O Maisfutebol desafiou os treinadores portugueses que trabalham no estrangeiro, em vários pontos do planeta, a relatar as suas experiências para os nossos leitores. São as crónicas Made in Portugal:

Leia a apresentação de Mário Lemos

MÁRIO LEMOS, MTG UTD (Tailândia)

«Caros Leitores,

Não me custou muito a minha adaptação à Tailândia, mas houve algumas dificuldades. O primeiro problema que tive foi quando saí do aeroporto. O calor e a humidade não se comparavam ao que estava habituado.



As primeiras semanas foram complicadas, passei os dias em casa debaixo do ar condicionado e só saía á noite. No final de cada treino parecia que tinha corrido uma maratona mas fui-me adaptando.

A segunda barreira foi a comunicação com os meus jogadores. Num plantel de 24 atletas apenas quatro falavam inglês e dois deles eram do Gana. Estes não falavam tailandês, ou seja, não me podiam ajudar na tradução. Tive sorte do meu treinador-adjunto falar inglês e assumiu as funções de meu tradutor.



A outra barreira para a comunicação foi algo que nunca tinha visto na minha vida como treinador. Na Tailândia têm o costume, nos jogos da formação, de fazer o relato ao vivo para o público no estádio.

Neste momento estou a participar num torneio em que isto acontece e tenho duas enormes colunas ao lado do banco dos suplentes e há dois comentadores que relatam o jogo de maneira entusiasta e praticamente sempre aos gritos!

Estes dois comentadores fazem-se passar por treinadores, incentivam os jogadores a rematar ou passar a bola, comentam a arbitragem e são comediantes, pois muitas das vezes vejo os meus jogadores, diretores e publico a rirem do que eles dizem.

Neste torneio torna-se impossível comunicar com os meus jogadores. Já tentei várias maneiras de tirar aquelas colunas, tentei mudar o banco de suplentes para outro sítio, pedi para mudarem as colunas de local, tentei baixar o som das colunas, mas quando chega o dia do jogo as colunas continuam ao lado do banco no volume máximo!

Neste último jogo estávamos empatados 1-1 e nos descontos. Um jogo bem disputado com as duas equipas a jogar para ganhar, até que o meu defesa esquerdo com ambição de querer ganhar sobe no terreno e deixa a equipa desorganizada, um espaço enorme na nossa defesa.

Caros leitores, eu gritei em Português, Tailandês e Inglês, eu esbracejei, eu saltei mas não houve maneira de ele me ouvir. Como era previsível perdemos a posse e o adversário meteu a bola nesse espaço vazio. Com muita sorte para a nossa equipa o passe saiu demasiado comprido e veio na minha direção, enquanto o defesa esquerdo continuava acampado na frente.

Não tive alternativa. Agarrei na bola, entrei dentro de campo, chamei por ele, e mais uma vez num Português, Tailandês e Inglês misturado, consegui que ele voltasse para a sua posição e ainda deu tempo para eu lhe mostrar o meu relógio com o tempo de jogo.

Ele, muito envergonhado, inclinava a cabeça e dizia sorry coach!. Voltei para o banco a pensar: é hoje que sou expulso pela primeira vez na Tailândia. Sentei-me e olhei para o lado. Vi um dos comentadores a olhar para mim e a dizer qualquer coisa em Tailandês e todo o público no estádio começou-se a rir. Pedi ao meu adjunto para traduzir:

«Até me assustei, pensei que o treinador Português fosse jogar também»!

O jogo foi a penáltis, ganhámos 6-5 e o penálti vencedor foi do meu grande defesa esquerdo/ avançado. Este foi um dos episódios que tive neste novo país e nesta nova cultura que ainda estou a conhecer.

Infelizmente não poderei ir a Portugal passar o Natal nem a passagem de ano! Gostaria de desejar um Feliz Natal e um Feliz Ano Novo para a minha família, amigos e a todos os leitores.

Mário Lemos»