Quatro anos numa cela, 11 meses na ala de isolamento. Atirado para um conflito social sem paralelo em França, assistiu ao despertar de sentimentos que julgava inexistentes. A fúria destravada, a ira acumulada anos a fio e escondida atrás de um sorriso ingénuo.

Na hora da detenção, o sentimento de injustiça. «Algumas pessoas olham para mim e não se desligam dos clichés. Sou negro, não andei na universidade e vivo nos subúrbios. Fui considerado culpado e continuei culpado na prisão. Mesmo sem o ser», desabafa Mara Kanté ao Maisfutebol, como se ainda estivesse em alegações oficiais.

«Quem me conhece sabe que sou extremamente calmo e ponderado. O meu único vício é o futebol», insiste o jovem lateral esquerdo, sobrevivente a uma longa espera pela existência digna. Devoto do Islão, muçulmano praticante, Mara Kanté refugiou-se nas preces e na leitura, enquanto esteve preso.

Uma lista longa e problemática

O futebol, depois de quatro anos na prisão

«Tornei-me mentalmente mais forte. Não ligava nada à musculação e ao ginásio. Comecei a ler trabalhos de Malcolm X, Gandhi e Nelson Mandela. Aprendi muito sobre as pessoas e percebi que posso alcançar metas importantes.»

A vida dá mais uma oportunidade a Mara Kanté. Depois dos sonhos juvenis e do pesadelo na prisão, tudo tem mais sabor. Mesmo os pequenos detalhes. A catarse é feita num dia-a-dia sem mácula. «Casa, treino, treino, casa. Estou a dar tudo para ter sucesso nesta carreira e chegar à primeira divisão. À selecção? Sim, acredito que um dia vou conseguir.»

Em cada treino no CS Louhans-Cuiseaux, a mesma esperança de menino. Jogar bem, ganhar sempre, chegar a casa com um sorriso nos lábios e longe dos tumultos de outrora. Sonhos simples, luzidios.