No verão de 2005, jogou-se, em Lagoa, o primeiro Encontro Nacional de Minis em andebol. O primeiro escalão de andebol de sete.

Ainda antes da competição começar, havia um nome que enchia todas as conversas: Rui Silva.

O miúdo do Francisco de Holanda chegava ao torneio para crianças da idade dele, depois de ter sido considerado o melhor jogador dos infantis… o escalão acima.

«Fenómeno».

O adjetivo era repetido sempre que o nome Rui Silva entrava na conversa. Fenómeno.

Às costas do jovem central – inconfundível quer pela qualidade de jogo, quer pelos óculos que já eram imagem de marca – a equipa chegou facilmente à final. Acabou por perder o jogo decisivo, muito porque as pilhas de Rui Silva acabaram. E a equipa ressentiu-se disso.

Ainda assim, não demoraria muito tempo a voltar a ouvir-se falar de Rui Silva.

Três anos depois, aquele miúdo era uma das figuras de destaque da equipa sénior do mesmo clube, que chegou à primeira divisão do andebol sénior nacional.

Com 15 anos. Quinze anos. Chegou aos seniores oito anos antes do que era suposto. A jogar ao lado do irmão, também ele muito jovem, num clube presidido... pela mãe.

Apesar dos laços familiares, Rui Silva não se demorou muito por lá. Um ano depois transferiu-se para o Sporting e trocaria os leões pelos dragões ao fim de cinco anos em Lisboa.

No FC Porto confirmou, finalmente, todo o potencial que desde cedo lhe foi apontado. E rapidamente se tornou também numa das principais caras do sucesso da seleção nacional.

Mas o talento do jogador que conquistou o andebol nacional nasceu em Guimarães, há muito tempo.

Maisfutebol: Começou a jogar andebol com quatro anos e desde muito cedo foi apontado como um fenómeno da modalidade. Alguma vez conseguiu levar o andebol como uma brincadeira?

Rui Silva: O andebol começou por ser uma brincadeira de miúdo, mas rapidamente passou a ser uma paixão. Depois, sempre me custou muito perder. Estando num desporto em que só um ganha, sempre quis muito ganhar para crescer. Se bem que às vezes perder também nos faz crescer. E foi tudo isso que fez com que eu chegasse onde estou hoje.

MF: Ter um irmão três anos mais velho a jogar andebol também foi uma motivação extra?

Rui Silva: Sim. O meu irmão sempre foi e ainda é o maior apoio que tenho na família no que diz respeito ao andebol. Eu sempre o vi como um ídolo. Era o irmão mais velho e o exemplo. Ele jogava no escalão acima do meu, mas começámos a jogar juntos muito cedo e a conquistar títulos da formação juntos. Ele sempre foi uma influência muito grande para mim. E quanto melhor eu fosse, mais possibilidades eu tinha de jogar com ele. Isso fez-me crescer muito

MF: Toda a sua família mais próxima esteve ligada à modalidade. Foram os vossos pais que vos levaram ao andebol, ou vocês que os arrastaram?

Rui Silva: Não. Tanto o meu pai como a minha mãe jogaram andebol aqui em Guimarães, no Xico [primeiro Francisco de Holanda e depois Xico Andebol]. Depois afastaram-se da modalidade, mas quando nós começámos a jogar, eles voltaram a envolver-se na parte diretiva.

MF: Estreia-se nos seniores do Xico Andebol com 16 anos, a jogar na primeira divisão…

Rui Silva: Não, não. A minha primeira época nos seniores é com 15 anos, quando conseguimos a subida à primeira divisão. Depois estreio-me com 16 na primeira divisão.

MF: Uma estreia em grande, logo como segundo melhor marcador do campeonato…

Rui Silva: Sim, e ganhámos a Taça de Portugal [risos]…

MF: Calma, já vamos a essa Taça! Lembra-se bem dessa primeira época, em 2009-2010?

Rui Silva: [mais risos] Sim, lembro. Não só por ter sido a primeira, mas também por ter sido tão especial, tanto em termos individuais como coletivos. Nessa época conseguimos ganhar ao FC Porto, ao Sporting e ao Benfica e ainda chegámos aos quartos de final da Taça Challenge. Além da conquista da Taça de Portugal.

MF: E fizeram-no com uma equipa que tinha uma média de idades muito baixa…

Rui Silva: Sim, teve um significado muito especial. Porque aquela foi uma geração que conseguiu ganhar títulos nacionais em iniciados e juvenis – nos juniores não conseguimos. E depois chegámos aos seniores e com cincou ou seis jogadores que cresceram juntos, conquistámos a Taça de Portugal. Ainda para mais, no clube que nos fez crescer.

MF: Foi o título mais especial?

Rui Silva: Todos têm um sabor muito especial, pelos mais diversos motivos. Mas aquele é certamente dos mais especiais por tudo o que envolve: por ter sido no clube em que foi e com as pessoas que foi. A minha mãe era a presidente do clube e estava no banco connosco também…

Rui Silva com a mãe e o irmão, Nuno Silva

MF: No final dessa época, falou-se muito de uma alegada proposta do Barcelona. Isso foi mesmo verdade, ou apenas rumores?

Rui Silva: Surgiu esse interesse depois de um torneio da seleção. Houve um interesse de um treinador [Manolo Cadenas] que depois saiu do clube e não passou desse interesse. Depois surgiu a oportunidade de sair do Xico nessa época para um clube maior e optei pelo Sporting.

MF: Como foi essa mudança, tão novo?

Rui Silva: Foi difícil porque saí aos 17 anos de casa dos meus pais para ir sozinho para Lisboa, que é uma cidade enorme. Foi uma mudança bastante produtiva, da qual não me arrependo nada. Tenho perfeita noção de que cresci muito enquanto pessoa e atleta e só tenho de agradecera todas as pessoas com quem me cruzei no Sporting.

MF: Jogou cinco épocas no Sporting. Conseguiu épocas regulares, mas não ‘explodiu’ como muitos esperavam que acontecesse. Também sentiu isso?

Rui Silva: Sim. Eu próprio tomei a decisão de sair por sentir que precisava de outro desafio. Achei mesmo que o meu tempo no Sporting tinha acabado e que estava na hora de mudar. Se queria atingir um nível alto no andebol nacional e internacional, precisava dessa mudança. Precisava de um desafio pessoal. E ainda bem que aconteceu porque acho que foi um dos fatores determinantes para atingir o nível em que estou hoje.

MF: A opção acabou por recair numa troca do Sporting pelo FC Porto.

Rui Silva: Sim. O FC Porto falou comigo muito cedo e eu decidi que queria ir para o FC Porto. A vida é feita de ciclos. É óbvio que as pessoas podem ficar chateadas por essa mudança de clube, mas somos humanos e quando sentimos a necessidade de mudar, temos de o fazer. Eu decidi assim nessa altura e nunca me incomodou o facto de me mudar para um rival ou não. Foi simplesmente a minha preferência e segui o meu coração.

MF: Foi só a experiência que fez com que tivesse melhores resultados no FC Porto do que no Sporting?

Rui Silva: Foi a experiência, mas também os treinadores que tive no FC Porto. Todos eles tiveram influência no jogador que sou hoje: desde o Ricardo Costa ao [Carlos] Martingo [atual adjunto, que chegou a liderar a equipa], até agora ao Magnus [Andersson]. Tal como a influência do professor [José] Magalhães, do [António] Borges ou do Adelino Caldeira. Esta organização do FC Porto também nos faz sentir mais fortes e que temos o apoio do clube.