«A culpa é do processo» é uma nova rubrica do Maisfutebol, que analisará taticamente uma equipa em destaque na época em curso. Se tiver alguma sugestão envie para lm.externo@mediacapital.pt
O Manchester United vive a melhor fase da temporada e o objetivo Champions, que foi dado como perdido a certa altura da época, é novamente uma realidade.
Após a saída de José Mourinho, os Red Devils escolheram o ex-jogador do clube Ole Gunnar Solskjaer para assumir o comando técnico e o norueguês está a bater recordes e já se tornou no melhor estreante no banco do Man United ao vencer seis jogos consecutivos, série ainda em curso.
Mas afinal, o que mudou no Manchester United em menos de um mês?
Os jogadores são os mesmos, mas muita coisa mudou. Solskjaer fixou um sistema tático (ao longo da época Mourinho utilizou 4-4-2, 3-5-2, 4-3-3), moldou um onze-base e definiu uma estratégia semelhante para todos os duelos, de ataque, de pressão alta e de liberdade para os criativos.
Pogba explicou isso após o jogo com o Tottenham.
Estou a desfrutar de jogar futebol. Era difícil com o sistema e e táticas que usávamos antes. Gosto de jogar ao ataque, pressionar alto. Defender não é o meu melhor atributo. Neste momento sinto que estamos em total sintonia e sinto-me mais confortável que nunca. Ajuda-me ter Matic e Herrera por trás. Sei que o Matic vai estar lá e podemos pressionar alto. Posso chutar, passar... é o que tenho feito desde que o treinador chegou. Tenho segurança atrás de mim e posso libertar-me mais.», disse, citado pela Sky Sports.
Vamos então ver o que Solskjaer tem aplicado no «seu» Manchester United.
De Gea, Lindelof, Shaw, Matic, Pogba e Rashford foram titulares nos cinco jogos da Premier League.
Phil Jones, Ander Herrera, Martial e Lingard foram titulares em 4 de 5.
A lateral direita é a posição que mais jogadores conheceu, mas Young fez 3 dos 5 jogos (Dalot e Valencia fizeram um jogo cada um).
No plano ofensivo, o treinador norueguês definiu um 4-3-3 base para o jogo, que devido à mobilidade ofensiva, pretendida por ele, torna-se muitas vezes no 4-4-2 losango. É caso para dizer que Solskjaer libertou as amarras emocionais e defensivas aos jogadores e devolveu-lhes as opções criativas.
Formam também o 4-4-2 losango, quando Rashford/Lukaku baixam e Lingard ocupa a posição na frente.
Lingard, que parte da direita, assume muitas vezes o papel de número 10, com Rashford a ser um «9» que descai muitas vezes para o corredor direito e Martial a ser o homem que joga na esquerda, pisando muitas vezes terrenos centrais.
O objetivo é que Lingard crie superioridade no meio e jogue entre as linhas rivais e que a velocidade de Rashford e Martial explore os espaços entre lateral e central do adversário.
Nos momentos de transição, a opção por esse espaço é muito frequente e Pogba funciona como um «quarterback»: levanta a cabeça, define onde colocar e lança o ataque. Depois aparece em zonas de finalização e com Solskjaer já marcou quatro golos e quatro assistências.
Mais logo n'A Culpa é do Processo o novo @ManUtd. pic.twitter.com/6D8EcTz9iH
— Luis Martins (@luis_martins13) 15 de janeiro de 2019
Em posse, também várias mudanças com uma a ser a mais radical: construção prioritária partir de trás e redução do passe longo.
Lindelof tem sido indiscutível no eixo da defesa e o sueco está a crescer a cada jogo. É ele que começa e constrói o jogo, que pende quase sempre para o lado esquerdo.
Shaw, Martial e Pogba ocupam esses espaços, com Matic a ser o «homem-sombra» aparecendo nas costas dos homens que pressionam os três primeiros a dar soluções de passe para variar o jogo.
Ander Herrera (um autêntico ladrão de bolas!) quando a bola sai pela esquerda ocupa terrenos do lado direito, mas mais centrais, para compensar uma possível subida de Matic.
Caso as opções se fechem à esquerda e a bola rode para o lado direito, o espanhol abre na linha, ainda no seu meio-campo, projetando o lateral-direito Young e permitindo a Lingard a tal ocupação em terrenos centrais.
Herrera está preparado para construir jogo e a equilibrar a equipa em caso de perda de bola.
Esta é uma diferença para José Mourinho, que dava menos liberdade aos laterais e fixava um interior (Pogba) junto a Matic e o outro médio, com características mais físicas (McTominay ou Fellaini), mais junto ao «9», que com o português era quase sempre Lukaku.
E se olharmos para esta imagem, no jogo com o Newcastle com Mourinho como treinador, vemos algo muito recorrente: a falta de linhas de passe, que obrigava a esse jogo longo.
Com Solskjaer há um jogo muito apoiado, que é mais agradável para os adeptos, para os jogadores e que permite ter mais tempo a bola e recuperá-la muito mais rápido no momento de a perder. Como vamos ver mais à frente, o Manchester United tem recuperado muitas bolas perto da baliza rival.
(veja no vídeo o 2.º golo do jogo, que retrata o futebol apoiado, diagonais de Rashford e Pogba em zonas de finalização)
No momento defensivo, as diferenças são também visíveis, sobretudo no posicionamento. Hoje, o Manchester United posiciona-se com um bloco médio alto, deixando os centrais do adversário ter bola, mas anulando todas as linhas de passe para o «pivot defensivo» e laterais.
E a lição para o jogo com o Tottenham foi retirar Harry Winks, «pivot defensivo» dos Spurs, do jogo e foi até dessa leitura que nasceu o golo da vitória.
O lance do golo
Se o jogador da posição 9, seja Rashford ou Lingard (que fazem trocas constantes), se ocupa por anular e tirar do jogo o «pivot defensivo», Pogba e Herrera acompanham os restantes médios e encurtando as linhas de passe. Há pouco espaço para jogar,
Mas há um problema no meio-campo do United.
Muitas vezes, quer o espanhol, quer o francês, quer o sérvio marcam homem a homem no meio-campo, o que leva a que se uma equipa tiver muita mobilidade nos seus médios, consiga desmontar a organização no meio-campo dos Red Devils.
Matic e Herrera correm por vezes mais do que precisavam, mas têm tentado corrigir esse impulso de seguir o seu oponente para todo lado. Com o Tottenham estiveram quase perfeitos e raramente seguiram referências individuais.
É nesses momentos de «correria desorganizada» que o adversário consegue o espaço para jogar.
Outra mudança que Solskjaer implementou foi a «desobrigação» dos extremos seguirem o lateral até à linha de fundo.
Martial (mais este) e Lingard/Rashford têm ordens ficar em zonas mais avançadas, primeiro para tentar prender lá o lateral e depois porque estão sempre prontos para atacar e mais perto da baliza adversária.
Agora veja a comparação com José Mourinho no jogo com o Liverpool, onde o extremo direito era Dalot, fazendo com que a equipa fechasse em 5-3-2, com Darmian junto aos centrais.
Este «risco» de Solskjaer obriga a uma maior concentração na defesa, a uma excelente ocupação de espaços e cobertura, algo que até tem acontecido, e tem sido vantajoso. O United tem posto os adversários em sentido com contra-ataques perigosíssimos e rapidíssimos.
Só mais este. pic.twitter.com/BkK2qfWDZ8
— Luis Martins (@luis_martins13) 15 de janeiro de 2019
Quando o adversário está em posse organizada, as duas linhas estão sempre muito juntas, impedindo o rival de jogar e tabelar, mas tem havido um problema que é De Gea que tem resolvido.
Quando o adversário consegue entrar pela lateral, a última linha do United recua, mas a segunda linha tem parado e fica ali um vazio.
Isto resulta também porque Matic tem ordens para compensar o espaço ou dos laterais ou dos centrais e nem Herrera nem Pogba têm ocupado o espaço central do sérvio.
Apenas nos minutos finais com o Tottenham, em Wembley, o Manchester United de Solsjkaer assumiu uma postura mais defensiva, fruto de erros na primeira linha de pressão, (mencionados de seguida), do cansaço e do resultado positivo, até porque nesta altura, os Spurs carregavam com tudo.
Lukaku entrou perto do fim com o Tottenham para o lugar de Martial, passando Rashford para a esquerda e o belga no centro do ataque. Até ao minuto 73, o Tottenham raramente conseguiu ter vantagem e construir no meio-campo, tendo Winks passado ao lado do jogo.
Lingard e Rashford foram alternando na função e estiveram muito bem, só que o belga ou não levou a mesma lição ou não a cumpriu.
Só se preocupou com os centrais e isso facilitou a vida ao Tottenham.
Luke Shaw, que está a voltar ao rendimento que o levou a ser contratado, ainda tem de corrigir alguns comportamentos, sobretudo os de compensação e libertação da amarra do homem a homem.
BOLAS PARADAS
Defensivamente, Solskjaer manteve uma marcação homem a homem quer em cantos quer em livres laterais, só que estes lances continuam a dar dissabores, e só não tem sido pior porque De Gea resolve.
Até ao momento, o United sofreu três golos, os três de bola parada: penálti, canto e livre lateral.
Mas há um pormenor que é importante salientar: Solskjaer deixa sempre um homem no ataque, às vezes coloca dois. Só na primeira parte com o Tottenham criou dois lances de perigo na baliza de Lloris, após saídas rápidas depois de recuperar a bola num canto.
FIGURA: Pogba
Joga, faz jogar, assiste, marca e diverte Old Trafford. O francês parece estar de volta aos grandes jogos, de volta ao rendimento que levou o Manchester United a pagar mais de 100 milhões por ele. As confusões com Mourinho não ajudaram, mas agora está a mostrar o craque que é.