Para Sander nunca foi suficiente ter um campo de andebol no jardim.

Mas dava jeito, claro. Com o pavilhão da equipa onde começou a jogar a cerca de seis quilómetros, na pequena cidade de Trondheim, onde se consegue ir a pé para todo o lado, ele sempre podia treinar a fazer uns remates para o pai defender.

E esse era o maior desafio que ele podia ter, ou não fosse o pai, Erlend Sagosen, um guarda-redes internacional pela Noruega.

Foi aí, mais até do que no velhinho pavilhão situado numa das zonas mais queridas pelo povo de Trondheim, que começou a criar-se um dos melhores andebolistas atuais.

Mas essa foi também a razão pela qual Trondheim viu partir o seu «menino de ouro» muito ao cedo.

Com 17 anos, o talento de Sander Sagosen já era demasiado grande para ficar preso na cidade. Aliás, dois anos depois, já a própria Noruega era apertada para o segurar.

Seguiram, portanto, três épocas no campeonato dinamarquês, antes de dar o salto para o Paris Saint-Germain, em 2017, onde confirmou tudo o que se esperava dele.

Um ano depois de chegar à capital francesa, foi eleito o melhor andebolista do mundo em 2018, já depois de ter vencido a distinção para melhor jogador jovem do mundo nos três anos anteriores.

Em todos os clubes por onde tem passado, apenas uma exigência: morar o mais próximo possível do pavilhão para não perder tempo com viagens e poder focar-se no treino que desde cedo percebeu ser aquilo que o poderia levar longe.

O cartaz de uma cidade orgulhosa do filho pródigo

Com tal percurso, já se esperava que o regresso a Trondheim fosse transformado numa grande festa.

A cidade engalanou-se, espalhou imagens do filho pródigo por todo o lado – ele é concentrado na marcação de um livre de sete metros, ele é a festejar, até a comer uma maçã, imagine-se.

E o que faz o número cinco da seleção norueguesa? Responde ao carinho dentro de campo, com exibições de gala, que o fazem ser o melhor marcador do Europeu ao final do quarto dia, com 22 golos (!!) em dois jogos.

E como reage a Spektrum Arena a cada golo de Sagosen?

Impossível traduzir em palavras. IM-POS-SÍ-VEL!

E quanto tempo fica ele no pavilhão a distribuir cumprimentos após o final dos jogos?

Pfff. Para lá de muito!

E a ovação que recebe quando finalmente ruma aos balneários?!

Talvez já tenha dado para perceber a ideia…

Assim sendo, fica fácil perceber de onde virá a maior ameaça para Portugal no jogo diante da Noruega nesta terça-feira, não é verdade?

Antecipamos que virá da zona do central. Mas em caso de dúvida, é o rapaz com a camisola número cinco. Ou então, basta ouvir o público.

«A entrevista ao Sander tem de ser conjunta e só 15 minutos»

Segunda-feira, hotel da Noruega:

Para a antevisão do jogo com Portugal, à semelhança do que faz a seleção lusa, a Noruega coloca todos os jogadores à disposição dos jornalistas.

Assim mesmo: ‘eles estão aí, falem com quem quiserem’.

Mas há uma exceção, que nos é simpaticamente explicada pelo assessor da seleção norueguesa.

«Tivemos tantos pedidos de entrevista para o Sagosen, que a vamos ter de a fazer todos em conjunto. É que se fossem três minutos a cada um, uma hora não chegava. Têm 15 minutos para falar com ele», alertou.

E perceber norueguês?! Nããã... Nada. Impossível. Como? Acho que ele ali disse Portugal!

Depois do bombardeamento dos jornalistas locais, atiramo-nos a ele.

Disse Portugal, certo? O que lhe parece.

«Claro que fiquei surpreendido com o apuramento de Portugal. Mas eles mostraram que têm uma equipa muito forte. Venceram a França e a Bósnia e já garantiram o apuramento para a main round», responde em inglês, para descanso lusitano.

«Todos pensavam que seria a França e a Noruega a passar à fase seguinte. Mas sabemos a qualidade que Portugal tem, com uma nova geração de jogadores muito boa. Acho que vai ser uma experiência engraçada jogar contra ele. E é bom para o andebol que aconteçam estas surpresas», continua.

Então e o que é que Sagosen sabe sobre Portugal?

«Para ser honesto, ainda não sei muito.»

Ah: parece que lhe descobrimos o ponto fraco.

«Estive completamente focado nos dois primeiros jogos e só hoje [segunda-feira] é que vamos começar a analisar os vídeos da seleção portuguesa. Sei que têm um jogador do Nantes, contra quem já joguei, mas não sei muito mais do que isso», completa.

E como é estar a jogar em Trondheim, ripostamos para o ver pela primeira vez mudar o rosto sisudo.

«Claro que é especial. É muito emocionante! Porque aquele é o pavilhão onde comecei a jogar andebol [totalmente remodelado para a competição]. Tem sido um longo caminho para mim e poder jogar aqui, diante dos meus amigos, família e toda a gente de quem eu gosto, é um sentimento incrível», assume.

Um conselho: não se deixem enganar pela cara de menino de Sagosen. É dali que vêm muito do perigo da completíssima seleção norueguesa.