É inevitável sentir na voz de Paulo Jorge Pereira a ausência da confiança e otimismo que lhe são característicos, e que nos últimos anos contagiaram uma geração que conseguiu os melhores resultados da história do andebol português.

Do outro lado do telefone, a quatro dias da estreia de Portugal no Europeu de andebol, há mais sombras que luz. Mas uma garantia logo a abrir: «Não é falta de confiança! Mas vamos ter de fazer como em 2020 e lutar contra o que parece pré-estabelecido».

As razões para o tom da conversa com Paulo Jorge Pereira prendem-se, sobretudo com o que foi a preparação da seleção para o Europeu. Vários jogadores testaram positivo à covid-19, o que obrigou a dividir os treinos em vários grupos ao longo da última semana e meia.

«Desde o dia 27 de dezembro que não treinamos todos em conjunto. Começámos a pensar um dia de cada vez, planear um dia de cada vez e foi assim até hoje [segunda-feira]. Tem sido muito difícil porque é uma adaptação diária que temos de fazer e que nunca foi tão difícil de gerir», descreve o selecionador.

«Temos de ser capazes de sobreviver no meio do caos»

Aos casos de covid nos jogadores tem de se acrescentar as ausências de jogadores fundamentais nas últimas provas internacionais que vão falhar o Europeu devido a lesão - André Gomes, Luís Frade, Pedro Portela ou João Ferraz –, e ainda Bélone Moreira (motivos pessoais) e Alexis Borges.

No total, se compararmos com os 18 jogadores que alcançaram o histórico sexto lugar em 2020, metade não vai estar na Hungria, onde Portugal se estreia na sexta-feira, diante da Islândia.

«Já ia ser difícil gerir a preparação, tendo em conta os novos jogadores que foram integrados, com estes constrangimentos todos, sem poder treinar normalmente e com o cancelamento do torneio de preparação, ainda mais difícil se torna», aponta.

Mas Paulo Jorge Pereira não atira a toalha ao chão. Não faz parte da sua forma de estar na vida ou no desporto, nem do espírito da equipa que lidera.

«Temos de reunir a inteligência e força para abordar o Europeu com um nível competitivo alto. E vamos fazer tudo para que esta preparação não seja um problema, mas um desafio e uma oportunidade», receita.

Nesse sentido, vai ser fundamental aquilo que, de há um ano para cá, o técnico de 56 anos tem colocado no mesmo patamar que as componentes físicas e táticas: a capacidade de adaptação ao desconhecido.

«Vamos ter de mostrar capacidade de adaptação e sobrevivência no meio do caos que têm sido estas semanas», enaltece, concluindo com um sorriso: «mas também se há coisa em que somos especialistas é a sobreviver no meio do caos.»

«O previsível é que as coisas não corram bem»

É, portanto, com uma equipa bastante renovada que Portugal vai enfrentar o grupo B, juntamente com a Hungria – orientada por Chema Rodriguez, treinador do Benfica - e Islândia, duas potencias da modalidade, e os Países Baixos, a menos cotada das quatro seleções.

Com uma média de idades de 26,7 – no Europeu de 2020 era de pouco mais de 28 anos -, Portugal entra, porém, com a bagagem acumulada nos últimos dois anos, em que conseguiu a melhor classificação em Europeus (6-º), Mundiais (10.º), além da participação inédita nos Jogos Olímpicos.

E essa história recente tem de pesar também no momento de lançar a prova que se realiza na Hungria e na Eslováquia.

«Confiança não falta. Continuamos a ter ideias, coragem e vontade para fazer as coisas bem. Mas o previsível é que as coisas não corram bem, temos de ser realistas. Vamos jogar um pouco no escuro», alerta Paulo Jorge Pereira.

«Perspetivo um Europeu com muitas dificuldades. Até porque vamos jogar num grupo com duas seleções que têm praticamente o dobro das nossas participações em Europeus».

As contas a que se refere o selecionador são simples de fazer. A Islândia, com quem Portugal se estreia na prova, na sexta-feira, vai para a 12.ª participação consecutiva em Europeus. E a Hungria, que joga em casa e é apontada por muitos especialistas como um dos candidatos mais fortes ao pódio, vai para a 13.ª participação.

Portugal tem seis presenças em fases finais e menos historial do que esses dois rivais, apesar de ser favorito em relação aos Países Baixos, que chegaram pela segunda vez a um Europeu.

«Em teoria, a classificação do grupo está definida. Mas nós temos crescido bastante e claro que vamos fazer tudo para passar à segunda fase. Voltamos à teoria de há dois anos de ter de lutar contra os favoritos e vamos lá para isso», garante, antes de analisar os oponentes.

«A Islândia não estava tão forte há muito tempo. Nos últimos tempos, faltava-lhes sempre um ou dois jogadores-chave. E agora chegam na máxima força».

«A Hungria tem uma geração muito forte, ainda para mais a jogar em casa. O facto de o selecionador conhecer bem os jogadores portugueses pode ser uma pequena vantagem para eles. Ele passa a época a preparar as equipas dele para defrontar grande parte dos nossos jogadores», detalha.

Quanto à receita para seguir em frente naquele que é considerado o grupo mais equilibrado do Europeu, o selecionador, ao contrário do que é habitual, aponta… para o ataque.

«Vamos ter de ser muito eficazes no ataque. Vamos algo debilitados em termos de ligações defensivas, uma vez que não conseguimos afinar totalmente essas ligações. Por isso, se formos extremamente eficazes no ataque, estaremos mais perto de ultrapassar as maiores dificuldades que podemos sentir na defesa», antecipa.

Portugal inicia o Europeu com a Islândia, na sexta-feira, defronta a anfitriã Hungria no domingo e termina a fase de grupos diante dos Países Baixos.

Apuram-se para a Main-round os dois primeiros classificados de cada grupo e Portugal sabe que jogará sempre em Budapeste.

O Europeu inicia-se na quinta-feira e a Espanha defende o título que conquistou em 2020, depois de ter vencido também em 2018.