O Comité Olímpico de Portugal (COP) acolheu na passada sexta-feira, em Oeiras, a conferência internacional «Preparação Olímpica – Percursos e Contextos» onde foram, além de abordadas, levantadas várias questões relativamente ao tema proposto. Se, no âmbito internacional, as discussões começaram no plano da preparação desportiva dos mais novos de todos, houve várias abordagens nacionais que situaram realidades que podem respeitar à preparação presente para os próximos Jogos Olímpicos Rio 2016.

As várias posições tiveram como pano de fundo o chamado desporto de elite, cujos resultados ambicionados são os melhores possíveis de entre todos e cuja consagração na obtenção dos mesmos tem como palco privilegiado uma olimpíada. Mas não apenas na sua fase maturada e também no início do(s) percursos(s) que a esses resultados podem levar. Ou não.

Foi essa uma das elucidações feitas por Robert Malina, investigador e académico da Universidade do Texas (EUA). O professor norte-americano já três vezes presidente da Associação de Educação Física dos Estados Unidos, dedicou-se ao «Treino do jovem atleta» e uma das conclusões que pôde retirar-se foi que é errado haver uma prática especializada intensa logo desde tenra idade, pois não é assim que se assegura o sucesso.

Malina explicou que não há uma correlação especialmente forte entre os resultados que se tem em criança e os que se tem como sénior alertando que o objetivo no desporto praticado pelas crianças deve ser o de promover o acesso ao mesmo pelo maior número delas; até porque esses hábitos de prática desportiva por princípio é que poderão ser aproveitados por todos numa idade mais adulta dentro de uma perspetiva de vida mais saudável.

O investigador norte-americano descreve que o crescimento, a maturação e o desenvolvimento não são estádios independentes, mas são sim «três processos que ocorrem ao mesmo tempo interagindo» e faz o desafio de questionar o que é o «talento» sob a definição de «potencial». «É o potencial para quê? Para o sucesso? Para ganhar medalhas?»



Malina sabe o que é preciso fazer para a «retenção de uma criança numa modalidade» – pelo «alimentar» e pelo «desenvolvimento do seu «talento» –, mas também que o treino especializado é apenas «um dos momentos do espaço desportivo» criticando o peso que muitas vezes a influência familiar tem na condução das crianças para uma ou outra direção tendo o sucesso como aglutinador das decisões.

«O que conhecemos nós dos jovens atletas?» pergunta também o professor fazendo uma elucidação cronológica em quatro etapas: há treinar para treinar, treinar para competir, treinar para vencer e há depois o abandono. Malina critica a procura pelo talento numa realidade que conhece bem no seu país e num processo que apelidou de «fábrica de diplomas universitários». «A sobre-organização da infância» que para Malina é a «orientação direcionada desde muito cedo» não é reflexo de sucesso, pois, o que acontece em laboratório não é sempre o que acontece na realidade.

O académico refere «duas janelas implícitas de modelos de desenvolvimento», que se traduzem na infância e na média infância, que devem preocupar-se com o «desenvolvimento das capacidades» dos jovens, e na adolescência, onde se privilegiará o treino. «Como sobrevive uma criança na cultura de um ginásio, de um clube? Precisamos de estudar isso» sabendo desde já que «os programas de talento têm taxas de desistência e de reprovação muito grandes».

O professor texano revela que nos Estados Unidos «só dois por cento conseguem passar da bolsa desportiva do liceu para a bolsa desportiva na faculdade». Para vincar as suas questões Malina frisa que «a maioria dos atletas de elite praticou vários desportos antes de se especializar» lembrando que, quanto à eficácia dos programas de desenvolvimento, «só se ouve falar dos sucessos, mas não dos que desistem».



A propósito da intervenção de João Neto sobre a dieta que os judocas devem – ou não – fazer para terem o peso regulamentar das suas categorias, Robert Malina deu outra explicação fisiológica e também mental. O treinador português de judo explicou que o melhor método «é a perda de peso pela dieta de longo prazo e a desidratação aguda nas vésperas da competição».

Aplicando os processos do judo à especialização nos jovens atletas, Malina afirma que é perigoso pedir aos jovens que percam peso quando estão numa idade em que o normal é estarem a ganhar peso». «Pode haver alterações metabólicas num corpo que está em fase normal de mutação. E as alterações não são só físicas como também são mentais, sobretudo nas raparigas», esclarece o académico.

«Os jovens fazem cada vez menos desporto, mas os treinos são cada vez mais exigentes», refere Malina concluindo que «há maior probabilidade de lesões» e deixando mais questões: «Tendemos a dar atenção aos que vão para a elite e a esquecer os que ficam para trás. Os jovens podem estar a ser forçados a fazer o que não querem. Os jovens devem ter oportunidade para fazer outras coisas.»



O papel dos treinadores foi também tema central quando se discutiu os modelos corretos de preparação dos atletas e o presidente da Federação Portuguesa de Natação defendeu que «temos a legislação mais competitiva do mundo, mas não temos a compatibilidade de carreiras nem os meios». A existência das carreiras duais é um dos problemas dos treinadores e António José Silva salienta que «quer treinadores quer atletas têm de estar completamente disponíveis para o treino». «Não falta dinheiro, faltam as sinergias entre as estruturas», diz o investigador considerando que «é preciso apoiar os clubes que têm projeção nacional e internacional».

José Gomes Pereira concorda com importância de uma preparação «longitudinal e diferenciada» e não transversal, mas destaca que «para o atleta de elite não há preparação olímpica, há preparação de alto rendimento». O médico docente na Faculdade de Motricidade Humana explica que a preparação «tem de ser diária e continuada para que «não seja uma preparação a quatro anos, mas que seja para as competições de todos os anos».

O também membro da Comissão Médica do COP destacou a relação tripartida que tem de haver entre o atleta, o treinador e o médico sendo essencial a construção de uma equipa de apoio. «O treinador tem de saber pedir os outros especialistas», como psicólogos, nutricionistas e outros, explicou Gomes Pereira desenvolvendo que os especialistas também «têm de saber fazer e transmitir» as informações à restante equipa.



O debate centrado nas perspetivas nacionais foi feito a três tons. Carlos Marta destacou a existências dos 14 centros de alto rendimento (contado com o Jamor) com o presidente da Fundação do Desporto a debruçar-se essencialmente sobre a sua gestão. Mas quando a conversa passou para os residentes das federações presentes nesta mesa redonda, o cenário foi escurecendo.

Delmino Pereira queixa-se que «a base de recrutamento está cada vez mais pequena», pois «há cada vez menos crianças sem saber andar de bicicleta». «Nesta fase, a nossa missão é apaixonar as crianças pela modalidade», disse o presidente da Federação Portuguesa de Ciclismo propondo «ensinar as crianças a andarem de bicicleta no 1º ciclo».

Numa altura em que há «onze atletas no contexto do alto rendimento», o líder do ciclismo português diz que as intenções da federação são a «profissionalização» dos ciclistas nacionais jovens para depois «exportá-los, internacionalizá-los». Pedro Miguel Moura também deseja essa internacionalização que já existe com os expoentes nacionais do ténis de mesa, mas confessa as suas limitações.

«Não é possível a uma federação como a nossa criar gerações e gerações de jogadores de nível mundial, de exportar jogadores para estarem com os melhores», diz o presidente da Federação de Ténis de Mesa cujas propostas para o futuro passam por «trazer os portugueses que estão entre os melhores da Europa para cá e transformar o centro [de alto rendimento] de cá num grande centro da Europa de ténis de mesa, numa grande academia».

As intervenções dos presidentes das federações portuguesas de atletismo e de canoagem foram mais críticas do que as dos seus homólogos. Jorge Vieira afirmou que «a dificuldade do desporto português a nível internacional tem, claramente, a ver com as estruturas» sublinhando que «o financiamento é um problema que tem a ver com tudo». O líder federativo do atletismo frisou que «na elite não faltam substanciais meios» e que «o problema está na elitização, o processo que leva o atleta da base até ao topo».

Dando exemplos da inexistência de infraestruturas e material de treinos que não existem ou de dificuldades como treinar com luz emprestada de campos adjacentes, Jorge Vieira determinou cinco pontos chave a ter em conta para terminar com o que chamou de «estrangulamento da modalidade»: treinadores; infraestruturas, financiamento, qualidade da formação desportiva juvenil e organização.

Vítor Félix também foi crítico na descrição que fez dOo cenário com que se debate a federação de canoagem, que em Montemor «não tem torre, proteções contra o vento norte» ou sequer «alojamento» próprio para os atletas. O líder federativo considera que «Portugal não tem centros de alto rendimento, tem centros de treino». E deixou o exemplo dos horários dos funcionários que saem às 17:00 ou da paragem a que ficam sujeitos os atletas se aqueles decidem fazer greve.