a jogar no mais alto nível e de ter tentado Tóquio. Dia 10 de fevereiro haverá audiência, finalmente, mas no fundo nem eu sei ao certo o que se passa. Apenas me proibiram de treinar, questões relacionadas com orçamentos, não sei. Nada que justifique pôr uma atleta em tribunal, porque a atleta não fez nada. Só quero ver este assunto resolvido», garante quem também mudou a vida profissional e pessoal em 2017.
Telma, que é de Peniche, rumou a Norte para uma experiência como treinadora, a convite do Clube Badminton Gaia, que deixou em 2019 para focar-se no seu projeto profissional na Póvoa de Varzim. «Tenho ambição de poder ajudar os mais jovens e abracei esse projeto, mas como estava na Póvoa e não estava a ser possível conciliar o trabalho com os treinos - e quando estou em alguma coisa gosto de fazer bem - não era justo terem uma treinadora a chegar atrasada às vezes, porque estava a dar um treino, além do trânsito. Acabei por abdicar e foi entregue a outro treinador, estão bem entregues. Pensando futuramente em voltar a exercer papel de treinadora, será à partida um projeto meu», diz.
Na Póvoa, onde vive e tem um estúdio de personal trainer, Telma concilia-o com treinos de badminton em Esposende quando pode. Só vai a Espanha ao fim-de-semana para competir.
Talvez por isso a preparação para este Mundial tenha sido bem diferente. «Eu era uma atleta acostumada a treinos bidiários cinco a seis vezes por semana e isso deixou de acontecer quando vim do Rio. Depois, houve mudanças de cidade, de trabalho e esta preparação, quando digo que ficou aquém do que queria, deve-se ao facto de eu ter de trabalhar e ter de arranjar forma de ir treinar. Às vezes não dava para treinar todos os dias, às vezes só dava para ir meia hora e tinha de voltar porque tinha outra pessoa para dar treino [ndr: no estúdio]», relata quem nunca abandonou o badminton depois de 2016. O percurso em Espanha tem sido vitorioso no IES Badminton La Orden.
«À exceção do ano passado, fomos seis vezes campeãs nacionais, o clube representou Espanha na Taça dos Campeões Europeus e, para jogar em Espanha, tenho de apresentar bom nível. A única coisa que mudou foi o local de treino. Também a qualidade, porque deixei de treinar com o meu treinador, por estar longe. Agora, ligação ao badminton tive sempre. Deixei de jogar em Portugal, de representar a seleção, mas continuei a treinar porque sempre acreditei que se ia resolver rápido e que, à partida, podia ter tentado Tóquio. Infelizmente não aconteceu. Daqui para a frente vou estar, se calhar, numa vertente mais de treinadora e fazer um projeto meu, mas terá de ser pensado com calma para ser bem feito», reforça.
«Portugal melhorou, mas precisamos de trabalhar e às vezes olhar para Espanha»
Do alto da inquestionável experiência e do percurso que tem, Telma acredita que o «panorama em Portugal na divulgação da modalidade melhorou», mas defende que é preciso mais para os atletas. Até porque «é impossível viver do badminton» em Portugal.
«Acho que o que damos aos nossos atletas ainda não é suficiente, precisamos de trabalhar mais e, às vezes, olharmos um bocadinho para a vizinha Espanha e para o trabalho que fazem, trabalho em conjunto em prol da divulgação dos atletas. Não vou dizer que não houve melhorias. Embora esteja longe, vejo que há e deixa-me contente. Espero é que sejam superiores, senão a modalidade vai desmoronar um bocadinho e tenho pena», expõe quem salienta a importância de «voltarmos a ter um atleta olímpico».
Esta semana, no Mundial em que Telma gostaria de ter estado, Portugal já viu terminada a sua participação por Adriana e Sónia Gonçalves e por Bernardo Atilano. Uma aventura que também acompanhou. «Eu acompanho sempre, mantive-me se calhar mais no silêncio porque também gostava de estar a tentar os Jogos Olímpicos, mas os nossos atletas nada têm a ver com isso. Desta participação, tenho pena que a Sónia não se tenha qualificado no singular, é uma atleta que trabalha muito, ela e a Adriana, que têm os seus empregos e se dedicam ao badminton tal como eu, que fazem esforços para treinar e trabalhar. Temos um Bernardo que está a crescer muito, que esteve perto de qualificar-se para Tóquio, espero que consiga Paris, tanto ele como o Duarte Anjo, dois atletas promissores e com talento. No feminino não sei o que vai acontecer, espero que haja meninas a tentar.»
O futuro e a mensagem aos jovens
Até quando pensa jogar? Uma das perguntas finais a Telma, atirada para… o final da época na liga espanhola, no verão de 2022.
«Vai depender de como acabar a liga, estou a ponderar deixar no fim desta época ou jogar mais uma. Vai depender de como correrem as coisas e como me sinto. Representar aquele clube exige que esteja num bom nível porque é o que merecem. Se achar que a cabeça e as pernas se movem de forma a dar alegrias àquele clube, pondero mais um ano, porque sou feliz a jogar lá. Se sentir que o trabalho não me está a permitir treinar da forma que quero e como quero, tenho de ser correta com o meu clube e dizer que cheguei ao fim da carreira. Gostava de continuar, mas também tenho de pensar que a vida está além do badminton como atleta», confessa, deixando uma mensagem a quem quer singrar.
«O badminton é giro e exigente. Ao contrário do que muita gente pensa, é exigente física e mentalmente. Quem gosta e tem ambição e sonhos… é ser resiliente, lutador, manter a humildade, lembrarem-se de onde vieram, que o caminho é longo, respeitarem sempre os atletas que defrontam, os treinadores e deixarem-se de tantas guerrinhas que às vezes vimos no desporto e fazerem as coisas de forma saudável, com ambição, determinação. Que lutem pelos seus sonhos mas de forma correta», conclui.
Sempre de raquete e volante na mão.
OUTROS «MAIS LONGE E MAIS ALTO»
Prata mundial entre mortais, piruetas e investigação oncológica
Nadar, pedalar e correr: o triatlo no sangue dos irmãos Batista
Vicente: nome próprio de 12 ouros e três recordes do mundo aos 16 anos
Rui Oliveira: um campeão na pista com os Jogos Olímpicos como meta
«Deram-me como acabado quando saí do Benfica: cerrei os dentes e fui campeão do mundo»
Nuno Borges: dos estudos e do ténis nos EUA até ao sonho no Estoril
Há um ano pensou desistir, a resiliência valeu-lhe o bronze no Europeu
Zicky: o menino da Guiné que foi do rinque ao Sporting e à Seleção
Auriol Dongmo: a portuguesa de coração que fugia de casa para lançar
O cinturão negro de Karaté que chegou a melhor do mundo no andebol
Recorde com 23 anos e bilhete para Tóquio após paragem na carreira
Só queria jogar com Nuno Gomes no Benfica, agora é a melhor do mundo
Há um ano jogava no Benfica e na seleção, agora sonha com informática
Rochele derrubou o racismo e agora quer medalha olímpica no judo
«É muito bom acordar de manhã e poder dizer que sou campeão da Europa»
Guerreiro: o cowboy de Pegões fez-se rei da montanha no Giro
O filho e neto de ciclistas que teve de passar o ano para ganhar a Volta
Vilaça «enfrentou» tubarões e crocodilos para chegar ao topo do mundo
O campeão que trocou as rodas pelas lâminas em busca do sonho Olímpico
Edu Sousa, o jovem guardião português que brilha no futsal espanhol
Gustavo Ribeiro, o miúdo lançado para o topo do mundo por uma prenda de Natal
«Transformei numa profissão o estilo de vida por que me apaixonei»
Recordista nacional venceu a Covid-19 e agora sonha com os Jogos Olímpicos
«O andebol foi diminuindo no meu coração e a medicina aumentando»
Quando outros ventos falham, é o sacrifício e amor à vela que os move
«O meu pai está a cumprir o seu dever de salvar vidas»
«O auge do MotoGP é ser campeão do Mundo e eu quero chegar lá»
«Sinto o sonho dos Jogos Olímpicos a fugir-me por entre os dedos»
Resistiu à doença, derrubou o preconceito e conquistou o mundo
Bruno Torres: no topo do mundo, mas com os pés bem assentes na areia
Leva uma «carreira a solo na vida», mas voa de recorde em recorde
O pai fez história no Benfica, o filho brilha no FC Porto e na seleção
«A minha perna esquerda vale ouro, a direita é só para subir degraus»