Aos 26 anos, Cláudio Ramos é um dos valores seguros do campeonato. De uma fiabilidade que já não deixa dúvidas em ninguém, foi um dos principais responsáveis pelas duas permanências in extremis do Tondela na I Liga e, este ano, continua a mostrar créditos na defesa da baliza de uma equipa que respira uma tranquilidade que não conheceu nas duas primeiras épocas na Liga.

E não será exagerado colocar Cláudio Ramos na base desse ambiente mais desanuviado que se vive este ano em terras beirãs. Não só porque se trata «apenas» do guarda-redes com mais defesas realizadas até ao momento no campeonato - 96, segundo a estatística da Liga -, mas também porque é o jogador com mais anos de casa, quem todos os novos jogadores novos no clube procuram quando precisam de algo.

O guardião cumpre a sétima época ao serviço de um clube onde chegou emprestado pelo V. Guimarães, e onde julgava que teria uma curta passagem. E na verdade, já lá vão quase 200 jogos, repartidos por II Divisão B, II Liga e campeonato principal, num percurso ascendente em que cresceu com o clube.

Em conversa com o Maisfutebol, Cláudio Ramos recordou o início da sua caminhada, que começou no Sport Clube Paivense, a cerca de 70 quilómetros da cidade onde se viria a afirmar no futebol nacional, mas cujo sonho de se tornar futebolista levou para Guimarães, aos 14 anos. 

E é um homem convicto da qualidade do seu trabalho, que tem objetivos ambiciosos para uma carreira que ainda terá muito para dar e que, com o empenho que aplica diariamente, um dia o fará regressar à seleção nacional, que já representou nos escalões jovens.

Esse é um dos sonhos que assume nesta entrevista. E o sonho, todos sabem, está sempre na origem dos grandes feitos. Até agora, não foi diferente com Cláudio Ramos.



Maisfutebol: Saiu de Vila Nova de Paiva muito jovem. O que o levou a mudar-se para Guimarães?

Eu fui ao torneio Lopes da Silva pela seleção de Viseu e houve um olheiro do Vitória que me convidou para ir fazer testes. Nessa altura não consegui, mas depois saiu uma convocatória para a seleção de sub-16, quando eu jogava no Repesenses, eles voltam a chamar-me e eu fui para lá aos 14 anos. Foi uma boa experiência.

MF: Mas não deve ter sido uma decisão fácil.

Claro que não. Deixar de morar com a família para ir, aos 14 anos, para uma realidade completamente diferente, em Guimarães, não foi fácil. Mas acho que me fez bem, porque me ajudou a crescer como guarda-redes e como homem.

MF: Como reagiu a sua família?

Não foi nada fácil para a minha mãe, que não me queria deixar ir [risos]. Nós éramos muito apegados e ela não queria que eu fosse para lá sozinho, tão novo. Mas ainda bem que cedeu e que as coisas me correram bem.

MF: Como é que lhe deu a volta?

[mais risos] Disse-lhe que ela não me podia cortar as pernas porque o meu sonho era ser jogador de futebol e eu queria lutar por ele. Pedi-lhe para não ser ela a não permitir que isso acontecesse.

MF: Hoje ela dá-lhe razão?

Dá! E vai ver todos os jogos, seja em casa ou fora. E mesmo quando eu estava em Guimarães, quase todas as semanas ela fazia 170 quilómetros para cada lado para ir ver os meus jogos, ou para me ir buscar e levar. Ela sempre me apoiou muito.

MF: Acredito que esse apoio familiar também tenha sido importante para ter sucesso numa no clube.

Sem dúvida. Tanto a minha mãe como o meu pai sempre me deram muito apoio. Toda a minha família ia a Guimarães muitas vezes e nunca me deixavam ficar muito tempo sem vir a casa. E também a minha namorada, que agora é minha mulher, sempre me apoiou muito. Sentir todo esse apoio é muito importante.

MF: Depois de cinco anos na formação do V. Guimarães, como surge a hipótese de jogar Tondela?

No meu primeiro ano de sénior fui emprestado ao Amarante, da III Divisão, onde joguei e fomos campeões. Entretanto, o plantel do Vitória estava completo e eles sugeriram emprestar-me ao Tondela. Penso que foi o Vítor Paneira, que tinha confiança com os dirigentes do Vitória, que pediu para eu vir. E como vinha para perto da minha família, aceitei. Mas nunca pensei ficar todos estes anos. Pensei que fosse ser um clube de passagem onde eu fizesse uma época e regressasse. Isso não aconteceu, e ainda bem que não aconteceu porque tenho sido muito feliz aqui.

MF: Quando chegou, em 2011, encontrou o clube na então  II Divisão B. Como foi viver esta subida até à Liga?

Não foi fácil. Olhar para trás e ver o Tondela que encontrei, na II B, perceber as condições que o clube tinha e as que tem agora... A capacidade de crescimento que este clube teve não é uma coisa normal. Em dez anos, passou da distrital à I Liga e eu acompanhei uma grande parte desse trajeto. Agora posso dizer que é um clube muito estável, que dá todas as condições aos jogadores.

MF: E em termos pessoais, como viveu essa experiência?

Foi muito importante para mim, como jogador. Passar pela III Divisão, II B, II Liga e chegar à I Liga é muito bom. Eu sinto-me outra pessoa por ter passado por tudo isso. Sei as dificuldades que tive nesses anos e chegar à I Liga torna tudo muito mais fácil para nós. Acho que isso é muito importante para o crescimento da carreira de um jogador.

MF: Quando o Tondela chegou à Liga, o titular da baliza era o Matt Jones. Quando ele saiu, o Cláudio jogou, fez boas exibições, mas quando chegou o Zubikarai, voltou a sair da equipa. Como ultrapassou esse momento para aparecer como herói na fase final da época?

Esse não foi um ano fácil para mim porque começou o Matt Jones [como titular], depois dele sair comecei a jogar e, logo na semana em que o Zubikarai chegou, foi ele o titular. Eu nunca tinha passado por isso e não estava preparado para que me acontecesse. Mas confio muito nas minhas capacidades, trabalho sempre e por isso estava tranquilo e confiante de que se voltasse a ter a minha oportunidade, iria agarrá-la. E quando ela apareceu, nunca mais a larguei e ajudei o Tondela a ficar na I Liga, que foi o mais importante.

MF: Depois desse percurso, continua a sonhar com outros patamares?

Claro. Pensar que há cinco ou seis anos estava na III ou na II Divisão B e que agora estou na I Liga, só me faz sonhar que daqui a um ano, dois ou três possa estar a jogar num clube da Liga Europa, ou com objetivos diferentes dos do Tondela.

MF: E fazê-lo pelo Tondela, acha possível?

[risos] Isso aí já não sei. É algo que tem de partir da direção. É normal que por vezes surjam clubes que surpreendem, e acredito que o Tondela vai conseguir ser um clube estável na I Liga e, quem sabe, lutar pelos lugares europeus.

MF: Ainda com o Cláudio Ramos?

Isso é que eu não posso dizer porque não sei [mais risos].

MF: As boas épocas consecutivas que tem feito fazem com que haja alguma mágoa por ainda não ter tido uma oportunidade na seleção?

Não, não. Não há mágoa nenhuma. É um objetivo pessoal que tenho, mas quem está lá também tem muita qualidade e já mostrou o valor que tem. A mim só me cabe continuar a trabalhar e a fazer bons jogos para um dia surgir a minha oportunidade.

MF: Como avalia os guarda-redes que integram esta última convocatória?

São todos excelentes guarda-redes. Além do Rui Patrício, temos o Anthony Lopes, bastante jovem, só um ano mais velho do que eu e que é titular do Lyon há vários anos, num campeonato complicado e que joga a Liga dos Campeões. E há ainda o Beto, que é um guarda-redes com muita experiência e vários anos de seleção. São jogadores com muita qualidade e com todo o mérito para estar lá.

MF: Acha que terá de sair do Tondela para que essa convocatória surja?

Acredito que sim. Se estivesse num clube com uma projeção diferente da do Tondela, se calhar seria mais fácil entrar numa convocatória. Não penso muito nisso, mas tenho o objetivo de chegar lá. E para isso tenho de continuar a trabalhar, a fazer boas épocas e, quem sabe, ir para um clube com uma projeção que me permita chegar à seleção nacional.

MF: Ter presenças nas seleções jovens também ajuda a acalentar a esperança?

Sim, fui internacional sub-17, sub-18 e sub-20. Joguei com o Cédric, com o Danilo, com o William Carvalho e outros jogadores que estão lá agora.
 

Antes via vídeos de defesas, agora é protagonista desses vídeos
 

MF: Em entrevistas antigas, dizia que passava muito tempo a ver vídeos de guarda-redes no Youtube. Ainda faz isso?

Sim, continuo. Eu gosto de me manter sempre a par das defesas que acontecem em todos os campeonatos e por isso continuo a ver muitos vídeos. Antes, por exemplo, acompanhava muito o Casillas e agora é mais fácil porque posso acompanhá-lo mais de perto [risos]. Para mim isso é muito bom porque ele é um guarda-redes que sempre acompanhei e de quem sempre gostei muito. Poder jogar contra ele foi um momento muito importante da minha carreira.

MF: E disse-lhe isso?

Não, não tive oportunidade. Pedi-lhe a camisola mas não lhe disse isso [gargalhada].

MF: Como é, agora, encontrar no Youtube vídeos com defesas do Cláudio Ramos?

Também é bom. Por acaso, no outro dia estava a ver um vídeo de mais de 10 minutos de uma compilação de defesas e, de repente, fiquei surpreendido porque apareceram duas ou três defesas minhas. E eu pensei: fogo, ainda há uns tempos só andava aqui a ver isto, e agora já apareço. E é muito bom perceber isso.

MF: Acredita que também já é um exemplo para guarda-redes mais jovens?

Acho que sim. Os miúdos vêm falar comigo e deixam-me mensagens, tanto aqui de Viseu como de outras zonas do país, e dizem que eu sou um ídolo para eles e que gostam muito de mim. E isso faz-nos crescer porque obriga-nos a trabalhar ainda mais para contiuar a ser um exemplo para esses miúdos.