O Maisfutebol desafiou os treinadores portugueses que trabalham no estrangeiro, em vários pontos do planeta, a relatar as suas experiências para os nossos leitores. São as crónicas Made in Portugal:

Leia a apresentação de Manuel Madureira

«Era fim de tarde, quase noite.

O cansaço e o silêncio mental provocados pelo regime intenso do trabalho de pré-época contrapunham-se com os ritmos africanos dos bares. Estes serviam bebidas quentes por falta de energia elétrica e animavam tudo e todos com as suas quentes e misteriosas bebidas tropicais.

Depois de três treinos realizados (06H00, 11H30 e 17H00), numa árdua semana de trabalho, o staff técnico resolveu antes do jantar ir até à zona dita proibida.

Como era novidade e não queria de forma alguma criar algo que pudesse perturbar a relação profissional, aceitei o convite dos meus adjuntos Antoine e Massamba Clemente.

Acompanhados do Diretor Técnico, Ndguinda, lá fomos ao

local há tanto descrito e por demais solicitado.

Peixe do rio fumado, embrulhado em folhas verdes de milho e cobertos de carvão em brasa, carne seca de antílope, batatas cozidas com óleo de déndén, coca-cola, cerveja e vinho, eram as iguarias locais. Motivo de orgulho da mais publicitada tradição da República do Congo.

Qual não foi o meu espanto, quando antes de ser servido o menu já descrito, foi colocada uma travessa na mesa repleta de escorpiões fritos.

Enojou-me o que acabara de ser colocado na mesa. Não queria comer, nem sequer cheirar, mas não tive alternativa. Fui obrigado a provar e a comer um escorpião, para gáudio da plateia que assistia de olho arregalado.

Estava perante uma tribo local, a cerca de 50 km de Brazzaville, no interior da floresta montanhosa e a cerca de 1950 metros de altitude.

Era o único cidadão caucasiano ali presente, por isso mesmo o alvo de todas as atenções, o convidado de honra. Fui até ao fim, numa atitude de valentia.

Este local é considerado um centro de estágio desportivo, mas subnutrido de infra-estruturas.

A cisterna que ali existe teve de ser limpa pelo grupo de trabalho e desinfetada com lixívia, para lá serem colocados 20 mil litros de água, transportados por um camião militar apenas ao quarto dia do nosso estágio de 10 dias.

Imaginem o que foi sobreviver ao calor, ao ritmo de três treinos diários, ao suor produzido e aos milhares de mosquitos tropicais carregados de paludismo.

Se quis minimamente lavar-me, tive de comprar água mineral, uma esponja e desenrascar-me.

Escusado será dizer, que nesse estagio de INHÉ 45 apanhei o paludismo, diarreia e uma enorme intoxicação alimentar, tendo que recorrer no fim do estágio à clínica francesa em Brazzaville.

Nos exames efetuados, já tinha o paludismo de tal maneira infetado (a cada 1000 glóbulos, 850 estavam afetados) que questionei os médicos sobre a toma de uma vacina.

Prontamente foi-me informado, que não existe qualquer tipo de vacinação conta o paludismo. Quem contrair a doença, tem de tomar uns comprimidos durante três dias e à priori, fica bom.

Se não ficar bom, só terá que repetir o processo até ficar limpo. Achei estanho e após o meu regresso a Portugal, fui fazer um exame de rotina ao hospital de Aveiro.

Felizmente, estava tudo ok. Coloquei a questão da vacina ao medico que me atendeu, que prontamente e me esclareceu dizendo que existe vacinação preventiva contra o

paludismo.

Perante as duas informações, ficou claro que existe vacina contra o paludismo e ela não é aplicada no Congo Brazzaville.

Fica no ar a ideia do poderio económico, (negócio de milhões) por parte das multinacionais internacionais, detentoras da indústria farmacêutica com a venda de comprimidos para a cura.

É mais rentável vender comprimidos do que vacinar preventivamente.

Por hoje fico por aqui.

Manuel Madureira»